A Mitologia, como sabemos, é uma excelente fonte de informações sobre a Cultura das Civilizações. Graças às suas Histórias, podemos entender, em maior ou menor grau, como pensavam os Antigos e quais Ideias eles desejavam eternizar em seus Símbolos. Para muito além de uma explicação do Mundo, os mitos nos apresentam perspectivas que extrapolam o aspecto Cultural, pois tais Ideias acabam sendo vividas em diferentes experiências Humanas, mudando apenas a sua forma.
Dito isso, lembramos sempre aos nossos leitores para (re)lerem nosso texto sobre Mitologia e Simbolismo, pois lá explicamos com detalhes a relação desses dois conceitos e como é fundamental observarmos essas Antigas Histórias, através de uma Linguagem Simbólica. Jamais poderemos compreender um Mito, seja de qual Civilização for, se não estivermos dispostos a enxergar nele Alegorias e Ideias que não são, necessariamente, lógicas.
Considerando tais proposições, hoje, vamos aprender um pouco mais sobre uma Divindade que quase nunca é citada em nosso dia a dia, mas que, graças ao entretenimento atual, pode ser vista nos cinemas e nas histórias em quadrinhos: Heimdall, o Vigilante de Asgard.
Apesar de distante da nossa Cultura, os Nórdicos, que vulgarmente chamamos de Vikings, desenvolveram um complexo sistema Mitológico com diversos Símbolos. Guerreiros em sua essência, a maior parte dos seus Mitos envolvem guerras, conflitos e suas Divindades, mesmo que não estejam diretamente ligadas ao combate, possuem em si atributos que fazem referência a uma mentalidade guerreira. Em uma primeira análise, é possível entender essa característica inata dos nórdicos por sua conduta Cultural, na qual se baseava na força e na guerra com outros povos, a partir de invasões e saques. Entretanto, dentro da sua forma Cultural de enxergar o Mundo, também há um aspecto mais profundo que, poucas vezes, nos atentamos a isso: a guerra interior.
Nesse sentido, Heimdall é um excelente exemplo para entendermos esse Símbolo tão presente na Cultura Nórdica. Essa Divindade é filho de Odin, mas tem como mãe nove deusas, chamadas genericamente de formas do mar. Ele também é irmão de uma outra Divindade Guerreira, Sif, que também é esposa do famoso Deus Thor. A descendência Guerreira de Heimdall se plasma nesse Deus a partir dos seus atributos, tendo uma força, agilidade e sentidos de proporções muito mais robustas que um Ser Humano. Dentro dos Mitos Nórdicos, o papel desse Deus é de fundamental importância, afinal, ele é o Vigilante da Ponte Bifrost, a única ligação entre o Mundo dos Deuses (Asgard) com o Mundo dos homens (Midgard).
Conta o Mito que, antes dessa função, Asgard fora invadida diversas vezes pelos gigantes, os principais inimigos dos Deuses. Frente a isso, Odin ordenou que seria preciso um guardião na entrada, mas quem seria capaz de ter tamanho poder para impedir novas invasões? Assim, realizou-se uma espécie de torneio para decidir quem deveria estar nesse posto essencial da cidade dos Aesir. E assim, Heimdall foi o grande vencedor. Ao assumir esse posto, ele se encontra parado em frente à Bifrost, e do alto da ponte, vigia tudo que ocorre nos nove Mundos.
Para isso, Heimdall conta com algumas habilidades. Seus sentidos aguçados permitem que ele escute e veja tudo que ocorre, desde o bater de asas de um passarinho até o rastejar de um inseto. Além disso, o Divino Guardião também é capaz de prever o futuro, tendo assim a capacidade de enxergar para além do espaço e do tempo. Além disso, ele verifica, seja em qualquer instância, eventos que ainda irão acontecer. Essa habilidade ainda o torna capaz de ir a qualquer um dos Mundos e entrar em contato com qualquer ser, inclusive os Seres Humanos.
Antes de continuarmos, porém, cabe analisarmos esses atributos do Deus e seu Simbolismo. Comecemos então pela função que Heimdall ocupa: a de Guardião. Como bem sabemos, as sentinelas, em um exército, exercem a função de confiança, e para isso, precisam estar atentas a todo momento. Cabe a elas proteger todo o batalhão de Guerreiros quando estes estão dormindo, assim, são os vigilantes, os protetores do sono e do silêncio. De maneira Simbólica, Heimdall representa esse arquétipo do ser que vigia quando todos os outros estão dormindo, ou seja, é o que permanece eternamente atento, mesmo nas horas mais obscuras.
Se levarmos essa representação para a nossa Vida, percebemos que Heimdall é um Símbolo da nossa consciência. Ele é esse ser interno que vigia nossas ações e que, silenciosamente, nos aponta o certo e o errado. Assim, a Ideia de ser uma sentinela não é apenas externa, ou seja, de vigiar os perigos que podem nos atacar de fora, mas principalmente ser um vigilante dos nossos pensamentos, emoções e desejos que tentam nos invadir de forma interna.
Basta pararmos e refletirmos sobre como um desejo chega até nós. Quase como “mágica”, somos invadidos por uma necessidade de supri-los e, na maioria das vezes, são desejos que ferem os nossos princípios. Assim, se não estamos conscientes de quem verdadeiramente somos e atuamos em prol dessa idealização (de sermos pessoas com princípios), podemos cair e realizar atos que, outrora, jamais aceitaríamos. Frente a isso, não basta apenas vigiarmos o que está “fora”, mas principalmente dentro, ou seja, nossas motivações e convicções. São elas que, para o bem ou para o mal, determinam nossos atos.
No Mito de Heimdall, os Nórdicos nos mostram as consequências de baixarmos nossa guarda, mesmo que por um instante. Conta-se que o vigilante, após uma série de anos sem mover-se, foi descansar por alguns minutos. Nesse meio tempo, Surtur, uma espécie de demônio, conseguiu entrar em Asgard e causar grande destruição. Graças a Odin e as demais Divindades, Surtur foi vencido, mas antes disso, a criatura conseguiu aniquilar a Bifrost, cortando a ligação dos Deuses com o Mundo terrestre. Odin então concedeu a Heimdall os poderes necessários para reconstruir essa mágica ponte, para que, mais uma vez, os Seres Humanos tivessem a chance de entrar em contato com os Seres Divinos.
Tratando do Simbolismo desse Mito, fica evidente o que ocorre quando baixamos nossa guarda e permitimos, mesmo que por um instante, que sejamos invadidos por maus pensamentos ou sentimentos. Acabamos nos contaminando com eles, fazendo-os reverberar por mais tempo do que o devido, em nossa mente e coração e, eventualmente, acabamos cortando esse Divino laço que temos com a nossa parte Espiritual. O descanso de Heimdall representa o momento em que somos vencidos pelo que há de pior em nós, e assim, somos subjugados por essas forças que, em sua grande maioria, são instintos que nos levam ao nosso pior lado.
Contudo, assim como Heimdall tem uma segunda oportunidade e consegue recriar essa ponte entre os Mundos, nós também somos capazes de retomar o controle de nossas Vidas e ações, e reconstruir a ponte que nos liga ao nosso mais elevado ser. Isso ocorre quando voltamos a ser sentinela de nós mesmos, e expulsamos esses pensamentos e sentimentos de nosso raio de ação. Não permitimos que eles habitem em nós, e assim podemos nos reencontrar com nossa melhor parte. Heimdall, portanto, não é apenas um vigilante que fica parado em seu posto de guarda, mas é, acima de tudo, essa consciência desperta que não permite que sejamos algo menos do que a nossa essência.
Desse modo, cabe a nós a responsabilidade de sermos esse eterno vigilante. Assim, quase como um passe de mágica, Heimdall deixa de ser um aspecto Cultural da Civilização Nórdica, mas se torna algo presente em nosso dia a dia, que nos ocorre a todo momento. Assim, tal como o grande vigilante que consegue se deslocar no tempo e espaço, sua imagem, que é representada pelo seu Mito, também viaja no tempo e chega até nós com a mesma força e impacto. Portanto, percebe-se que para as Ideias não existem barreiras de qualquer tipo, e a Sabedoria desses Antigos Povos podem ser também a nossa, desde que consigamos ter olhos para enxergar tais representações.
Por fim, aprendamos a nos vigiar. Não como um carrasco e muito menos como um juiz, que a todo momento condenará nossas ações, mas como Heimdall. E que possamos estar abertos a perceber tudo que nos cerca para que, com Sabedoria,saibamos nos antecipar aos problemas e às crises. Se assim o fizermos, jamais seremos reféns de nossas emoções ou pensamentos, por mais insistentes que eles possam ser. Mantendo-se eternamente vigilantes, venceremos a principal guerra a qual os Nórdicos e tantos outros povos nos ensinaram: a de vencer a nós mesmos.