Muhammad Yunus e a Fé No Ser Humano

Bangladesh é um país asiático que se tornou independente do Paquistão desde 1971. Nessa época, 71% de seu povo estava em situação de extrema pobreza. Em 2018, esse número havia sido reduzido para 23%. Só para se ter uma comparação, a redução da pobreza extrema no Brasil, em período próximo (1976 a 2017), foi de 37% a 11%. Essa redução drástica ocorrida em Bangladesh significa uma melhora na vida de milhões de pessoas. A dignidade oriunda dessa mudança impacta todas as gerações futuras. E como elemento fundamental dessa transformação está um banco, o Grameen Bank, e um homem, Muhammad Yunus.

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Yunus nasceu em 1940 e em 1965 ganhou uma bolsa de estudos na Universidade Vanderbilt, nos EUA. A bolsa foi oferecida pelo Programa Fulbright, uma grande iniciativa de educação intercultural americana. Em 1969, recebeu o título de PhD em Economia e, dois anos depois, retornou ao seu país para ser presidente do Departamento de Economia da Universidade de Chittagong. 

A situação de sua terra natal era preocupante. A grande maioria das pessoas era pobre e analfabeta, o país era essencialmente rural. Essa combinação fazia com que a população fosse presa fácil para a agiotagem local. Sem acesso ao crédito oficial, aqueles que queriam trabalhar precisavam pagar taxas absurdas.

Yunus conhecia bem esta realidade porque costumava visitar as ruas da localidade com seus alunos, para que eles pudessem ver pessoalmente os desafios que afligiam seus conterrâneos e entendessem que aprender economia não se trata de planilhas, gráficos e números, mas sim de Vidas Humanas. Em uma dessas idas, ele encontrou Sufiya Begum, uma jovem de 21 anos.

“Para fornecer comida para sua família, Sufiya trabalhava o dia todo no quintal lamacento de sua casa fazendo bambu para fazer banquetas de bambu — objetos bonitos e úteis que ela trabalhava com habilidade notável. No entanto, de alguma forma, seu trabalho árduo foi incapaz de tirar sua família da pobreza.

“Por meio de conversas com Sufiya, descobri por quê. Como muitos outros na aldeia, Sufiya dependia do agiota local para o dinheiro de que precisava a fim de comprar o bambu para os banquinhos. Mas o agiota só lhe daria o dinheiro se ela concordasse em vender tudo o que produzia a um preço que ele decidisse. Entre esse arranjo injusto e a alta taxa de juros de seu empréstimo, ela ficou com apenas dois centavos por dia como renda” (M. Yunus, 2007, Criando um mundo sem pobreza, p.46).

Essa situação tinha que mudar, e Yunus sabia disso! Ele sabia também que, por mais que a situação seja desafiadora, os Seres Humanos sempre encontram uma maneira de sobreviver. Ele ainda tinha ciência de que os valores que as pessoas carentes precisavam não eram grandes somas de dinheiro. Não sabemos se você sabe, mas o sistema financeiro tem o fator “confiança” como um de seus elementos fundamentais. No Japão, por exemplo, onde se confia que o devedor irá honrar com o compromisso e pagar a sua dívida, os juros dos bancos comerciais mantêm-se baixos. Já em Madagascar, onde a desconfiança é bem maior, são praticadas uma das maiores taxas do mundo. 

Por isso, o problema de Yunus era encontrar uma forma de convencer o mercado financeiro a emprestar dinheiro para quem não poderia dar nenhuma garantia. Ele então teve uma dessas ideias que, de tão óbvias, se tornam Belas: resolveu acreditar na Honestidade.

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Não, você não leu errado. Imagine que você viva próximo a uma aldeia rural muito pobre, em que as mulheres precisam de um pouco de dinheiro para comprar a matéria-prima de suas peças de artesanato, e alguém diz a você: empreste uma pequena quantia a essas mulheres e, depois, elas te pagarão de volta. Acontece que essas mulheres não têm comprovante de renda, não possuem bens para dar como garantia, e talvez nem mesmo consigam comprovar o seu endereço de residência. Acredito que sua reação poderia ser de incredulidade, afinal o que garante que elas não sumiriam assim que recebessem os valores?

Mas Yunus é um homem de Fé. E não nos referimos à religião muçulmana que é professada por 86,6% da população bengali. A Fé desse homem é no Ser Humano. Ele pensa que, com uma pequena ajuda, as pessoas, por mais pobres que sejam, conseguem empreender e encontrar uma estratégia para melhorar suas Vidas. Isso fez com que ele usasse o seu próprio dinheiro para realizar um experimento. Juntou um grupo de 42 mulheres, de um vilarejo próximo à universidade chamado Jabra, e emprestou 27 dólares, aproximadamente 62 centavos da moeda local para cada uma.

Ele emprestou o dinheiro e recebeu todo o valor de volta, com juros e pontualmente. Isso acendeu uma lanterna: se fosse possível escalar essa operação, ou seja, ampliá-la para outras localidades, algo poderia ser feito para mudar a Vida de seus irmãos!

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Ainda assim, as instituições não são Seres Humanos e não se movem por Compaixão. Elas simplesmente não estavam dispostas a correr o risco de confiar na Honestidade de pessoas pobres. Foi aí que nosso herói entrou em cena novamente. Ele deu seu próprio dinheiro como garantia pelos empréstimos. E as pessoas continuavam pagando e honrando os seus compromissos. 

Ele então decide fundar sozinho o Grameen Bank para emprestar dinheiro a qualquer pessoa pobre, sem pedir nenhuma garantia, a clientes desconhecidos e sem procedimentos legais definidos. Esse tipo de operação foi batizada com uma nova palavra: microcrédito. O Grameen Bank foca no público feminino e em empréstimos coletivos, na ausência de qualquer tipo de garantias colaterais e burocracia jurídico-legal, baseando-se fundamentalmente em conceitos como “confiança” e “mutualidade”. Todo esse projeto nasce de uma visão diferente sobre a pobreza e, consequentemente, sobre os meios para superá-la. Partindo dessa ideia, entende-se que, muitas vezes, tudo o que a pessoa precisa para sair de uma condição de miséria não são favores ou doações, mas simplesmente uma chance, um voto de confiança. Hoje o banco tem quase nove milhões de clientes e uma taxa de inadimplência de apenas 1%.

Yunus e o Grameen Bank ganharam o prêmio Nobel da Paz de 2006 pelos seus esforços para gerar desenvolvimento econômico e social a partir das camadas mais baixas. Em 2000, ele participou do programa de televisão Roda Viva. E enquanto os jornalistas perguntavam sobre detalhes técnicos, as dificuldades e os riscos de se trabalhar com “empreendedores de baixa renda”, Yunus fez um comentário que demonstra bem o princípio de Unidade que ele carrega dentro de si. Ele negou que houvesse o grupo dos “empreendedores de baixa renda”. Para ele, há tão somente o grupo das pessoas sem acesso ao crédito, pois todo Ser Humano carrega em si a capacidade de empreender. Mais um testemunho de Fé no Ser Humano.

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Há uma frase muito famosa que todos nós conhecemos: a Fé move montanhas. No caso de Bangladesh, a experiência de emprestar dinheiro para que as pessoas pobres pudessem viver mais dignamente não moveu uma montanha de terra, mas levou toda uma geração à universidade, reposicionou a mulher na estrutura social do país, gerou novos negócios e abriu uma janela de novas oportunidades para milhares de pessoas. A renda das famílias aumentou, a mortalidade infantil caiu e o nível de alfabetização de crianças aumentou. Nenhuma dessas revoluções esteve baseada nas teorias econômicas complexas que Yunus aprendeu na terra do “tio Sam”. Elas foram fruto de uma Identidade que foi e voltou com ele dos EUA. Uma Identidade baseada na Fé no Ser Humano, na crença em sua capacidade de construir as soluções de que precisa para sobreviver e para crescer internamente no processo. Nas palavras dele:

“Só precisamos remover as barreiras e eles encontrarão seu próprio caminho. Minha experiência diz isso. E acredito piamente nisso.”

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