Livro “Os Irmãos Karamázov”: Por Que Este Clássico de Dostoiévski Ainda Transforma Vidas?

Os Irmãos Karamázov’ é um desses livros que ultrapassam gerações e falam diretamente com a alma humana. Há obras que marcam a nossa história, outras que representam uma época, mas este clássico de Dostoiévski transforma profundamente quem o lê e continua relevante até os dias de hoje.

Os Irmãos Karamázov, obra de Fiódor Dostoiévski, é uma dessas obras. Tido como um dos maiores clássicos da literatura russa, é justo apontar que esse livro é mais do que um romance, pois o leitor que tenta conhecer seus mistérios percebe que é, na verdade, uma jornada existencial. Publicado em 1880, esse é um dos livros de Dostoiévski que é considerado o ápice de sua obra literária e filosófica. Mais do que contar uma história, ele convida o leitor a mergulhar nas grandes questões da vida que todos nós nos perguntamos: Deus, justiça, liberdade, moralidade, perdão.

Capa do livro os irmãos karamazov
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A razão para indicar essa leitura vai além de sua importância histórica ou literária. Ela está no impacto pessoal que tem sobre quem a lê. De fato, ler Os Irmãos Karamázov é um exercício muito mais profundo do que simplesmente abrir suas páginas e apreciar uma narrativa. A bem da verdade, o que podemos constatar é uma verdadeira aula de filosofia com uma relação profunda com a existência que vivemos hoje. Sendo assim, podemos afirmar que esse é um daqueles livros que não terminam quando a última página é virada, pois elas continuam ecoando dentro da gente, provocando, inquietando, transformando.

A história de Os Irmãos Karamázov

Sobre o que trata essa obra? Vamos falar um pouco, inicialmente, sobre a trama envolvida no livro de Dostoiévski. No centro da trama está a família Karamázov, que apesar de abastada financeiramente, é notadamente um núcleo decadente da sociedade russa do século XIX. O pai, Fiódor Pavlovitch, é um homem hedonista, irresponsável, rico e absolutamente repulsivo. Sua fortuna foi herdada e muitos dos seus ganhos vem de negócios moralmente discutíveis, fazendo desse personagem alguém que o leitor, em geral, não compreende e de que tende a se afastar. Apesar disso, a história vai girar em torno de seus três filhos, cada um com uma mulher diferente: Dmitri, Ivan e Aliócha. 

Dmitri Karamázov é o filho mais velho da família, fruto do primeiro casamento de Fiódor. Com um temperamento impulsivo, apaixonado e frequentemente descontrolado, Dmitri vive entre extremos emocionais, dividido entre o desejo carnal e um anseio sincero por honra e redenção. Essa dualidade vivida por Dimitri é tão profunda que podemos reconhecer nele, muitas vezes, nós mesmos. Quantas vezes nos sentimos divididos entre essa busca por uma redenção e o desejo de realizar nossos prazeres? 

Ilustração de Dmitri Karamázov em conflito emocional
Dmitri e o dilema entre prazer e redenção

O dilema de Dimitri é, em grande medida, um dilema humano, e por isso esse personagem é tão explorado por Dostoiévski. Sua disputa com o pai por dinheiro e pelo amor de Gruchenka, uma das personagens mais importantes para a trama, o coloca no centro do conflito que culmina no assassinato de Fiódor. Simbolicamente, Dmitri representa a luta entre uma vida voltada aos prazeres de modo irrefreável e a moral que quer o conduzir para uma vida de equilíbrio e justiça. 

O filho do meio se chama Ivan Karamázov. Ele é um intelectual atormentado, racional e cético. Estudado e culto, Ivan questiona profundamente a existência de Deus e a lógica da moralidade diante do sofrimento humano, especialmente o das crianças. Embora não cometa nenhum crime direto, suas ideias influenciam indiretamente os atos de outros personagens. Nesse aspecto, Ivan encarna o conflito entre razão e fé, que ao longo da trama cobra o seu “preço”. Seu dilema, diferentemente do de Dimitri, o leva a refletir qual caminho devemos seguir: o do coração ou da razão.

Ivan Karamázov refletindo sob uma luz tênue, com livros ao redor
Ivan, a razão que desafia a fé

Assim como Ivan, quantas vezes já nos pegamos com tais dúvidas? Como buscamos entender a vida a partir desses dois grandes filtros? Por vezes, queremos apenas explicações racionais; entretanto, percebendo nossa limitada capacidade racional, será que podemos algum dia vislumbrar o real? Eis as questões que atormentam Ivan e que, em grande parte, também nos faz pensar.

Por último, mas não menos importante, temos Aliócha (Alexei) Karamázov. Ele é o caçula dos três irmãos e o mais espiritualizado. Noviço em um mosteiro, ele é discípulo do ancião Zósima e carrega consigo uma visão amorosa, compassiva e conciliadora. Aliócha atua como o “coração” da narrativa, buscando unir os irmãos, consolar os aflitos e compreender os dilemas humanos com empatia. 

Ele representa a possibilidade de redenção e a presença do bem, servindo como guia moral e espiritual da obra. Alexei, no fundo, é aquela voz que há no interior de todos nós e que, muitas vezes, ignoramos, mas reconhecemos sua existência. Essa voz nos aponta o caminho para onde devemos ir, nossa finalidade espiritual, que, por vezes, é ignorada devido à nossa ânsia de desejos.

Além desses três personagens principais, podemos apontar ainda um personagem enigmático e sombrio: Smerdiakov, criado como servo da casa, mas que desempenha papel crucial no desfecho da trama. O enredo gira em torno do assassinato de Fiódor Pavlovitch. Dmitri, o filho mais velho, é o principal suspeito, já que havia ameaçado o pai por causa de uma disputa amorosa e financeira. O que se segue é uma investigação e um julgamento marcados por discussões sobre verdade, moral, fé e redenção.

O que podemos aprender com essa obra?

Existem muitas ideias no livro de Dostoiévski, por isso vamos trabalhar apenas algumas delas, visto que grande parte das reflexões só é possível ao ler a obra. Dito isso, um dos capítulos mais famosos da literatura universal está em Os Irmãos Karamázov, intitulado “O Grande Inquisidor”. Nele, Ivan, o irmão do meio, cria uma parábola em que Cristo retorna à Terra e é preso pela Inquisição, acusado de atrapalhar a ordem que a igreja instituiu. A mensagem é clara: o ser humano prefere a segurança da autoridade à liberdade da fé.

Cena simbólica de Cristo diante do Inquisidor em Sevilha
Cristo e o Inquisidor: o embate entre fé e poder

A ideia que Dostoiévski nos apresenta é válida, pois muitas vezes somos movidos pelos nossos instintos de sobrevivência e conservação; logo, há uma grande tendência a querer evitar mudanças e acabamos buscando uma aparente ordem que é, no fundo, apenas a rigidez pelo medo de tentar novas possibilidades. Assim, muitas vezes, ao pensarmos em agir de modo diferente do habitual, somos perseguidos por olhares que tentam nos impedir. Em grande parte do tempo, somos nós mesmos que cortamos esse impulso de atuar de maneira distinta, assim acabamos nos tornando os nossos próprios algozes.

Uma outra reflexão importante que podemos extrair da obra é sobre as escolhas e consequências de nossas ações. Naturalmente, esse é um tema um tanto quanto comum em diversas narrativas, porém, é muito nítido essa ideia na literatura russa. Os personagens fazem escolhas e sofrem as consequências. Dmitri, por exemplo, se debate entre seus impulsos e sua consciência; Ivan, embora “não tenha cometido crime algum”, se vê moralmente como cúmplice por causa de suas ideias. O livro questiona: até onde somos responsáveis pelas ideias que espalhamos?

A grande sacada de Dostoiévski está em mostrar que nossas ações não estão apenas nos aspectos físico e objetivo, mas principalmente nesse “mundo invisível”, que movimentamos – no caso, o das ideias que proliferam no mundo. Assim, quem é de fato o verdadeiro assassino? Quem plantou a ideia ou quem puxou o gatilho? 

Essa grande questão nos faz pensar em quantas vezes nós também já vivenciamos tal dilema. Será que muitas vezes, de forma inconsciente, não incentivamos ou legitimamos uma forma de pensar e agir a partir de nossos próprios discursos? Cada decisão tomada pelos personagens reverbera profundamente em suas vidas e na dos outros. Isso nos lembra do impacto que nossas próprias escolhas têm.

Outro aspecto muito interessante em Os Irmãos Karamázov está na dualidade entre Aliócha e Ivan. Os irmãos representam extremos, mas amam e buscam a verdade, cada um à sua maneira. Logo, apesar de caminhos distintos, os dois estão tentando chegar ao mesmo destino. Nesse sentido, o livro mostra que a dúvida pode ser uma forma de fé em busca de sentido.

Pessoa lendo Os Irmãos Karamázov e refletindo à janela
Leitura que transforma e provoca reflexão

Do ponto de vista social, as questões levantadas pelo livro continuam atuais: o sofrimento das crianças, a desigualdade, o abuso de poder, a crise espiritual, o ceticismo crescente. Apesar de escrito no século XIX, é um livro que vence o tempo e mostra como a humanidade ainda precisa superar muitos dilemas internos para conseguir viver em um mundo de justiça, paz e liberdade.Visto todos esses aspectos, é impossível afirmar que Os Irmãos Karamázov é um livro comum. A bem da verdade, podemos enxergar essa obra como mais do que um clássico da literatura: uma leitura que nos desafia a olhar para nós mesmos. É impossível sair o mesmo após ler e entender os dilemas que os personagens de Dostoiévski enfrentam.

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