Desde sua criação nos quadrinhos em 1939 por Bob Kane e Bill Finger, o Batman tem sido um ícone cultural e uma figura fascinante para explorar temas de justiça, trauma e redenção. Muitos de nós nos identificamos com o “homem morcego” e seu desejo de tornar a cidade de Gotham livre dos vilões que a dominam.

O sucesso das HQs (histórias em quadrinhos) foi, ao longo das décadas, transportado para o cinema. O Batman surge não apenas nos filmes em que carrega seu nome, mas também em outras histórias, como a Liga da Justiça. A grande audiência no cinema alçou o super-herói ao patamar de personagens mais conhecidos na história dos quadrinhos, criando assim uma verdadeira legião de fãs ao redor do mundo.
O início da trilogia: Batman Begins (2005)
Frente a esse sucesso, em 2005 teve início a trilogia dirigida por Christopher Nolan, que buscava retratar o início da jornada do justiceiro de Gotham. O primeiro filme da trilogia chamou-se “Batman Begins”, e nos mostra o universo de Bruce Wayne, o bilionário industrial da cidade e sua jornada para se transformar em Batman, um super-herói. No primeiro filme, o seu objetivo principal é salvar a cidade da liga da morte, um grupo terrorista que destruiu cidades inteiras desde o início dos tempos.
Como um homem muda o mundo? É a questão do personagem principal, que descobre que só consegue esse feito quando lutamos por um ideal maior do que nós. O filme sutilmente mostra a profunda relação entre o herói e o medo, transformando esta sensação em motor de impulso para superar nossas próprias limitações, o que, em últimos momentos, nos permite alcançar a melhor versão de nós mesmos, despertando uma atitude de valor perante a vida.
Na narrativa, o jovem Bruce vê seus pais sendo assassinados bem na sua frente, e o trauma o leva, na vida adulta, a se tornar um justiceiro. O Batman, portanto, não começa sendo um super-herói, mas sim alguém que quer ver sua cidade livre da criminalidade. Com o tempo, porém, seu pensamento vai sendo transmutado, e ele percebe que, no fundo, seu clamor não é por vingança, mas sim pela verdadeira justiça aplicada não mais apenas em sua cidade, mas sim em todo o mundo.

Essa evolução, porém, não ocorre rapidamente. Ao longo da trilogia se constrói o super-herói, enfrentando diferentes vilões. A cada momento é preciso superar um dilema, um medo. Assim, grande parte do primeiro filme mostra o treinamento de Bruce Wayne, que aprende não somente técnicas marciais e desenvolve seu aspecto físico, mas que também aprende a ser capaz de lidar com sua própria psique.
Esse treinamento é uma verdadeira formação moral, que ajuda o homem morcego a entender o seu propósito. Frente a isso, podemos ver uma similaridade entre a jornada do super-herói – que precisa vencer a si mesmo para se construir como um defensor da humanidade – e os antigos mitos que nos falam dos heróis clássicos. Vale ressaltar que em quase todos os sistemas simbólicos das antigas civilizações existe a figura do herói, e suas façanhas aparecem como um modelo atemporal necessário para a humanidade. Teseu, Ulisses, Perseu e Hércules são apenas alguns exemplos do mundo grego, onde o personagem se depara com várias batalhas, provações e desafios.
Observando sob essa ótica, é notável que a inspiração para a criação do personagem está calcado em uma sabedoria antiga, nos mitos que até os dias atuais nos inspiram. Entretanto, a jornada do cavaleiro das trevas, como também ficou conhecido, não se encerra ao fim do seu treinamento. Enfrentar os vilões que aterrorizam Gotham é o grande desafio do Batman que, à medida que os confronta, também aprende sobre si mesmo e seus ideais.
The Dark Knight (2008)
Após o sucesso estrondoso de “Batman Begins”, o segundo filme da trilogia foi “O Cavaleiro das Trevas”. Considerado um marco não apenas no gênero de super-heróis, mas no cinema como um todo, “The Dark Knight” (O Cavaleiro das Trevas, em inglês) é amplamente celebrado por sua complexidade moral e pela atuação icônica de Heath Ledger como o Coringa.
O filme explora o confronto entre Batman e Coringa – este último é um agente do caos que desafia as crenças de Gotham em justiça e heroísmo. Como vilão da história, o Coringa tenta desvirtuar os dois grandes heróis da cidade. O primeiro deles é o advogado Harvey Dent, alguém que acredita nas vias legais para resolução dos problemas de Gotham. Ele é completamente dominado pelo Coringa e se transforma ao longo do filme em um vilão. O outro desafio do vilão é o de corromper o Batman, tentando fazer com que o herói o mate. O dilema moral que o herói vive passa a ser outro: se destruir o agente do caos é válido a qualquer custo.
O filme é, em si, um prato cheio para reflexões sobre justiça e ética, e até que ponto somos capazes de suportar injustiças sem cair na vingança. O Coringa, como vilão, eleva o nível do dilema, pois sua conduta amoral permite fazer qualquer tipo de barbárie para corromper o Batman. É nesse momento que seus valores são colocados à prova, pois precisa aprender a renunciar o desejo de acabar com a vida do malfeitor e levá-lo para trás das grades, uma solução que, ele sabe, é temporária e que, no futuro, precisará lidar novamente com as crueldades praticadas pelo Coringa.
Aclamado pela crítica, “O Cavaleiro das Trevas” é visto como o melhor filme da trilogia, não apenas pela atuação icônica de Heath Ledger, mas pelo roteiro que nos prende do início ao fim.
The Dark Knight Rises (2012)
Encerrando a trilogia, “The Dark Knight Rises” mostra uma Gotham City oprimida pela criminalidade e pelo terrorismo liderado por Bane, um dos principais rivais do homem-morcego. A história desse vilão é extremamente interessante, visto que nasce dentro de um presídio e é condenado, no nascimento, pelos crimes que seu pai cometeu. Assim, Bane é o resultado de um sistema injusto em que apenas o fato de ser filho de um vilão o torna um ser desprezado pela sociedade.
Ao conseguir libertar-se da cadeia, Bane tenta destruir o sistema e criar uma nova Gotham City, baseando-se em um governo de terror. Frente a esse desastre, Bruce Wayne, após anos de isolamento, é forçado a retornar como Batman para enfrentar seu mais formidável adversário e salvar a cidade que ele ama, mesmo enfrentando desafios físicos e emocionais, ambos monumentais.
Apesar de encontrarmos um Batman maduro e experiente, Bane é um dos poucos vilões que consegue “dobrar” o homem-morcego, não apenas no aspecto físico mas também nas suas ideias. Ao comprovar a corrupção de Gotham e ver Bane como uma verdadeira vítima desse sistema, o Batman enxerga nele não um vilão, mas alguém que foi conduzido a esse destino devido às complexas condições em que foi criado.
Ainda assim, o embate entre os dois mostra uma velha frase que guarda pérolas de sabedoria: os fins não justificam os meios. Por mais que o objetivo de Bane fosse criar uma Gotham mais “pura”, livre da sujeira que impregnava aquela cidade, seus métodos eram cruéis e tão destrutivos quanto o próprio sistema. Desse modo, o filme deixa de ser apenas uma sequência de cenas de ação e nos coloca a refletir sobre o valor de agir corretamente para alcançar uma finalidade nobre.
O que podemos aprender com esses filmes?
O mais importante, tanto no filme como no herói, é a busca do ideal de justiça e verdade acima de tudo, já que esse é sempre o motor que impulsiona a experiência de suas provas, tornando-se um modelo ético de valores atemporais. A jornada do Batman mostra um pouco do caminho que todo ser humano deve percorrer: sair das dores individuais, que marcam a existência de todos nós, para superar o seu desejo egoísta de vingança e se transformar em um verdadeiro(a) herói(heroína), que ajuda todos ao redor e traz a justiça ao mundo.
No mundo de hoje, cada vez mais desprovido de atitudes heroicas e corajosas aos desafios da vida, repleto de órfãos de vivências dos ideais éticos que nos inspiram a uma mudança interior, voltam mais uma vez mais os modelos atemporais do herói e suas jornadas transformadoras. Será que vamos ser capazes de ler nas entrelinhas e transformá-lo em fonte de inspiração para as nossas experiências diárias?
Devemos entender que os filmes não são apenas películas criadas para entretenimento, assim como os quadrinhos que originaram essa história. Por trás de todo aparato para se criar tais filmes, há uma ideia, uma mensagem a ser transmitida. Assim, deve-se refletir sobre a justiça e a ética, e sobre como podemos exercer essas virtudes em nossos cenários cotidianos. Não precisamos derrotar Coringas ou Banes, mas sim vencer a principal batalha da vida: a contra nós mesmos. Se assim o fizermos, poderemos sonhar, de fato, com um mundo mais puro e, de fato, melhor para todos.