Estamos sempre ocupados?

Sêneca, filósofo estoico que viveu na Roma Antiga, escreveu certa vez que os Seres Humanos são demasiadamente confusos: quando jovens sentem que possuem todo o tempo do mundo e dessa forma o desperdiçam com os mais diversos prazeres e atividades que, no fundo, pouco ou quase nada acrescentam à sua vida. Assim vivem sua existência por décadas até chegarem à velhice, quando notam que os desejos já não os realizam, o corpo, outrora jovem e vigoroso, agora pouco pode frente às circunstâncias, uma vez que está fraco e doente. Ao constatarem esse fato, passam a questionar sobre o tempo e como a vida humana é breve.

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O filósofo continua sua reflexão e nos mostra que não é a vida humana que é breve, mas sim nós que não sabemos aproveitar toda a energia que possuímos. Você já se sentiu desse modo? De que, de repente, o ano já terminou, ou que uma década passou de forma tão rápida que ainda não foi possível assimilar os 10 anos que viveu? Em nossa vida cotidiana é muito provável que já tenhamos experienciado essa sensação, uma vez que, à via de regra, não vivemos plenamente conscientes do nosso dia, apenas pulamos de um compromisso ao outro e buscamos resolver todas as nossas atividades, às vezes de maneira tão mecânica que não conseguimos extrair nada dessas experiências.

Por que vivemos assim? E como o tempo continua sendo, desde os primórdios da humanidade, um dos grandes dilemas que enfrentamos? Quando colocamos o problema nessa perspectiva, parece-nos que a humanidade pouco avançou em sua busca por entender os mistérios que o circundam. Mesmo possuindo tecnologia capaz de nos levar à Lua ou ao planeta Marte e investigar os confins do Universo, ainda não somos capazes de lidar com o tempo e viver conscientemente essa dimensão da natureza.

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Talvez por isso estejamos cada vez mais ocupados. É verdade, entretanto, que não podemos pontuar apenas uma causa para isso, logo, tentemos observar esse fenômeno sob diversos ângulos para chegarmos a uma conclusão. A primeira delas tem a ver com a nossa própria sociedade e o estilo de vida que se impregna em nossas atitudes ao longo da vida. Vivemos com pressa, achamos a lentidão uma forma de preguiça, condenamos os que pensam demais e exaltamos pessoas extremamente executivas. Em um mundo que busca uma hiper-produção no trabalho e que precisamos gerar montantes de dinheiro para sobreviver, a ação é cada vez mais necessária. Engana-se, porém, que a causa dessa ação é nobre e consciente, mas sim uma forma instintiva de sobreviver no mundo atual.

Frente a isso, costumamos dizer que o melhor funcionário é aquele que mais produz para sua empresa, assim como o melhor estudante é aquele que consegue dedicar muitas horas ao estudo. Criamos, desde a infância, essa relação entre o “melhor” ser aquele que mais ocupa seu tempo dedicado a uma função; e, talvez, por isso hoje achamos que é fundamental estarmos cada vez mais envolvidos em atividades, não é? O sentimento de que estamos desperdiçando tempo ao não nos ocuparmos acaba invadindo nossa mente sempre que estamos “desocupados”, o que nos leva a rapidamente preencher nossa agenda com novos compromissos.

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Imaginemos, só por um momento, se vivêssemos de acordo com a divisão platônica no tempo, em que somente seis horas deveriam ser dedicadas ao trabalho, outras seis para dormir, mais seis para os “divinos ócios” e as últimas seis para exercícios e a saúde física. Essa divisão justa do tempo abarcaria não somente o mundo do trabalho, mas também nos faria dedicar-se a outras atividades, próprias de nossas vocações, e a nos manter equilibrados à nível físico e mental. É evidente que essa divisão, se proposta para qualquer pessoa comum, a fará cair em gargalhadas e ela falará, provavelmente, que tal esquema nunca funcionaria, que a economia mundial entraria em colapso se as pessoas trabalhassem somente seis horas e que não há tempo a perder com ociosidade. 

“Não há tempo a perder” é justamente o problema que vivenciamos no mundo atual. Para entender essa frase é fundamental sabermos o que significa os “divinos ócios” de Platão. Hoje a palavra ócio é empregada de maneira superficial, sendo atrelada a simplesmente “não fazer nada”. Porém, os divinos ócios de Platão nada mais é do que dedicar-se às tarefas que enobrecem seu espírito, que permitem não somente degustar de um bom lazer, mas principalmente criar um canal de fortalecimento de ideias e fazer bom uso da razão. Sendo assim, dedicar-se a uma tarefa manual, ao estudo e à investigação de um tema que lhe apetece é o que o grande filósofo grego chamaria de “divinos ócios.” O problema está, portanto, no fato de termos perdido a capacidade de se conectar com nossa alma, nossa parte divina. Assim, o ócio transformou-se em uma série de vícios que nada engrandecem nossa percepção da realidade. Atuando de maneira contrária, o ócio que produzimos hoje acaba nos entregando a uma letargia que paralisa nossa capacidade criativa, nos deixando assim reféns dos nossos desejos mais fortes ao ponto de não querermos fazer mais nada, senão desfrutá-los.

Somando a percepção negativa de ócio com a mentalidade atual de estar sempre ativos, o resultado não poderia ser outro: criamos a doença de estar sempre ocupado. Pode parecer um termo estranho de ser usado, mas em síntese é exatamente isso: por não darmos espaço para “respirar” e viver profundamente a vida, atuando com consciência nas nossas áreas, mas somente empilhando uma série de compromissos em nossa agenda, acabamos por adoecer. Não estamos falando necessariamente de uma doença física – apesar das suas consequências também afetarem o nosso corpo -, mas principalmente em um sentido psicológico.

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Hoje, patologias psíquicas, como a síndrome de Burnout, são uma realidade para grande parte da população. Sentir-se esgotado em seus afazeres ao ponto de não conseguir mais produzir tem afetado a todos. Em algum grau é provável que todos nós tenhamos sentido um pouco dessa sensação. Chegar em casa sem energia, por exemplo, sem ser capaz de fazer tarefas básicas e desejar apenas descansar é um exemplo disso. Sentir-se culpado por não estar produzindo, mesmo nos momentos em que devemos estar descansando, é outro aspecto dessa síndrome.  Assim, podemos entender que colocar-se nessa posição de estar sempre ocupado, em geral dedicando mais horas ao mundo do trabalho do que qualquer outro aspecto da vida, pode nos levar à exaustão. 

Como podemos superar essa doença? Visto que o excesso de vida “fora”, voltada aos aspectos materiais e suas obrigações temporais, é a causa desse problema. Ao perceber isso, talvez possamos inverter o resultado dessa enfermidade ao dedicar mais tempo à nossa vida interior. Vida interior nada mais é do que a capacidade de viver as experiências da vida e refletir sobre elas, buscando assim um sentido profundo na vida. Dessa maneira é possível criar um “contra-ritmo”, ou seja, uma atividade que vai de encontro ao modus operandi no qual estamos mergulhados. Sintetizar suas experiências em um diário, por exemplo, pode ser um bom exercício para externalizar suas percepções, além de uma maneira objetiva de perceber como estamos pensando sobre os mais distintos elementos que nos circundam.

Outro bom exercício de vida interior é ter tempo para as pessoas que amamos. É importante valorizar tais momentos e gravar em nossa alma tais experiências, pois poderemos recorrer a estes sentimentos quando acharmos que estamos vazios internamente. Desse modo, não podemos deixar que Cronos, o grande titã do tempo da mitologia grega, nos devore, deixando-nos reféns do tempo. 

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Saibamos, portanto, lidar não somente com o tempo de forma técnica. Para isso existem diferentes estratégias; mas nenhuma delas, se usadas somente com esse intuito, resolverá o nosso dilema com o tempo. Nos manteremos ocupados com pensamentos negativos, emoções fugazes e hábitos ruins. Assim, não se trata somente de organizar melhor o tempo, mas priorizar o que realmente é válido daquilo que nos rouba energia. Sabendo discernir esses bons e maus “hábitos”, chamemos assim, poderemos nos libertar de Cronos e, talvez, nos sentir realizados com todos os aspectos da nossa vida. O trabalho, nessa nova forma de atuar, deixa de ser um martírio desgastante e passa a ser uma oportunidade diária de evolução. Desse modo, os ócios ganham lugar através de melhores hábitos, que nos elevem e revelem nossa verdadeira essência, nos dando cada vez mais força de atuar no mundo.

Por fim, nunca deixemos esquecer que na natureza há um tempo justo para cada coisa. Há o momento de nascer e o de morrer, o de ser ativo e também o de ser passivo. Dito isso, que saibamos encontrar o espaço e o tempo adequado para cada uma de nossas atividades.

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