Se há um ponto em comum entre as grandes tradições sagradas e filosóficas da humanidade, é a ideia da Lei do Retorno. Toda ação gera uma reação decorrente. No sistema de pensamento hindu, esse fenômeno é chamado de “Karma”, no velho testamento da tradição judaico-cristã, aparece como a lei da semeadura, em que há tempo para plantar e tempo para colher. Já no estoicismo greco-romano, isso aparece a partir de um par de forças formada pela finalidade e pela necessidade, em que tudo o que nos acontece atende a uma necessidade do Universo e a uma finalidade: retornar à Unidade.
Nenhuma ação é inócua, até a inação gera consequências. Se você ficar parado em um único lugar, achando que não está fazendo nada e continuar assim por um certo tempo, vai começar a sentir a necessidade de mudar de posição, movimentar-se de algum modo, trocar a perspectiva do olhar, etc. Isso acontece porque tudo em nós está em atividade. No corpo físico, há um trabalho incessante de células, neurônios, anticorpos e organelas para nos manter vivos, independente do que estamos fazendo no mundo prático. Enquanto isso, no corpo psíquico, das emoções e pensamentos, também se trava uma batalha incessante de emoções, paixões, sentimentos, ponderações, elucubrações, etc., em uma mistura ininterrupta de caos e cosmos, ordem e desordem. Cada um desses infinitos atos são originadores de uma cadeia de consequências.
Mas em geral costumamos suspender essa consciência e agimos como se nossas ações não provocassem nenhuma consequência. Agimos somente para atender aos nossos desejos. Um exemplo disso é quando gostamos muito de um tipo de alimento que nos faz mal, observem como é difícil suprimi-lo da dieta. Muitas vezes até o saboreamos conscientes de que depois sofreremos com as reações, mas o desejo é mais forte do que a consciência. Isso se estende a outros campos da vida. O grau de domínio dos desejos sobre nós determina, de certa forma, o grau de sofrimento pelo qual passamos.
O desejo de conforto é outro vilão, pois os frutos que colhemos de uma vida sem esforço são frutos venenosos, destrutivos. Muitas vezes em busca de um conforto exagerado, mergulhamos em um marasmo, vivemos uma vida inerte, suprindo nossa sede de realizações com fantasias, de modo que no plano dos pensamentos somos multifacetados, mas no campo das realizações somos uma página em branco. O excesso de conforto traz a preguiça e esta traz a miséria. Uma vida vazia, sem realizações, sem conquistas práticas é o que retorna de um exagerado apego ao conforto.
Mas nem só de aspectos negativos vive a reflexão sobre a Lei do Retorno. Do mesmo jeito que ao plantarmos o mal colheremos o mal, ao plantarmos coisas boas, colheremos coisas boas. Essa é uma Lei inexorável, tão real e inevitável quanto à Lei da Gravidade. Sabendo disso, temos então uma boa dica para mudar o nosso destino para melhor: plantar coisas boas. Precisamos semear um novo futuro para a Humanidade. O que fazemos hoje inexoravelmente resultará no que acontecerá amanhã.
Dizem que os fundamentos da nossa civilização ocidental hoje, foram plantados pelos gregos e pelos romanos. Observem que praticamente todo o vocabulário que utilizamos para identificar elementos civilizadores, ou tem uma raiz grega ou romana, a exemplo de palavras como “República”, “Democracia”, “Política”, “Biblioteca”, entre muitas outras, com radical grego. Com radical latino, temos “Agricultura”, “Magistratura”, “Escrita”, etc. Vejam que essas construções são resultados de uma formação histórica longínqua, que foram sendo plantadas através de ações, sobretudo no campo da elaboração mental, de povos muito antigos. Aquelas sociedades não faziam ideia de que ao elaborarem conceitos como estes estariam gerando uma cadeia de consequências que teceria a realidade social, política e econômica de civilizações que só viriam a existir muitos séculos depois. Da mesma forma, o que fazemos hoje de algum modo repercutirá na construção da Humanidade futura. O que acaba sendo muito assustador, pois a julgar pelo desmoronamento moral e civilizatório que presenciamos nesta quadra da história, o futuro não parece muito promissor. Mas ao passo que é assustador, pode também nos trazer esperança, já que essa constatação nos leva à tomada de consciência de que podemos mudar o futuro. Ora, se o futuro é a colheita do que plantamos hoje, então o futuro está em nossas mãos, ou seja, a depender do que plantamos neste momento podemos ter um futuro bom ou ruim.
Se isso é verdade, e a História nos mostra que é mesmo, então somos corresponsáveis pelas futuras gerações. A forma como atuamos no mundo hoje retornará um futuro compatível com ela: passamos dez séculos mergulhados na Idade Média, retroalimentado um sistema de causas e consequências macabro. Um analfabetismo totalitário, em que até os Reis eram analfabetos, uma religiosidade que mais nos afastava de Deus e nos lançava ao ódio, à vingança e à inércia. Um mundo atrasado, anacrônico, perdido entre séculos e séculos. O afastamento do conhecimento fortalecia o atraso e o fortalecimento do atraso nos afastava ainda mais do conhecimento, um ciclo vicioso, uma redoma fechada, lacrada e sufocante para a Alma Humana, até que um remanescente teve contato com o Oriente e lá se depararou com as ideias clássicas, gregas, romanas, árabes e hindus. Essas ideias fervilhavam na região do Oriente pois haviam sido plantadas lá há séculos, antes do início da Idade Média, quando muitas escolas de filosofia fugiram para lá na tentativa de se livrarem da mão pesada do Imperador Constatino, levando para aquela região as ideias de Sócrates, Platão, entre outros. Ao se deparar com essas ideias, aquele remanescente Humano da baixa Idade Média, renasceu, se enamorou novamente dessas luzes e é desse novo despertar que vai surgir o que ficamos conhecendo historicamente como o “Renascimento” e posteriormente o Iluminismo. Hoje colhemos os frutos desses movimentos renascentistas e iluministas. Vivemos hoje a catalização de algo que surgiu nesse contexto.
Com isso, nós vemos que a história atende a uma Lei de Retorno, formando um inevitável encadeamento de causas e consequências. Colhemos o que plantamos, não temos como fugir disso. Se hoje plantamos ódio, colheremos ódio, se plantamos Amor, teremos Amor no futuro. Se plantamos Compreensão, Tolerância, Perdão, Generosidade, busca pela Sabedoria, é isso, então, que alcançaremos. Nossas colheitas não têm sido boas, sofremos muito com a desestrutura social. Um aumento descomunal da violência, uma grande recessão econômica, com muito desemprego e fome. O que devemos fazer diante de uma colheita que não está boa? Tenho certeza que se dirigíssemos essa pergunta para um agricultor, ele responderia: é preciso melhorar o plantio. Essa é a solução para esta conjuntura. A lamentação não vai trazer resultado, a revolta, a ira, o desespero só aumentarão a dor. A solução para o quadro que se instala pouco a pouco no mundo hoje é a semeadura do Bem, do Amor, do Trabalho e da Construção do futuro. Esses são os pilares da grande mudança no mundo, que pode começar dentro de nós.
Essa misteriosa Lei do Retorno explica porque as grandes mentes da humanidade agiram da forma que agiram. Sócrates, por exemplo, estava tão mergulhado na sua missão de semear a alta Sabedoria entre os humanos que mesmo sendo condenado ao envenenamento pela sociedade ateniense de então, executou a sentença ensinando aos seus discípulos, sem perder um segundo sequer do seu tempo, fato que se eternizou na obra do pintor francês Jacques-Louis Davi, em 1787: a morte de Sócrates.
Por que Sócrates mergulhou tão fundo nessa missão de eduzir das Almas Humanas as ideias profundas? A resposta é: porque ele conhecia a inexorabilidade do retorno. Ele sabia, não tenha dúvida, que cada alcance que ele conseguia permitir nas consciências daqueles jovens entraria em uma cadeia de efeitos com repercussão nos milênios vindouros. Hoje as ideias de Sócrates, que nos chegam através de um de seus discípulos, Platão, vem reverberando em toda a construção do sistema de pensamento ocidental nos últimos dois mil anos.
O mesmo grau de compromisso com sua missão, podemos ver na figura de Jesus, o Mestre da Palestina ocupada pelos Romanos no começo da nossa era. Sua força em propagar o Amor, o Perdão, a Humildade, o Desapego aos bens e a Valorização da pessoa humana o levou à crucificação lenta e cruel aos trinta e três anos. Ainda assim, mesmo crucificado, se eternizou na história como símbolo de Perdão, de Amor e sua mensagem impacta a humanidade até hoje, dois mil anos depois. O que o leva a esse grau de entrega na sua missão, não tenha dúvida, é a certeza de que seu trabalho floresceria nos tempos futuros. Tanto é que em um de seus sermões, cheios de símbolos e comparações, ele contou uma parábola sobre um semeador, que jogava as sementes em vários tipos de terrenos, aquelas que caiam em terra fértil florescia, as que caiam em terreno rochoso tinham outro tipo de consequência. Observe que ele tinha um profundo conhecimento dessa Lei inexorável do retorno.
Precisamos lidar com o conhecimento dessa Lei de forma sábia, ou seja, se tudo o que faço gera uma repercussão, então eu posso manejar o futuro. Isso nos mostra que temos mais poder do que imaginamos que temos. Nosso poder está nas nossas ações. O que estamos fazendo agora, neste momento, está desenhando o futuro. Essa magia, se não manejada de forma sábia, pode se transformar em algo muito perigoso. É como mexer com uma substância radioativa, sem conhecer as consequências. Diante disso, devemos buscar aprender a governar nossas ações. Todos os dias fazemos milhares de coisas e com esse agir determinamos o que vai acontecer ou não, então governemos bem essas coisas que fazemos. Para isso precisamos aprender a dominar os desejos, os impulsos, os medos, precisamos nos conhecer em profundidade. À medida que vamos mapeando esse Universo que somos por dentro, começamos a ganhar poder sobre ele, começamos a nos tornar governantes de fato e é desse governo que virá o poder sobre as circunstâncias e sobre o tempo.
Uma vida preguiçosa, descomprometida, vai gerar uma malha de consequências ligadas ao esvaziamento, à miséria, ao descontrole e, consequentemente, ao fracasso. Uma vida luxuriosa, entregue aos prazeres grosseiros vai gerar um futuro de desequilíbrios psíquicos, em que não se consegue saciar, e cada vez se fantasia mais para alcançar o prazer. Uma vida assim, tem por consequência a escravidão psíquica, a tendência às perversões e monstruosidades. Uma vida ambiciosa, diuturnamente focada no dinheiro, no enriquecimento, vai gerar uma existência cada vez mais apegada a coisas efêmeras, que não se leva com a morte. Pessoas assim sofrem muito, pois essas conquistas, decorrentes da ambição, são todas limitadas e passageiras.
Da mesma sorte, uma vida dedicada à busca da Sabedoria, vai retornar uma existência Feliz, apesar de tudo. Uma pessoa assim geralmente é muito amável, pois faz parte do exercício da Sabedoria saber Compreender, Tolerar, Perdoar e agir com Equilíbrio, então essa pessoa sempre estará acolhendo, entendendo as razões do outro, tornando-se alguém desejável de se estar perto. Uma vida dedicada ao trabalho, tende a ser uma vida repleta de realizações. Uma vida humilde, tende a permitir um maior poder sobre as circunstâncias. Uma vida dedicada à genuína educação, é uma enorme contribuição à humanidade e, por conseguinte, retorna uma existência iluminada e cheia de sentido. É assim que acontece a Lei do Retorno, ou Lei da Semeadura. A gente faz e a Natureza e o Mistério do mundo permitem o desenrolar das consequências.
Cientes dessa potência que há na realidade, que possamos refazer nosso caminho, mudar nossos hábitos, nossa linguagem, nossos paradigmas, buscando a Bondade em tudo o que fazemos, vivendo a Verdade, honrando isso tudo com a prática. Ao promovermos essa mudança em nossas vidas, estaremos dando uma enorme contribuição à toda a Humanidade e a todo o futuro da mesma. Há quem busque uma transformação da sociedade humana em uma eleição presidencial, há quem o faça a partir de nichos ideológicos, mas todos hão de convir que uma mudança potencial só é possível no campo das atitudes individuais de cada um. Se mudarmos o jeito como existimos, como lidamos com o tempo, com o dinheiro, com as pessoas, poderemos mudar a ordem social e política ao nosso redor, do mesmo jeito que ao mudar a semente, mudamos a planta que vai nascer e por conseguinte o fruto. Mudemos urgentemente nossas escolhas, pois se continuarmos no caminho que hoje trilhamos enquanto sociedade humana, o futuro que nos espera, que será vivido pelos nossos filhos e netos, não parece ser algo agradável.