Você já se perguntou como o Universo surgiu? Em uma busca rápida pela internet, poderemos encontrar as mais refinadas teorias científicas sobre como se deu a existência das estrelas, planetas, galáxias e tudo que compõe o cosmos. Entre elas, a mais famosa – e aceita – é a teoria do Big Bang, a qual nos fala que há cerca 13,5 bilhões de anos toda a matéria que existe no Universo estava reunida em um único ponto até que este começou a se expandir. Com o tempo toda essa matéria gerou a vida em seus mais distintos formatos, assim como as estrelas e demais elementos que conhecemos.
A teoria do Big Bang é sustentada por uma série de evidências e leis observáveis pela física, química e estudos astronômicos. A partir dela podemos definir que o tempo e o espaço, as duas grandezas que estão em todo o Universo, passaram a existir. Ainda assim, podemos nos perguntar o que é o tempo? E a matéria? De onde vieram? O Big Bang não nos responde essas questões e ainda queremos descobrir exatamente o que tais nomes significam.
Hoje falaremos um pouco sobre essas questões a partir da perspectiva hindu, uma vez que para este povo o Universo era fruto da vontade de Brahma, o deus criador. É importante ressaltar, porém, que todas as culturas humanas tentaram responder essas questões através de mitos, lendas e fábulas. Tais narrativas se utilizaram de alegorias, metáforas e símbolos para representar princípios e ideias que fundamentavam – e ainda fundamentam – sua percepção de mundo. Na Grécia Antiga, berço de grandes filósofos como Platão e Sócrates, por exemplo, Cronos era tido como o Titã do tempo, a principal força da natureza e que foi destronado por seu filho, Zeus. Cronos devorava seus filhos, um símbolo do tempo que destrói tudo que dele nasce, não importa suas características.
Essa característica do tempo também está representada no mito hindu que vamos conhecer agora. Tudo começa com Brahma, o grande criador e que nasceu do Ovo Cósmico, contempla o Caos e inicia sua criação. Fala-se que todo o Universo é fruto da respiração desse deus e assim, de maneira quase poética, toda a vida do Cosmos nada mais seria do que o sopro de Brahma. Fala-se que quando Brahma expira o “ar” que há em si, todo o Universo se manifesta, ou seja, torna-se visível. As estrelas, os cometas, planetas e todos os seres vivos surgem nesse momento. Esse momento é contínuo, até que em determinado ponto – como a nossa própria respiração – Brahma para de soprar o ar e, aos poucos, começa a inspirar todo o ar que outrora estava fora do corpo do deus. Nesse segundo movimento, fala-se que o Universo manifestado volta a se recolher e, naturalmente, o que antes estava visível volta para um estado invisível, de não existência.
Esses dois movimentos os hindus chamavam de Manvantara e Pralaya, respectivamente. Manvantara nada mais seria do que o momento em que a Vida, que emana do próprio deus, estaria em seu estado mais evidente. Já Pralaya é o momento em que a Vida está em um estado latente. É interessante observar, porém, que nos dois momentos a Vida não deixa de estar presente, a diferença é apenas aparente e diz respeito ao seu estado.
Essa é uma ideia extremamente refinada e que, por vezes, é ignorada por acharmos que se trata de um mito e que, portanto, não há nenhum valor real. Vamos agora compreender como esse mito nos revela sobre nossa concepção de tempo e espaço e nossa relação em meio a esses conceitos.
Inicialmente pensemos sobre o que significa o tempo dentro da perspectiva hindu. Assim como na perspectiva científica, o que chamamos de “tempo” é o momento em que iniciou a formação do Universo e que findaria, em teoria, com a destruição da matéria. A diferença crucial entre as duas está no fato de que a mitologia hindu mostra que o tempo é cíclico, ou seja, mesmo que retorne e encontre um fim com o recolhimento do Universo, um novo ciclo começa após certo tempo. Porém, essa perspectiva do “recomeço” não existe na visão científica, que aponta para um fim melancólico do Universo a partir da sua retração.
Nessas duas perspectivas, a científica nos fala do tempo cronológico, que passa de forma linear e em direção ao seu inexorável futuro. Já a perspectiva hindu nos fala de ciclicidade e que, assim como outra série de evidências na natureza, aponta para um eterno recomeço de inícios e fins. Sabendo dessas duas visões, é possível aprendermos a nos relacionar melhor com essas ideias em nossa vida cotidiana?
Nós acreditamos que sim. O ponto principal está em percebermos como essas duas perspectivas de encararmos o tempo se apresentam na natureza. Pense em como marcamos o nosso tempo: utilizamos o calendário no qual há doze meses, cada um deles com quatro ou cinco semanas. Cada semana, por sua vez, possui sete dias. E cada dia tem, notadamente, 24 horas. Ao fim desse ciclo anual, contamos de forma progressiva o tempo, ou seja, saímos do ano 1 para o ano 2 e assim por diante. Todas essas marcações são, porém, feitas por momentos da natureza. Basta refletirmos: um dia é, no final das contas, o tempo que a Terra leva para dar uma volta em torno de si mesma. Um ano é, a rigor, o tempo de translação da Terra ao redor do Sol. O movimento que os planetas – e o próprio Sol – fazem são cíclicos e dessa maneira seguem sua jornada espacial.
Nós, enquanto humanidade, por questões de praticidade e organização, renegamos até certo ponto essa maneira cíclica de enxergar – e vivenciar – a vida comum e aceitamos a cronologia como forma de encarar o tempo. Desse modo temos a falsa sensação de que o tempo somente avança para o futuro e que jamais poderá retroceder ou mesmo recomeçar.
Mais uma vez, porém, precisamos enxergar em nossa vida prática essas relações. Quantas vezes sentimos alegria na vida? E raivas? E quantas vezes lembramos de momentos em que fomos tão felizes que desejamos retornar a eles? E ao contrário, momentos em que fomos infelizes e que não desejamos que ninguém passe por eles? É provável que pensando nessas perguntas você tenha visualizado em sua memória uma série de momentos – e sabemos que nenhum deles foi “repetido”. Os momentos são únicos, pois estão marcados no tempo; mas os nossos sentimentos, emoções e percepções agem de maneira cíclica em nossa vida. Por razões diferentes podemos senti-las e assim como florescem em nosso peito, também se esvaem logo em seguida.
Com o tempo também ocorre algo semelhante, pois mesmo que não possamos voltar ao passado, a todo momento ele nos invade, causando em nós uma nova percepção. O tempo não é, portanto, apenas aquele marcado no relógio e que passa, mas é, antes de tudo, a fixação da nossa consciência em algum aspecto da nossa vida. Por isso é cíclico, está sempre a ter fins e recomeços.
O que os hindus buscaram representar com a respiração de Brahma é, em grande medida, essa percepção de que a Vida, em seus múltiplos estágios e formas, segue; e a ideia de que há, de fato, um “fim” é apenas uma percepção limitada que possuímos. O tempo, assim como a Vida, é infinito e mesmo que tenha um final, em que todo o Universo entre em colapso, ainda assim poderá recomeçar.
Dito isso, não pensemos que em nossa vida há também um final, ou que não temos tempo a perder, como diria a canção. O tempo é nosso e devemos fazer o melhor com o que nos resta, nessa existência, com ele.