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Como lidar com a saudade?

Todos nós conhecemos esse sentimento. Ele não é simples de explicar, muito menos de ser colocado em palavras. Portanto, meu caro leitor, desde o começo, aviso que não pretendemos aqui exaurir o tema. Visto isso, comecemos pelo começo. Comumente, confundimos saudade com nostalgia ou sofrimento e, apesar de estarem intimamente relacionados, a saudade guarda para si uma definição ainda mais sutil do que imaginamos. Segundo o dicionário do Google, saudade é um “sentimento melancólico relacionado ao afastamento de uma pessoa, objeto ou lugar”. Apesar da definição ser precisa, não podemos limitar a saudade apenas a isso. Logo, convido-os a mergulharmos nesse sentimento tão profundo e complexo. 

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A saudade sempre foi uma fonte de inspiração para artistas, em suas diversas formas de fazer Arte: pintura, música, cinema etc. Quem nunca escutou, por exemplo, “chega de saudade”, do grande Antônio Carlos Jobim, ou “pedaço de mim”, de Chico Buarque? Nessas canções, encontramos exemplos de como esse sentimento foi a musa inspiradora para os músicos. Poderíamos citar outras centenas de canções e telas relacionadas com o tema, porém, o mais importante é refletirmos como nos relacionamos com a saudade. Primeiramente, pensemos sobre como surgiu esse sentimento.

Apesar de não haver um consenso entre os linguistas, a saudade é uma palavra derivada do latim “solitas”, que significa solidão. Naturalmente, se refletirmos sobre isso, podemos relacionar de forma fácil a saudade com uma espécie de solidão. Sentimos saudades, por exemplo, de um momento que já não podemos reviver. Seja a companhia de uma pessoa que já morreu, ou apenas foi embora e nos deixou. A saudade, portanto, se aproxima da solidão por também nos causar uma sensação de que estamos sozinhos. E se há pessoas que lidam bem com a solidão, também há aqueles que aprendem a lidar com a saudade, pois, em geral, acabamos atribuindo uma sensação negativa a esse sentimento. A saudade, quando não compreendida, dói, machuca nossa psique, e acabamos caindo em uma nostalgia sem fim. Voltamos nossa mente para o passado e nos deleitamos com as memórias de um tempo que outrora foi nosso. Assim, acabamos vivendo esse sentimento não com consciência, buscando aprofundá-lo para achar suas causas, mas apenas revirando as gavetas da memória e perdendo o presente da vida cotidiana. 

Visto isso, podemos refletir como a saudade ainda nos causa um certo tipo de prazer ou nostalgia. Sejamos francos, nem toda saudade está relacionada a uma tristeza. Por vezes lembramos de um momento do passado e nos sentimos bem, desejamos, inclusive, poder voltar no tempo e reviver esses dias que ficaram para trás. Isso chamamos de nostalgia, e ela, assim como a solidão, tem uma relação próxima com a saudade. Partindo disso, já podemos compreender quão difícil é definir o que é saudade. Ora ela se apresenta como uma forma de solidão, ora como nostalgia e, outras vezes, como um saudosismo convicto de que “naquele tempo eu era feliz e não sabia”.

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É comum sentirmos saudade, por exemplo, da nossa infância. Se você, caro leitor, assim como eu, já passou horas relembrando as brincadeiras, músicas e todos os momentos divertidos de quando era criança, então você sabe bem como é ser um saudosista. Essa palavra, saudosista, deriva da saudade e define justamente alguém que deseja reviver algo que já passou. E isso é muito interessante de se pensar. A saudade sempre está ligada com o passado: seja pelo que passou e não volta, pelas pessoas e situações que passaram e nos causam uma sensação de solidão ou pelo desejo de voltar a esse passado. De qualquer modo, podemos apontar o passado como um elemento essencial da saudade.

Há ainda a famosa “saudade do que não foi vivido”, que nada mais é do que a terrível sensação do “e se”. “E se eu tivesse casado ao invés de terminar aquele namoro?”, “e se eu não tivesse me mudado de cidade?”, “e se eu tivesse feito as pazes com aquele amigo que agora é só mais um conhecido na multidão?”. Esse sentimento é perigoso para a nossa psique, pois não podemos voltar e ajustar o passado, afinal, ele já passou. O que nos cabe é olhar para a frente e não fantasiar sobre as possibilidades que a vida nos deu, mas sim focar nas oportunidades que diariamente surgem à nossa frente. Esse tipo de saudade, portanto, nasce no âmago do arrependimento de nossas escolhas que – felizes ou não – foram responsáveis por nos levar até aqui. 

Visto isso, quanto mais preso às experiências vividas, mais saudade sentimos. A saudade, logo, metaforicamente falando, é como uma fina corda, bonita e perfumada, que nos liga a um momento da nossa vida que, se não tivermos cuidado, pode nos prender. Quem de nós nunca ficou preso em uma experiência ou sentiu-se nostálgico ao escutar uma música que lembra alguém? Ou, por vezes, ao visitar um local, lembrou de algum momento vivido naquele ambiente?

Antes de continuar, destacamos que, apesar de já termos levantado alguns pensamentos sobre a saudade, é importante trazer mais algumas reflexões sobre o passado, a fim de aprofundar ainda mais a nossa linha de pensamento, mas sem esgotar o tema. Voltemos ao que estávamos debatendo.

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Mas em que momento a saudade passa a ser tão “perigosa”? Por exemplo, se estamos em uma viagem longa, naturalmente sentimos saudade de nossa casa ou cidade, e normalmente falamos “que saudade da minha cidade”. Esse é um sentimento prazeroso, em certa medida. Ele revela a importância que nosso cotidiano, muitas vezes negligenciado, tem em nossas vidas e nos faz lembrar de onde viemos ou mesmo de momentos vividos naquele local. Sentimos um prazer em lembrar de um ambiente ou situação que vivenciamos no passado e que no momento não podemos vivenciar. Em sua raiz, a saudade se aproxima, de fato, dessa sensação de voltar para casa, de querer se reencontrar consigo mesmo. Entretanto, à medida que ficamos presos nesse sentimento, o prazer se converte em dor. As lembranças e desejos de voltar passam a ser uma dolorosa necessidade que não nos deixa viver o presente.

Devido a isso, a saudade também pode ser definida como um sentimento melancólico, que nos coloca em um estado de ânimo próximo da tristeza. Isso ocorre por não termos sintetizado bem a experiência atrelada a esse sentimento. Há ainda aqueles que gostam de mergulhar nessas sensações causadas pela saudade e ficam presos nas lembranças de um tempo que já passou, como já vimos. Essa atitude tende a intensificar o sofrimento, uma vez que não podemos retornar ao passado. Desse modo, o que parecia uma corda fina e perfumada vai, aos poucos, transformando-se numa grossa corrente que nos prende ao que já não existe. Acabamos, por fim, alimentando fantasias e revivendo memórias que já não fazem parte de nós. 

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Mas como lidar com a saudade? Será que a melhor solução seria esquecer todo nosso passado e olhar sempre para o futuro? Provavelmente não, afinal, graças aos momentos em que vivemos no passado é que chegamos até aqui. Precisamos ser gratos a essas experiências, que – dolorosas ou prazerosas – cumpriram com seu papel. Assim, não se trata de esquecer ou de vangloriar-se de sentir um saudosismo, mas de lidar de forma consciente e madura com esse sentimento. Não há, deixemos claro, problema em sentir saudade, pois isto é tão natural quando, em certos momentos de nossa vida, nos sentimos sozinhos ou apaixonados. Basta que esse não se torne o centro de nossa vida, tal qual um o Sol, que faz com que todos os outros elementos que nos compõem orbitem ao seu redor.

Partindo dessa perspectiva, acreditamos que a resposta está em como olhamos para esse passado. Se concordamos que a saudade pode ser o resultado de uma experiência mal sintetizada, devemos renovar nosso olhar para esses acontecimentos. E o que seria uma experiência “mal sintetizada”? Poderíamos escrever outro texto apenas falando sobre esse tema, porém, de maneira direta, uma experiência mal sintetizada nada mais é do que algo mal resolvido em nossa vida, que em geral lembramos e sentimos alguma dor emocional, seja um rancor, uma mágoa, uma tristeza ou até mesmo o pensamento do “e se”, que já falamos por aqui.

Buscando aporte na filosofia, especificamente na budista, o sofrimento é o resultado de uma experiência que não nos gerou aprendizado e, como consequência, continua a nos ferir. Na cultura popular, utilizamos a expressão “ferida aberta” para falarmos sobre essa ideia. Portanto, quanto mais “feridas abertas” tivermos, menos sínteses fizemos das nossas experiências. Quando completamos, de maneira sincera, um momento em nossas vidas, ele não nos machuca. Aprendemos com a experiência e seguimos em frente. Se ainda estamos presos em uma lembrança ou em algum aspecto da saudade, então, inevitavelmente, existem elementos que precisamos superar. 

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Há quem chegue ao final de uma vida, por exemplo, e carregue consigo muitas saudades. Entendemos que nesse cenário há uma dupla ferida: a de não aceitar a velhice e suas limitações, o que consequentemente nos leva a um pensamento nostálgico, e também o fato de não aceitar o fim da própria vida e tentar agarrar-se ao passado. Em ambos os casos a causa é a mesma: não aceitar o presente. Quando refletimos sobre isso, podemos chegar ao pensamento que, de fato, toda saudade não é apenas um reflexo do passado, mas principalmente uma forma de escapar do presente e seus dilemas. Assim, ao invés de concentrar-se nas demandas de uma vida adulta, por exemplo, caímos no saudosismo da infância e suas poucas obrigações. Quando idosos, pensamos em toda potência de ação que possuíamos e que agora já não se faz presente. Do mesmo modo, sentimos saudade de um amor que não “vingou” no passado e ficamos presos a essas memórias, talvez seja porque não queiramos encarar o presente e os novos cenários que a vida desenhou para nossa existência.

Considerando todas essas reflexões, acreditamos que uma maneira saudável de lidar com esses aspectos que ainda não superamos é tentarmos observar as situações por um outro ângulo. Pensemos no seguinte exemplo: ao invés de acharmos que “bom mesmo era naquela época em que eu era jovem”, que tal pensarmos em como aquelas vivências da juventude foram fundamentais para moldar o que somos hoje? Ou quando pensamos em um antigo amor e caímos no desejo de fantasiar como a vida seria se tudo tivesse dado certo, que tal pensarmos que o amor vivido naquela relação continua, transformado em uma outra forma e que graças a ele aprendemos um pouco mais sobre esse nobre sentimento? Não acreditamos que devemos rejeitar o passado e muito menos esquecê-lo, mas certamente podemos ressignificar a nossa jornada. 

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Um primeiro passo para essa transformação, portanto, é transformar a saudade em aprendizado. Sem isso, jamais quebraremos as correntes que nos prendem a ela. É preciso imaginar que a saudade não deve ser um retorno ao passado, mas um sentimento de gratidão por todas as experiências que foram vividas, tal qual um aventureiro que caminha pela estrada da vida e se encontra com pessoas, lugares e paisagens diversas. O caminhante e o caminho seguem no presente, com seu ritmo e leveza, e as experiências ficam pelo caminho e contam uma história. Não esqueçamos de continuar a aventura de viver ao invés de nos prendermos aos fatos do passado, pois assim seremos livres e gratos a tudo que nos ocorreu. Deixemos, portanto, a saudade florescer apenas como uma forma de gratidão e, quem sabe, ao chegar no fim dessa longa estrada, não possamos olhar para trás e nos enchermos de felicidade pelo quanto de vida, de amor e felicidade que plantamos neste belo caminho. 

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