Mitologia Asteca: O Sacrifício como Chave para a Vida

Você já parou para pensar que conhecemos muito sobre os gregos, romanos, egípcios – povos que estão geograficamente distante de nós –, e pouco sabemos sobre as civilizações que habitaram o nosso continente? O que de fato conhecemos sobre os Incas, os Maias e os Astecas? O senso comum e, muitas vezes, as aulas de história, deixaram em nossa mente apenas a imagem desses povos e seu combate contra os espanhóis; entretanto, como civilizações estruturadas, podemos aprender muito com os ensinamentos que esses homens e mulheres legaram ao mundo.

Visto isso, será que não seria importante conhecer um pouco sobre a sua mitologia? Acreditamos que sim. Por isso, pensando a partir dessa perspectiva, hoje falaremos um pouco sobre como os antigos Astecas, um povo que habitou o território do atual México, compreendiam a criação do Universo.

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Quem foram os Astecas?

Primeiramente, devemos entender quem são os Astecas de que falaremos aqui. Em linhas gerais, podemos definir que os Astecas, enquanto civilização, desenvolveram-se em um modelo de Império entre os séculos XIV e XVI, na região que hoje corresponde ao México. Apesar de demarcarmos seu auge durante esses séculos, é fato que os Astecas existiam bem antes desse período, por volta do século X, e em seus mitos já se falava que seus antepassados eram ainda mais antigos, vindos de origens míticas e que já não somos capazes de encontrar. 

Representação simbólica da mitologia asteca com deuses e astros ao fundo
Mitologia asteca: visão espiritual sobre a criação do mundo

Entender essa ideia implica compreender que seus mitos e a base de sua sociedade são, antes de tudo, características herdadas de outros povos e que tais mitos e ideias não são modernas, mas, sim, uma tradição construída ao longo de séculos ou, quem sabe, dos milênios. Dito isso, uma grande marca da cultura asteca é a sua complexa organização social e uma agricultura extremamente avançada, superior inclusive às práticas agrícolas da Europa medieval.

Os Astecas dominaram diversos povos menores na região da América Central e do Norte e fundaram uma poderosa cidade-estado chamada Tenochtitlán, construída sobre uma ilha no meio do Lago Texcoco. Afirma-se que construir uma cidade de tal porte em cima de um lago é uma tarefa que surpreenderia os melhores engenheiros da época, visto a complexidade para manter tal estrutura. Além disso, sabe-se que os Astecas eram hábeis nas práticas comerciais e adquiriram um grande conhecimento astronômico, visto seus calendários precisos e o conhecimento do movimento de precessão da Terra.

Todas essas qualidades, porém, são colocadas em segundo plano pelo senso comum. Muitas vezes, ficamos presos a apenas ver esses povos a partir das práticas culturais que, do nosso ponto de vista, são inaceitáveis, como o sacrifício humano. Queremos deixar claro que, de fato, esse aspecto cultural dos Astecas – vivido em outras civilizações também – corresponde a uma mentalidade do seu tempo e que não devemos nos chocar e muito menos desejar reconstruí-la, mas sim entender o que motivava tal ideia. 

Dito isso, uma explicação sobre a prática dos sacrifícios – que na decadência do Império Asteca passaram a ser feitos com seres humanos de forma quase arbitrária – está na compreensão da sua mitologia, que geralmente é mal interpretada.

O sacrifício na mitologia asteca

Para a cultura asteca, o mundo em que vivemos é fruto de uma ação conjunta de vários Deuses que criaram e mantêm os astros, a vida e todos os seres humanos. Esses seres primordiais se sacrificam para garantir a vida de tudo o que existe no Universo, ou seja, dedicam toda sua energia para que a harmonia celeste – e terrestre – sigam em paz. E ao entendermos isso, podemos compreender o que, de fato, estamos chamando de sacrifício. Não se trata de doar sua vida de maneira literal, mas, sim, dedicar-se de tal maneira a fazer com que o bem coletivo prevaleça sobre os desejos pessoais. 

Dentro de uma visão cósmica, os Deuses se sacrificam para manter os astros em seu devido lugar e os seres humanos, ao seu nível, também devem se sacrificar para o bem comum. Essa ideia, de modo objetivo, significa doar sua energia e habilidades para a construção da comunidade, do Todo. Porém, em épocas de desespero e pouca compreensão, os Astecas consideravam que sacrificar um ser humano era válido para que as chuvas e a colheita fossem boas, ou seja, o sacrifício individual em prol do bem coletivo levado ao extremo.

Agora que entendemos essa questão, vamos conhecer um dos mitos mais bonitos e sofisticados da cultura asteca. Conta-se a origem do Universo a partir da famosa “Lenda dos Cinco Sóis”. Para essa civilização, existiam quatro mundos antes desse que habitamos hoje. O primeiro chamava-se “Sol de Tigre”; o segundo, “Sol de Vento”; o terceiro, “Sol de chuva ou Fogo”; e o quarto, “Sol de Água”. Por fim, sendo o mundo atual o quinto mundo, foi denominado como “Sol de Movimento”. 

Segundo essa tradição, os mundos que precederam ao nosso foram destruídos pelas mudanças geológicas sofridas pela Terra. Mas existem algumas interpretações que afirmam que os mundos anteriores foram testes dos Deuses para criar um mundo que pudesse atender às necessidades humanas. Nesse sentido, os Astecas contam que a construção do mundo em que vivemos não foi um acaso, ou feito rapidamente, mas um processo demorado e cheio de tentativas. Uma visão que, a bem da verdade, aproxima-se da ciência, visto as diferentes fases e mudanças que nosso planeta já passou.

Após as quatros tentativas, o Panteão dos Deuses Astecas, preocupados com a escuridão e a ausência de vida no mundo, promoveram uma reunião para resolver tal situação e, assim, decidiram criar o quinto mundo. Entretanto, para a concretização do plano, era necessário dar energia ao novo planeta, mas para isso era preciso que um Deus se sacrificasse jogando-se dentro de uma fogueira. Depois de vários debates, se escolheu para tal sacrifício o Deus Tecuciztecatl, que era rico e orgulhoso. Porém, diante da fogueira, Tecuciztecatl retrocedeu e não teve coragem de realizar tal missão.

Deus Nanahuatzin se lançando à fogueira na mitologia asteca
O sacrifício de Nanahuatzin: humildade e coragem na criação do Sol

Quantas vezes isso ocorre conosco? Em quantos momentos somos convocados ao serviço e retrocedemos? É evidente que o sacrifício diante do dever é um símbolo e que, em nossa vida prática, ocorre em diversos momentos. Muitas vezes, evitamos nos doar ao outro, por exemplo, por pensarmos apenas em nossas próprias necessidades. Ficamos presos em nosso individualismo de tal maneira que não compreendemos como podemos servir aos demais. Assim, entende-se que o sacrifício não é físico, ou seja, não precisamos nos jogar em uma fogueira, mas sim doar nossa energia à própria vida, para contribuir nessa grande construção que é a própria natureza. 

Visto o impasse, um outro Deus chamado Nanahuatzin, que tinha como características a Humildade e a Coragem, ao perceber a necessidade de realizar a missão, se lançou à fogueira e converteu-se no Sol. Ao ver o ato de Heroísmo do segundo Deus, Tecuciztecatl, joga-se na fogueira e transforma-se na Lua. Para energizar e dar o movimento necessário aos astros recém-criados, outros Deuses também tiveram que se sacrificar para dar origem à “água preciosa”, equivalente ao “sangue”, que gera a Vida para o Sol e para a Lua.

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Compreendendo os símbolos da mitologia asteca

Por este motivo, o sacrifício na cultura asteca é visto como um dos atos mais heroicos que um indivíduo pode fazer em nome do Todo, pois a segurança e o crescimento de qualquer coisa, estão diretamente ligados à ideia do sacrifício. Isso faz muito sentido em nosso contexto de hoje, veja, por exemplo, que não dá para ser um pianista sem sacrificar muitas horas de estudos por dia ao longo de décadas, ou mesmo a vida inteira. 

Um bebê não será capaz de crescer saudável sem que seus pais sacrifiquem algumas noites de sono, ou alguns momentos de lazer, para garantir a ele segurança, saúde, alimentação, educação etc. Assim, é condição indispensável você doar para gerar vida, gerar movimento e fazer crescer. Disso depende a evolução de todas as coisas.

Que outros aspectos a mitologia asteca pode nos ensinar? Como compreender seus símbolos e mensagens em profundidade? Como essa cultura pode nos iluminar e nos ajudar a compreender a nossa própria essência humana?

É fundamental compreender o aspecto simbólico deste mito, pois houve momentos de decadência na civilização asteca em que esse símbolo de sacrifício foi tratado de forma distorcida, ou seja, no seu sentido literal. Apesar da ideia original do termo sacrifício remeter a um fazer Sagrado, com a degeneração dessa civilização, o sentido original foi sendo deturpado até chegar ao ponto de passarem a fazer sacrifícios humanos de prisioneiros, algo que é totalmente contrário à essência original do mito. 

Quando uma sociedade se torna materialista, ela perde a capacidade de compreender a linguagem dos símbolos, algo que é próprio das almas sensíveis, capazes de enxergar a vida com profundidade. E a tendência é interpretar tudo de forma literal.

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Cada civilização encontrou um jeito particular para narrar a origem do Universo e de todas as coisas que nele existem. Buscar compreender, encontrar respostas e explicar o mundo que nos cerca é uma necessidade vital de nossa condição humana. Necessidade essa que está expressa nas diversas formas de culturas, principalmente, através das narrativas mitológicas de cada povo.

Com a mitologia asteca em questão, podemos aprender várias coisas, dentre elas a importância de ver que tudo está interligado por um mesmo princípio de vida, que surge do Heroísmo e da entrega dos Deuses. O Sol, a Lua e a Água Preciosa, que é a fonte da energia que faz tudo se mover, desde os astros no céu até o sangue em nossas veias, nascem deste mesmo princípio. 

Símbolos astecas representando Sol, Lua, sangue e água como fontes de vida
Símbolos sagrados da mitologia asteca e sua conexão com a vida

Porém, só quem consegue compreender essa Verdade é quem se sacrifica, enquanto parte, para servir ao Todo. Simbolicamente, precisamos reviver o sacrifício dos Deuses diariamente em nossas vidas, precisamos renunciar aos nossos egoísmos e nossos desejos para que a vida siga no seu curso normal e evolutivo. Para isso, é preciso ter Humildade e Coragem para lançar-se nessa fogueira Sagrada, e entender que o mundo que sonhamos construir só existirá se oferecermos nossas vidas em nome do Bem, da Beleza e da Justiça.

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