Você já ouviu falar do fio de Ariadne? Ele foi o responsável por garantir que Teseu, um dos maiores heróis da mitologia Grega, conseguisse encontrar a saída do labirinto do minotauro e voltar para a sua cidade. Se você ainda não conhece esse belo mito, então agora chegou a oportunidade de conhecer a história e se identificar com Teseu, pois, os mitos não são apenas histórias contadas por povos antigos, mas guardam em si verdadeiros símbolos que podem ser vividos cotidianamente.
Comecemos pelo início. Para conhecermos o simbolismo do fio de Ariadne é necessário sabermos seu contexto, assim, antes precisamos entender o mito de Teseu. Tudo começa quando o herói, ao reencontrar-se com seu pai, o rei de Atenas, descobre que anualmente a cidade deve enviar 14 jovens (sete meninos e sete meninas) para Creta como tributo, e lá eles são sacrificados ao Minotauro. Teseu não concorda com esse acordo e compromete-se a vencer o minotauro para que, enfim, a juventude ateniense ficasse a salvo.
Teseu então embarca como um dos jovens sacrifícios e decide entrar no labirinto do monstro. Entretanto, antes disso ele acaba conhecendo Ariadne, a filha do rei de Creta, que se apaixona perdidamente pelo herói. Sabendo que Teseu correria um grande perigo, não somente por causa do Minotauro que estava no centro do labirinto, mas também pelo próprio caminho em si, a jovem oferece o fio que conduzirá Teseu para fora do enigmático labirinto. É graças a esse fio, ligado à jovem fora do labirinto, que Teseu retorna após derrotar o Minotauro.
O mito por si só já nos narra a maior de todas as sagas humanas, que é a de vencer a si mesmo. O minotauro, como símbolo dos nossos defeitos e debilidades, sempre exige de nós um sacrifício, algo que abrimos mão para poder saciá-lo. Teseu, representando essa consciência desperta, não se submete a isso para poder direcionar-se para o seu verdadeiro caminho. Porém, não basta apenas vencer nossa parte instintiva, é preciso também saber caminhar na direção correta para sairmos desse labirinto que é a vida. Suas nuances e confusões fazem com que nos deparamos com becos sem saída, fazendo com que tenhamos a impressão de que, de fato, estamos presos e que não há um ponto de retorno.
É nesse ponto do mito que desejamos chegar. O fio, que em toda a narrativa parece algo simples e pouco importante, na verdade, será o caminho correto que devemos seguir para chegarmos em nosso objetivo. Sair do labirinto nada mais é do que aprender a caminhar no fluxo da vida, conhecendo suas nuances e superando seus obstáculos. No final desse labirinto, encontra-se a nossa alma, simbolizada por Ariadne. Ela deseja nos encontrar para sermos, finalmente, um só. O fio de Ariadne é aquele que nos mantém conectados com nossa alma, que pode nos guiar nesse (re)encontro com a nossa melhor parte.
Sabemos que a ideia de alma não é simples de ser entendida. Por isso, devemos compreendê-la antes de enxergarmos em nosso cotidiano. De acordo com sua etimologia, a palavra “alma” vem de “anima”, ou seja, aquilo que anima, que dá vida. Neste sentido, para os Gregos existem dois tipos de alma que habitam o ser humano, uma de natureza animal, focada nos instintos e outra verdadeiramente humana, na qual residem as virtudes e tudo que somos em essência.
Então pensamos na alma nesse aspecto de nos animar, nos colocar em movimento. Levando essa ideia para a nossa vida, é fácil perceber os elementos que nos empolgam, não é verdade? Todos nós ficamos animados quando encontramos nossos amigos e familiares, por exemplo, ou quando desejamos ir para uma viagem planejada há tempos. Também ficamos motivados frente a uma comida que gostamos, em uma festa que toca nossas músicas preferidas, e quando estamos com alguém que gostamos.
Todas essas motivações, em algum grau, são frutos de nossa alma animal. Nossos instintos são a causa delas e por isso, como podemos perceber, elas são tão fortes que chegamos ao ponto de nos alegrar, quando são realizadas, ou nos entristecer profundamente, quando não são atendidas. Desse modo, diariamente, podemos tirar exemplos de como essa alma animal nos comanda.
Por outro lado, nem sempre os instintos são a única motivação para realizarmos nossas atividades. Para além da realização desses prazeres, também podemos nos movimentar, buscando desenvolver virtudes, praticar o bem e mergulhar no mais profundo dos conhecimentos. Essa motivação é própria dos Seres Humanos, uma vez que somos a única espécie a ter autoconsciência. Porém, mesmo que esse seja um caminho comum a todos nós, ele está cada vez mais raro de vermos ( e realizarmos) em nosso cotidiano. Basta pensarmos em quantas vezes por dia, buscamos ajudar as pessoas pelo simples prazer de exercer o bem. Por outro lado, quantas vezes buscamos realizar os nossos desejos? Nota-se, claramente, que a maior parte do tempo, estamos vivendo sob o comando dessa alma animal, o que nos impede de chegarmos à alma humana.
Assim como no mito, se não temos um fio condutor que nos coloque no caminho de nossa verdadeira identidade ou quem realmente somos, em resumo, a nossa alma, ficamos presos em nossa forma de vida instintiva. Dessa maneira, por mais variada que sejam as emoções que sentimos quando buscamos realizar os nossos instintos, eles são efêmeros e rapidamente precisam ser substituídos. Quantas vezes, por exemplo, sentimos a necessidade de comprar objetos que estão na moda, mesmo que não sejam uma real necessidade para nós. Tal qual em um labirinto, que quando percorremos o caminho errado, cedo ou tarde, nos encontraremos com um beco sem saída e teremos que buscar por novas saídas, a alma animal buscará sempre novas formas de tentar nos satisfazer, mas todas serão insuficientes.
Para sairmos dessa eterna perseguição da Felicidade deveríamos buscá-la naquilo que verdadeiramente nos realiza. Assim, pensemos nos momentos que sentimos a Bondade, a Beleza e a Justiça no nosso dia a dia. Quando ajudamos um amigo, fazemos as pessoas que amamos felizes ou mesmo quando estamos diante da natureza, vendo um pôr do sol ou nos banhando no mar. Todos esses prazeres, quando vividos de maneira consciente, são duradouros por gravarem em nossa memória aquilo que nos faz verdadeiros seres humanos. É evidente que as sensações dessas ações passarão tão rápido como qualquer outra, mas sempre estarão vivas em nós. Quando isso ocorre é porque, em algum grau, conseguimos nos elevar acima das circunstâncias e saborear a verdadeira Felicidade, aquela que participa da nossa essência.
O fio de Ariadne, portanto, será o caminho que buscamos seguir para finalmente vencermos o labirinto, ou seja, as nossas atitudes e vivências de maneira consciente que nos levará ao encontro do nosso verdadeiro EU. Desse modo, não basta somente viver de forma automática algumas das experiências que citamos, mas discernir quais delas nos aproxima de conhecermos a nós mesmos e as que não participam disso. O fio de Ariadne é aquele que mostrará o caminho, mas o caminhante sempre será todos nós. Sendo assim, que possamos nos inspirar nesse mito e passar a encontrar esse prateado barbante que insiste em nos mostrar nosso destino para que não passemos a eternidade perdidos no labirinto da vida.