Mandala: Símbolo do Centro da Vida

Há um tempo as mandalas tornaram-se moda dentre aqueles que buscam uma forma alternativa de terapia, meditação, concentração, até mesmo de decoração. Porém a tradição de fazer essas formas circulares é muito mais antiga do que nós imaginamos, além de estar presente em diversas culturas. 

Em sânscrito, língua da tradição hindu, mandala significa círculo e remete à ideia de centro para onde tudo converge. Na Via Láctea, todos os planetas giram em torno do Sol; nas nossas células, existe um núcleo central; nas nossas vidas, sempre tem alguém ou algo para onde nós nos direcionamos, para onde voltamos, aquilo que nos dá referência de quando estamos fora de nós e quando estamos sendo nós mesmos. 

É o que poderíamos entender, em muitas tradições, como a ideia de Deus, para onde toda a vida converge e de onde tudo se origina, mas que não está evidente aos nossos olhos. É como se toda a nossa vida fosse uma trajetória circular convergindo ao centro de nós mesmos, a nossa essência. Assim a mandala surge não só como um mero desenho ou forma de expressão, mas também como uma possibilidade de conexão com os mistérios: De onde viemos? Para onde vamos? Qual o sentido de nossa existência?

As mandalas nas tradições do Oriente

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As mandalas mais populares atualmente são as oriundas das tradições do Oriente: hindu, budista, tibetana. Elas apareceram na Índia há milhares de anos, e não se sabe ao certo quando começou a tradição de confecção de mandalas, mas o importante é que elas são como uma ponte entre o sutil e o concreto, entre o espiritual e o material. Pois através das suas formas circulares e dos símbolos no seu interior, elas traduzem na matéria uma ideia metafísica, que muitas vezes nossa mente racional não alcança.

Assim, sua fabricação faz parte de uma ritual, um momento sagrado, em que a concentração, a persistência, a paciência e tantas outras virtudes são praticadas para que se chegue ao fim almejado – fazendo uma analogia com a própria jornada humana de construção e domínio sobre si mesmo.

As técnicas de construção de mandalas são ensinadas aos monges tibetanos, incluindo a memorização dos textos que especificam os nomes, proporções e posições das linhas principais que definem o desenho das mandalas. Esses textos servem como parâmetros, mas também dão margem para a inserção de símbolos e desenhos mais sofisticados, como os inspirados nas pétalas da flor de lótus ou os desenhos de Buda. Após o término, as mandalas são destruídas, como forma de aprendizado sobre a impermanência da vida e de valorização do caminho para se chegar ao centro, a unidade, a essência das coisas da vida.

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Planejadas como uma estrutura semelhante à arquitetura dos templos budistas, com proporções de 8mx8m, as mandalas são desenhadas com pó de mármore oriundo dos rios que correm na Cordilheira do Himalaia. O pó, depois de moído, lavado e secado ao Sol, é misturado com pigmentos não tóxicos para formar as principais cores, como amarelo, verde, vermelho e azul. Assim, as mandalas surgem em suas diversas cores e com diversos símbolos, com tamanha riqueza de detalhes que dificultam sua confecção mas que requer dos monges um maior refinamento de si mesmo para construí-las.

A forma circular também nos lembra os ciclos da vida e a ideia de reencarnação tão presente no budismo. Ou seja, assim como vemos no Samsara, um outro símbolo importante para essas tradições, a vida se manifesta a quantidade de vezes que for necessária para que uma Alma evolua e se desapegue dos seus anseios mais materialistas. Assim, enquanto precisarmos de experiências para entender quem de fato nós somos, no sentido mais espiritual e sutil, continuaremos a reencarnar e habitaremos o ciclo externo das mandalas. Desta forma, também entende-se que, como Buda, no Nirvana, a Alma se liberta desse ciclo de nascimento e morte. Buda e os ensinamentos de iluminação são representados nas mandalas pelas formas coloridas com areia, tratando-se assim de um exercício para liberar o apego, o ego e a ignorância, para representar a jornada da Alma rumo ao seu despertar.

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Para as tradições do Oriente, as mandalas são uma possibilidade de conexão com a ideia de libertação do mundo material, um trabalho nas virtudes de disciplina, atenção, desapego, humildade diante dos mistérios da vida. 

 “(…) Lembro a cada instante que estou morrendo, e todos e tudo ao meu redor também, e desse modo trato todos os seres a todo momento de forma compassiva. Meu entendimento da morte e da impermanência tem sido tão forte e urgente para mim a ponto de que dedique cada segundo da existência à busca da iluminação?

Se você pode responder ‘sim’ a ambas as perguntas, então você compreendeu de fato a impermanência”. (Sogyal Rinpoche, em O Livro Tibetano do Viver e do Morrer)

A Mandala para os Povos Originários Americanos

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Entre os povos nativos americanos encontramos uma espécie de mandala com o nome de filtro dos sonhos. Eles acreditavam que o círculo era capaz de trazer proteção e afastar os maus sonhos e maus espíritos. Desta forma, somente os bons sonhos passariam pelo filtro, guiando o sonhador para o caminho da bondade.

Existem várias lendas que envolvem a criação do filtro dos sonhos, porém uma das mais conhecidas fala de um velho xamã que teria subido no cume de uma montanha para encontrar sabedoria. Chegando ao topo, encontrou um espírito mágico com a forma de uma aranha que teceu uma teia com pelos de cavalo em volta de um aro feito de cipó, ao mesmo tempo em que ensinava ao xamã importantes conhecimentos sobre vida, morte e natureza. “Se você trabalhar com forças boas, será guiado na direção certa e entrará em harmonia com a natureza. Do contrário, irá para direção que causará dor e infortúnios”. Assim o xamã teria sido guiado, através de bons sonhos, a liderar e ajudar seu povo na busca dos seus objetivos em harmonia com a natureza e com os mistérios da vida.

Uma segunda lenda diz que uma mãe não conseguia fazer que seu filho dormisse tranquilamente à noite e, por isso, procurou ajuda da curandeira da tribo, que recomendou fazer um círculo com um labirinto no centro. Assim, a mãe o deveria pendurar próximo à cama do filho para velar seu sono. Ela o fez e a criança pôde dormir tranquila, pois os sonhos maus ficaram presos nos emaranhados das linhas.

O filtro dos sonhos tradicionalmente é feito com fibras de um salgueiro, revestido com tiras de couro, ao qual são amarrados vários fios, formando uma espécie de teia de aranha com uma abertura circular no centro. Uma pena de ave, preferencialmente de coruja, por simbolizar sabedoria, é colocada debaixo da teia, trazendo a ideia do movimento, da vida, do ar que transpassa tudo.

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Eles acreditavam que durante a vida era importante que a pessoa decifrasse seus sonhos, pois eles trazem importantes mensagens sobre a natureza, o universo e a vida, de tal maneira que o filtro dos sonhos era como uma peneira entre aquilo que é válido e aquilo que nos leva à dor e ao sofrimento. Era importante também que os filtros ficassem próximos à luz, justamente para que os sonhos ruins, em contato com os raios do Sol, desaparecessem por completo.

As Mandalas no Cristianismo

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Na tradição cristã vemos muitas rosáceas de vitrais nas catedrais, principalmente nas de estilo gótico, novamente nos fazendo refletir o quanto essa ideia de centro é presente e necessária em diversos momentos históricos e nas variadas crenças.

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O círculo perfeito não é encontrado na natureza, por isso sempre nos remete a algo que está para além do superficial, do imediato, do imperfeito. As rosáceas nos remetem imediatamente a ideias perfeitas, pessoas que alcançaram assim, na tradição cristã, uma santidade. 

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Seu nome, rosácea, é justamente uma referência a sua forma de pétalas de flor e elas estavam sempre orientadas conforme a luz do Sol para que através da luminosidade os fiéis sentissem a presença do sagrado.

A Mandala na Psicologia

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No início do século XX, o psicanalista Carl Jung, grande estudioso das tradições da humanidade, resgata o conhecimento das mandalas como uma chave de compreensão do inconsciente. Assim ele chega a fazer uma analogia das mandalas com as suas teses centrais sobre a constituição humana.

Segundo Jung, o ponto central da mandala é o mistério da essência humana, ao que ele chamou de Self, de onde tudo se origina e para onde tudo converge. As primeiras figuras que surgem na parte central são o inconsciente pessoal, o conteúdo individual de cada um de nós, e nas bordas, por fim, mais afastadas, o inconsciente coletivo, aquelas ideias que povoam primordialmente o inconsciente de toda a humanidade.

Assim, as mandalas surgem para Jung como uma possibilidade de conhecer o mais íntimo de nós mesmos e até como uma espécie de terapia para aprendermos a lidar com conteúdos do nosso inconsciente.

Por fim, podemos perceber que uma ideia presente em regiões completamente diferentes, em crenças diversas, em momentos históricos tão distantes, aponta para algum mistério sobre a vida que alguns conseguiram alcançar e que, por isso, deixaram como legado para as próximas gerações.

Também podemos perceber o centro como um grande mistério de onde tudo se origina, para onde tudo converge, e que parece sutilmente nos conduzir para o que é valoroso na vida. Através do contato com o centro sabemos o que é luz, o que é trevas, o que nos motiva, o que nos desanima, o que nos embala, o que nos provoca pesadelos. Além disso, caminhar na direção do centro nos faz perceber que a nossa jornada passa por conhecer a nós mesmos, saber nossas dificuldades e nossas potencialidades, de tal maneira que talvez a essência, o grande mistério no núcleo disso tudo, talvez agora nos escape, mas o mais importante é darmos os devidos passos na sua direção.

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