A Batalha dos Guararapes: Raízes do Brasil

O brasileiro não é um povo pacífico e sua história prova isso. Ao longo dos últimos 500 anos, houveram diversos momentos em que foi necessário a força para defender as terras e lutar contra todo tipo de opressão que, no passado, se fazia expressa como lei em nosso território. 

Apesar disso, será que podemos definir, no espaço e no tempo, quando o povo brasileiro se formou? Há quem defenda que não exista, de fato, um “povo” brasileiro devido às grandes diferenças culturais entre as regiões que formam o Brasil. Assim, a identidade brasileira seria fragmentada e, por definição, não existiria aqui um povo, mas sim diversas culturas que coexistem em relativa paz.

Não pretendemos entrar profundamente nessa questão, porém, se devemos definir um marco para fincar as raízes do Brasil, podemos usar como critério o combate pelas nossas terras como uma forma tipicamente de identidade. Tal qual os gregos passaram a se reconhecer como uma só cultura a partir da guerra contra um povo estrangeiro (os persas), poderemos também usar esse mesmo critério para definir o momento em que olhamos uns para os outros e reconhecemos que, acima de todas as diferenças, éramos um único povo habitando uma só lugar.

Expressar a raíz do povo brasileiro não significa, outrora, apagar o processo de colonização e barbárie ao qual os europeus submeteram nossos povos nativos, que são parte fundamental dessa identidade. Assim, o que buscamos é o que está para além desses conflitos identitários, a marca indelével de um povo que não é nem europeu, nem indígena ou africano, mas que é, ao mesmo tempo, um pouco de cada um. Será isso possível?

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(Créditos: Wikipédia)

A Batalha dos Guararapes: o conflito que uniu os brasileiros

Se pretendemos investigar a raiz do povo brasileiro a partir do espectro da guerra, não podemos nos furtar de falar da Batalha dos Guararapes. Precisaremos, portanto, voltar à época em que o Brasil ainda era uma colônia portuguesa e que enfrentava um perigo externo: a Holanda.

Em um roteiro bem simplificado, podemos resumir a história dessa batalha da seguinte forma: a Holanda começou a invadir o Brasil, que era uma das colônias mais ricas de Portugal, por volta de 1624, a partir de Salvador, na Bahia. O motivo das invasões é que a Holanda havia se emancipado do domínio espanhol, e o rei Filipe II, em retaliação, havia proibido o comércio com os portos holandeses. Como Portugal nessa época estava anexado à Espanha, no que se chamava de União Ibérica, teve que cumprir a ordem do rei e cortar relações com a Holanda.

Isso motivou as invasões já citadas, porque, sem as relações comerciais com Portugal, a Holanda perderia uma enorme parcela de mercado, o que dificultaria o financiamento da continuidade de sua própria Independência.

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(Créditos: Wikipedia)

Assim, por volta de 1630, após serem expulsos de Salvador, eles invadiram Olinda e Recife com uma esquadra de sessenta e sete navios e sete mil homens. Diante do sucesso da invasão, o governo holandês ainda enviou mais seis mil homens para consolidar o domínio.

Do lado de Portugal, a resistência foi liderada pelo militar administrador da colônia, Matias de Albuquerque. Ele instalou uma fortificação e a chamou de Arraial do Bom Jesus, no que hoje conhecemos como Sítio da Trindade. A partir dessa fortificação, Matias de Albuquerque liderou investidas recorrentes, com destacamentos de dez a quarenta homens, que atacavam de surpresa os redutos holandeses e voltavam para o forte, minando assim as forças holandesas. Vale destacar que essa técnica foi aprendida com os indígenas que, em algumas ocasiões, também faziam parte desse pequeno exército liderado por Matias de Albuquerque.

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(Créditos: João Rocha)

Apesar da resistência, muitos senhores de engenho portugueses começaram a gostar da presença holandesa, em razão da administração do Conde Maurício de Nassau, que era um homem culto, progressista, liberal, que começou a fazer grandes reformas urbanísticas na cidade do Recife e financiar engenhos, recuperar a produção etc. A estratégia dos holandeses para destruir o forte e enfraquecer a resistência era tomar a região da Muribeca, a fim de que não houvesse mais alimentos para os soldados, e tomar o porto do Cabo de Santo Agostinho, a fim de interromper o envio de armas para o forte.

Entretanto, para chegar até a Muribeca, os holandeses teriam que passar por uma região chamada Morro dos Guararapes, que fica no atual município de Jaboatão dos Guararapes. Foi nesse morro que aconteceu a famosa Batalha dos Guararapes, explicada abaixo no vídeo do Nerdologia. 

A diferença entre o contingente do exército holandês e do exército luso-brasileiro era enorme. Do lado dos holandeses havia mais de sete mil homens, já do lado brasileiro, apenas 2200. Entretanto, os holandeses tinham pouco domínio sobre o terreno, então muitos morreram afogados nos trechos alagadiços, nos arredores do Morro. E os que conseguiam chegar até o morro já estavam debilitados. 

Já os lusos-brasileiros, que conheciam o terreno graças à relação com as tribos indígenas da região, tinham uma larga vantagem que foi fundamental para superar o exército holandês. Assim, a guerra, no primeiro conflito, em abril de 1648, deixou um saldo de mais de dois mil cadáveres holandeses, muitos dos quais eram oficiais de alta patente. Do lado dos brasileiros, cerca de duzentos mortos.

Para além das questões bélicas e da estratégia militar, o grande trunfo do exército brasileiro foi utilizar o conhecimento dos povos nativos da região, mostrando assim uma verdadeira união entre luso-brasileiros e indígenas, algo relativamente inédito na história do Brasil de até então, uma vez que tais grupos eram rivais. Não é segredo que os portugueses, na figura principalmente dos bandeirantes, caçavam os indígenas no interior de todo o Brasil, inclusive na região de Pernambuco, mas a ameaça estrangeira foi um dos principais motivos de deixarem suas diferenças de lado e lutarem pela expulsão do inimigo.

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(Créditos: Google Sites)

O conflito, porém, não terminou em apenas um confronto. Em fevereiro de 1649, durante o segundo conflito, os luso-brasileiros conseguiram vencer e expulsar definitivamente os holandeses. 

Um olhar para além da Batalha dos Guararapes

É possível perceber que toda a sociedade humana está integrada, em alguma medida. Veja que uma batalha ocorrida lá no Século XVII, em uma época em que não havia eletricidade, nem telefones, nem internet, nem aeroportos, em que as tecnologias eram rústicas, em um território tomado por manguezais e mata nativa, numa região longínqua da Europa, como é o caso de Jaboatão dos Guararapes, nessa batalha estão imbricados uma série de grandes interesses internacionais.

Há uma confluência de grandes potências mundiais de então, como a Espanha, o reinado de Filipe II, o reino de Portugal, a Inglaterra, a Holanda, as Índias e toda a Europa. De algum modo, esse simples conflito é um reflexo de um jogo histórico complexo de toda a civilização ocidental.

Isso nos mostra que a história está ligada por um fio único, que há uma unidade nesse enorme mosaico de fatos. É possível ver nesse evento também o surgimento de uma nação brasileira, um sentimento nacional, o surgimento de um exército brasileiro, a partir de uma conquista sangrenta contra um inimigo forte.

Essa narrativa não é fruto de um olhar direcionado, mas a constatação de um fato: a Batalha dos Guararapes foi capaz de unir grupos tão distintos e que, à sua maneira, contribuíram para a formação do povo brasileiro. Um povo é, antes de tudo, um sentimento de pertencimento. Não se trata apenas de nascer dentro de um território ou mesmo possuir um documento de identidade. Para além disso, um povo é o reconhecimento de costumes, crenças e tradições comuns, que geram um grau de identidade entre as pessoas ao ponto de serem capazes de unirem-se para defender seus interesses.

Esse sentimento pôde ser visto pela primeira vez na Batalha dos Guararapes. Dentro daquele exército que deu seu sangue para expulsar os holandeses não estavam mais indígenas, portugueses ou escravizados, mas sim homens e mulheres dispostos a não deixar que outro povo tomasse conta do seu espaço.

Não por acaso, nos dias atuais, quando você entra na cidade de Jaboatão dos Guararapes, uma placa de boas-vindas diz logo abaixo: “A pátria nasceu aqui”. Não podemos inferir que isso seja um exagero, pois, como já vimos, foi nessa pequena parte de terra que a semente do povo brasileiro foi plantada. É evidente que essa é apenas uma batalha, uma pequena ação que começou a fomentar o sentimento nacional no coração daquelas pessoas. Algo que, apenas séculos mais tarde, brotaria como um sentimento real de pertencimento às terras brasileiras.

Se hoje podemos nos chamar assim é porque, antes de tudo, existiu um grupo de pessoas distintas, mas que lutaram juntas pela preservação desse imenso território chamado Brasil.

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O que vem primeiro: um povo ou uma nação?

Ainda assim, apesar dos fatos, há quem se pergunte: como pensar no surgimento de uma nação brasileira, se na verdade, de uma forma ou de outra, o Brasil era uma colônia de exploração, fosse de Portugal, fosse da Holanda?

A resposta para essa pergunta está no seguinte raciocínio: tanto a Holanda como Portugal também eram, em alguma medida, colônias da Espanha. Suas investidas nas Américas para colonizar e explorar eram medidas de sobrevivência no contexto europeu. A Espanha, por sua vez, que seria, então, dentro dessa lógica, a grande opressora, também tinha uma motivação para “oprimir”. Caso não expandisse seu império, desmoronaria diante da agressividade dos outros povos europeus, anglo-saxônicos, asiáticos etc.

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(Créditos: Wikipedia)

Observe que essa lógica de pensar uma nacionalidade em confronto com outras nacionalidades é inviável e não tem sentido, isso nos leva a uma grande carnificina global. A ideia de pátria, para fazer sentido, é preciso estar em harmonia com a ideia de fraternidade universal, em que o sujeito se veja como partícipe de uma única espécie, independente de etnia, sexo, cor da pele, nível social etc. Como nos ensinou Joaquim Nabuco, “O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria à humanidade”.

Frente a isso, antes de surgir qualquer nação é fundamental que se tenha um sentimento de povo. Se não for assim, a nação nada mais será do que um grupo de pessoas indiferentes umas às outras, que lutam por seus próprios interesses. Por isso que, a nível global, o grande sonho da humanidade seria se tornar uma só nação, um só povo, capaz de lutar não contra um inimigo estrangeiro, mas de revelar toda sua beleza e natureza a partir de uma só harmonia com todos os seres humanos.

Precisamos confiar que chegará o dia em que superaremos o egoísmo, a ganância e todas as formas intolerantes e radicais de nacionalismo, e então perceberemos que todas as bandeiras do mundo devem ser também nossas bandeiras, que todos os homens do mundo são nossos irmãos.

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