Por Que Nós Sabemos Mais Sobre Super-Heróis do Que Sobre Nós Mesmos?

Todos nós temos uma série ou filme favorito, não é verdade? Podemos passar horas debatendo sobre a narrativa, os personagens e tudo que compõe aquele universo que serve para nos entreter. Não há nada de errado em ter tais hobbies e aproveitar seu tempo de lazer realizando aquilo que gosta; porém, já parou para pensar que muitas vezes conhecemos mais sobre tais narrativas, que são fantasias em si, do que sobre o mundo ao nosso redor? Podemos acabar conhecendo mais sobre uma história ficcional do que o nosso passado, presente, e os dilemas que precisamos enfrentar na vida real.

Podemos afirmar que isso é, em certa medida, um comportamento comum. Isso ocorre devido ao grande objetivo dessas obras: entreter o ser humano. O mundo do entretenimento, como o nome já diz, tem o papel de fixar nossa atenção ao ponto de ficarmos cada vez mais presos nele, tão presos ao ponto de corrermos o risco de preferi-lo à vida real. E por ser mais fantástico e estimulante do que a realidade, nossa atenção se volta para este mundo, fazendo com que nos interessemos mais com os problemas dos personagens do que com os nossos.

Entendemos que, em grande parte, a busca por alimentar os nossos hobbies servem como uma válvula de escape para as diferentes pressões que sentimos no nosso cotidiano. No entanto, o problema se instala quando chegamos ao ponto de viver baseado no que vamos assistir, jogar ou fazer, e esquecer de vivermos a vida, ou seja, acabamos fugindo de nossa própria realidade. Será que podemos equilibrar essa balança e, caso seja possível, como podemos fazer isso?

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A linha tênue entre o mundo real e a ficção

Antes de seguirmos com nossas reflexões, é importante salientar que não estamos divergindo com o cultivo de hobbies e a dedicação aos momentos de lazer. É fundamental termos esses momentos para aliviar nossa psique e poder nos manter saudáveis; afinal, consumir a realidade em que vivemos sem ser capaz de cultivar momentos de abstração pode nos frustrar e causar outros problemas. Dito isso, ter um passatempo que ajuda a relaxar a mente é, muitas vezes, um grande aliado em nossas vidas. Entretanto, devemos pensar nos perigos que esse comportamento em excesso pode nos levar, algo comum inclusive nos jovens que, devido à sua forma de vida atual, tendem a ter mais tempo livre e acabam entrando profundamente nesses momentos de lazer.

Basta conversarmos com adolescentes e percebermos isso. Alguns sabem de cor os nomes dos personagens e torcem para os casais das séries de ficção, e acabam compensando a sua ausência de romance na vida real com o romance do entretenimento. Outros podem estar imersos em um jogo de videogame de modo tão profundo, que deixam suas obrigações de lado para viver a realidade virtual que se apresenta na tela dos seus computadores. Será que isso é saudável? Sabemos que não.

Para entender essa ideia, é fundamental conhecer um pouco da nossa psique. Primeiramente, é um fato que nossa mente e memória não são capazes de armazenar tudo ao mesmo tempo. Entre fatos históricos e políticos da atualidade e os detalhes da última temporada, qual você acha que ela vai preferir? Nossas faculdades mentais são afetadas diretamente por nossas emoções; logo, retemos em nossa memória aquilo que nos impacta, seja positiva ou negativamente. É por isso que os traumas grudam em nossa psique, pois nos abalam fortemente no campo emocional. Do mesmo modo, entre duas informações – uma em que não há impacto emocional, e outra que gostamos –, é mais natural retermos aquilo que nos agrada.

Esse primeiro fato já nos faz entender como é mais fácil decorarmos músicas, histórias de filmes e séries; e, na grande maioria das vezes, não retermos fatos históricos ou conhecimentos que rejeitamos. Assim, usamos nossa capacidade de reter informações apenas para aquilo que gostamos e não necessariamente para o que poderia ser útil ou importante.

Do mesmo modo, há uma linha tênue em nossa mente sobre a ficção e a realidade. Em nossa psique não há tanta distinção entre os dois, tanto que os sonhos, que via de regra são meras projeções em nossa mente onírica, muitas vezes são confundidos com a realidade, e acordamos assustados, tristes ou felizes – a depender do que estávamos vivendo naquele momento. Isso também ocorre quando consumimos demasiadamente uma série ou filme que, apesar de ser uma ficção, nos impacta tanto, ao ponto de desejarmos, muitas vezes, viver igual a um determinado personagem e de assumir seu modo de pensar, seu modo de falar e seus comportamentos.

A expansão da cultura inútil

Visto isso, essa “troca” de personalidade muitas vezes nos afasta da realidade objetiva – inclusive da nossa própria essência – e nos faz viver ideias e comportamentos de uma narrativa que não é a nossa. Além disso, a forma de consumir esse tipo de conteúdo que não agrega em nada a nossa realidade é chamada por alguns pelo termo  “cultura inútil”. Inútil porque não agrega nada do ponto de vista formativo, prático ou intelectual. A cultura é uma ferramenta presente em qualquer civilização, onde se guarda os fatos e aprendizados do passado, que fizeram parte da formação de um povo e que ajudaram a formar sua identidade de sociedade. Um Homem que aprende com a cultura, com sua história e hábitos, se aperfeiçoa.

Porém, no contexto atual, pegamos nossa cultura secular e a trocamos pela cultura do entretenimento. Jovens entram em debates sobre os poderes dos super-heróis, vestem suas camisetas e se fantasiam de seus personagens favoritos para a pré-estreia do filme. É tanta dedicação para saber e participar desse universo, que por consequência a realidade é deixada de lado. O interesse pelos outros, pelos problemas do mundo, por questões políticas atuais, e até por si mesmo, se perde.

Neste vídeo, Rodrigo Silva faz um excelente comentário sobre o assunto.

De que adianta uma cultura de ficção que não ajuda em nada a nível prático, moral ou espiritual? Como esse conhecimento o ajudará a enfrentar um mercado de trabalho, a lidar com a dor, ou a saber o seu papel no mundo?

Temos que ficar atentos, pois não é porque algo é valorizado hoje em dia, que quer dizer que este algo nos faça bem. E essa cultura inútil tem sido muito estimulada e valorizada, por todos nós é claro, mas principalmente pelos mais jovens. Não há problema em gostar da ficção e ter um personagem favorito, mas há problema em fugir da realidade e deixar de aprender com a vida – que é a nossa maior professora – para aprender somente com as telas. Esse deve ser nosso cuidado.

A cultura cumpre com um papel numa sociedade da mesma forma que a ciência, a arte ou a política. Nenhuma sociedade existe sem esses pilares. E se é essencial para o coletivo, é essencial para o indivíduo.

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Isso tudo não quer dizer que devemos abandonar as obras de ficção. Na verdade, se a narrativa de um herói que deve enfrentar suas batalhas e superar suas dificuldades nos inspira a reconhecer as batalhas de nosso dia a dia, e nos estimula a dar importância para os desafios da vida real, isso é muito bom. Ou se o drama entre os personagens de uma série me faz refletir e me ajuda a melhorar o meu relacionamento com os outros Seres Humanos, quer dizer que estamos fazendo o uso correto das obras de ficção, ou seja, estamos usando-as para viver a vida real de forma cada vez mais intensa e profunda. Este deve ser o nosso referencial para não cairmos nas armadilhas do entretenimento.

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