Vivemos em uma época profundamente marcada pela busca incessante por garantias — uma era em que precisamos ver para crer antes de dar qualquer passo. Não apenas na ciência, mas em quase todos os aspectos da vida cotidiana, somos treinados a desejar segurança antes de agir. Dados, estatísticas, análises de risco, revisões detalhadas — tudo para reduzir ao máximo a margem de erro.
Desde as escolhas mais corriqueiras até as decisões existenciais, frequentemente hesitamos por não termos certeza do desfecho. Antes de investir em um relacionamento, em uma mudança de carreira ou em um projeto pessoal, queremos garantias. Esperamos por sinais inequívocos de sucesso antes mesmo de começarmos.
Porém, a grande ironia está no fato de que muitos dos momentos mais ricos da vida só se realizam quando aceitamos entrar em territórios desconhecidos, sem as tais garantias. Um exemplo clássico disso está em um dos personagens bíblicos mais importantes para o novo testamento: São Tomé. Famoso por não acreditar na ressurreição de Jesus, São Tomé ficou marcado como sinônimo de ceticismo, porém é muito mais do que isso. Hoje falaremos um pouco sobre as nuances e a relevância de manter seus pés no chão e, ao mesmo tempo, não perder a fé.

Quem foi São Tomé?
Antes de mergulharmos nas reflexões sobre a vida e símbolos acerca do “ver para crer”, é importante conhecermos quem foi São Tomé, afinal, muitas vezes esse apóstolo foi resumido à imagem do “incrédulo”. No fundo, São Tomé carrega em si um dos dilemas mais universais da experiência humana: a tensão entre a necessidade de ver para crer e o convite constante à confiança diante do incerto.
Historicamente, São Tomé chamava-se, na verdade, de Dídimo e, como já mencionado, foi um dos doze apóstolos de Jesus Cristo. As informações sobre sua vida antes de se tornar discípulo são escassas; entretanto, sabe-se através da tradição cristã que Tomé teria nascido na região da Galileia, como muitos dos outros apóstolos. Após a morte de Jesus e o chamado do Espírito Santo no Dia de Pentecostes, Tomé teria viajado para além do Império Romano, levando seus ensinamentos até a Índia, fundando igrejas naquela região e sido martirizado em 72 d.C.

Mais do que um personagem da narrativa bíblica, devemos entender que São Tomé representa a vulnerabilidade humana frente ao desconhecido. O medo de acreditar naquilo que não se comprova é algo demasiadamente humano, o que nos faz entender a postura do apóstolo. Ele foi um homem que, mesmo caminhando ao lado de seu mestre, ao ouvir que aquele que todos julgavam morto havia retornado à vida, respondeu com desconfiança. Não bastava o relato dos outros; ele precisava tocar, ver, experimentar com seus próprios sentidos.
É nesse ponto que sua história ultrapassa o contexto histórico e nos confronta com uma pergunta que ecoa até hoje: é mesmo preciso ver para crer?
Para além do ver para crer
O comportamento de Tomé não é exclusividade do seu tempo ou mesmo de sua personalidade. No fundo, ele expõe uma condição psicológica humana: o anseio pelo controle. É importante entendermos que o termo “controle” nesse contexto nada mais é do que nossa condição de ter comprovações sobre algo, ou seja, que não tenhamos surpresas ou perspectivas que fogem ao nosso conhecimento. Uma vez que sabemos tudo sobre algo, detemos controle sobre aquilo no aspecto psicológico.
Nesse sentido, quantas coisas buscamos controlar através de certezas que, no fundo, jamais poderemos ter? Em nossos trabalhos, por exemplo, existe a certeza do sucesso? Ou quando estamos em um relacionamento, existe a certeza de que não seremos traídos ou que a relação não terminará? Quando começamos uma nova empreitada, seja como um novo negócio ou projeto de vida, há certeza de que tal projeto dará certo?

A resposta para todas essas perguntas é a mesma: Não! Assim, a ideia de entender tudo, de ter comprovação ou certezas é, em muitos aspectos, uma ilusão. Diante desse cenário de dúvidas e incertezas, é natural que o ser humano tenha uma reação típica: o medo. Esse medo, transformado muitas vezes em desconfiança e ceticismo, é uma reação do nosso instinto de sobrevivência que tem na dúvida uma aliada: uma vez que não sabemos o que é, então melhor não fazer ou não tomar uma atitude.
Frente a essa perspectiva, podemos entender que a postura de Tomé nos expõe a um paradoxo central na psique humana: a certeza absoluta é uma ilusão, afinal, a própria vida, em sua essência, é indeterminada. Não existe garantia de sucesso, de felicidade contínua, de estabilidade eterna. O futuro é, por definição, um campo aberto de possibilidades que só se concretizam quando o presente é vivido com coragem.
Essa reação é natural e humana, não tenhamos preconceito com ela. Devemos entender que duvidar e não acreditar em tudo é algo positivo de início, afinal, é preciso prudência com tudo que fazemos; porém, quando esse tipo de dúvida nos paralisa e trava nossas ações é onde devemos tomar maior cuidado. Se buscarmos avançar apenas quando tivermos garantias, poderemos saber que, ao final da vida, estaremos parados no mesmo local em que a iniciamos. A obsessão por provas e garantias é, muitas vezes, uma tentativa de eliminar o desconforto que sentimos diante da incerteza.
Soren Kierkegaard, um filósofo dinamarquês do século XIX, diz que a fé nasce justamente no salto ao desconhecido. Enquanto a razão pode analisar, calcular, ponderar, é justamente na fé que poderemos chegar ao desconhecido, pois nela colocamos uma faculdade diferente da racional. É nesse salto, nesse risco assumido, que novas possibilidades surgem, pois abraçam novas possibilidades que estavam limitadas com o uso apenas da racionalidade. Toda criação, toda inovação, toda transformação verdadeira, nasce da disposição de transitar por esse espaço de não saber.

É graças a essa fé – e não entendamos fé apenas como algo religioso – que existe o avanço na ciência, na arte, na política, pois é a arte de acreditar naquilo que ainda não está visível ao mundo, mas que está lá esperando a ser desvelado.
Se estendermos essa ideia para a vida, de maneira geral, perceberemos que viver é, em grande parte, confiar e ter fé. Confiar que o alimento nos nutrirá, que o sono nos restaurará, que os laços humanos podem ser construídos, que nossos projetos têm alguma chance de dar certo. Essa, porém, é uma condição dupla, que convive com a possibilidade real do fracasso, pois sempre há a chance de que aquilo que acreditamos não exista. É por isso que é tão difícil confiar verdadeiramente, pois nosso medo está, a todo momento, tentando controlar esse impulso de se jogar naquilo que nos é desconhecido.
Confiar é atravessar a ponte ainda que não vejamos com clareza o outro lado. E, paradoxalmente, é essa travessia que dá sentido e profundidade à experiência humana.
Tomé é o espelho de nossa condição humana
A grande beleza da história de Tomé não está em sua dúvida, mas no fato de que ele representa a honestidade da nossa fragilidade humana. Ele não mascara sua insegurança com discursos grandiosos e expõe sua necessidade de confirmação de forma direta. Todos nós somos Tomé em muitos momentos de nossas vidas; é preciso reconhecer isso. Por mais fé que tenhamos, seja em uma religião ou qualquer outro aspecto da vida, a dúvida e o ceticismo fazem parte de nossa experiência humana.

É isso que nos faz poder dar passos firmes em nossa jornada, pois queremos a segurança do solo mesmo tendo que caminhar no escuro. Naturalmente, esse caminho que vai da dúvida e da descrença para a fé é uma das jornadas mais profundas que o ser humano pode vivenciar em sua existência.
O pensamento filosófico moderno frequentemente reconhece que a dúvida não é o oposto da fé, mas parte do caminho que pode nos levar a ela. A dúvida não precisa ser paralisante, muito menos nos tornar céticos; ela pode ser o motor que nos impulsiona a buscar, refletir, questionar, e, finalmente, escolher acreditar. Esse caminho pode construir em nós um tipo especial de fé, que não está necessariamente ligada ao aspecto religioso e não se prende a uma figura ou religião, mas a ideias e percepções de vida.
Se, por exemplo, entendemos que a vida, em sua máxima expressão, pode estar em diferentes tipos de formas, poderemos acreditar que existam outros tipos de seres, racionais ou não, que vivam em diferentes locais do cosmos. Não há comprovação disso, porém, a fé que se produz a partir da lógica e da reflexão é capaz de comportar tal pensamento.
Portanto, o famoso “preciso ver para crer” é mais do que uma frase: é um um instinto humano frente ao desconhecido. Essa necessidade de provas, porém, desaparecem ao entendermos que a vida é mais mágica do que lógica. Pela lógica, podemos acreditar que a vida é uma variante praticamente impossível de ocorrer mas que, por uma série de detalhes, surgiu em nosso planeta; ao entendermos a mágica da natureza, podemos ver que a vida existe em tudo, em todos os locais, mas que a forma em que a conhecemos e a comprovamos é apenas a que está diante dos nossos olhos.

No fundo, podemos aprender que viver é sempre, de alguma forma, um ato de fé ou, melhor dizendo, um ato de confiança no fluxo incerto da vida. Que São Tomé, portanto, seja muito mais do que um personagem que expôs seu ceticismo e seja, na verdade, um verdadeiro símbolo de como a natureza humana está dividida entre a busca pelo desconhecido e a necessidade de evidências para continuar sua jornada.
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