Vivemos em um tempo em que a realidade se tornou maleável, moldada não por mãos humanas, mas por equações invisíveis que ajustam o mundo virtual. O que antes era o mundo da experiência direta agora se revela como uma sucessão de imagens, opiniões e impulsos cuidadosamente organizados em uma sequência interminável de rolagens para nos prender, se tornando um verdadeiro ciclo vicioso. Esse é o mundo dos algoritmos, entidades sem rosto, mas com poder suficiente para guiar a atenção, moldar nossas percepções e sugerir verdades que nos agradam, escondendo de nós tudo com o que não queremos nos deparar.

Frente a isso, se faz fundamental nos perguntarmos sobre o que é o algoritmo, essa entidade matemática que decide o que vemos e o que ignoramos. Primeiramente, ela não é apenas uma ferramenta de recomendação, que simplesmente nos ajuda a encontrar o que desejamos mais facilmente. No fundo, ela é como um espelho da nossa mente, pois com base em nossas escolhas e preferências acaba entendendo o que gostamos, decodifica nossas emoções e amplia nossas próprias tendências. Desse modo, cada curtida se converte em uma escolha, cada clique é um voto em um universo que se torna cada vez mais confortável e, paradoxalmente, mais aprisionador.
Poucos percebem que o algoritmo é, em certo sentido, um retrato do inconsciente coletivo digital. Ironicamente, ele não faz nada por sua própria vontade, é simplesmente um mecanismo que, quando compreendido, pode ser bem utilizado. Via de regra, o algoritmo observa, coleta, aprende e imita nossas decisões, otimizando assim nosso tempo de escolha. Se antes precisávamos pensar e refletir sobre o que estávamos consumindo, hoje o algoritmo acelera esse processo já decidindo o que nos dará mais dopamina. Ele não tem moral, nem propósito além daquilo que lhe foi atribuído: manter a atenção humana cativa.

Ao contrário do que se pensa, o algoritmo não “sabe” o que é verdade, muito menos entende sobre a beleza ou o bem. Ele apenas identifica padrões que nos mantêm conectados, sejam eles vídeos que semeiam ódio, humor, medo ou curiosidade. Ele não se importa se o conteúdo é profundo ou banal, honesto ou enganoso, pois seu propósito não é divulgar a verdade, mas sim garantir que estejamos cada vez mais presos à tela.
Infelizmente, nesse jogo, nós nos tornamos previsíveis. A cada gesto digital, desde o simples “like” até uma busca em algum site, desenhamos os contornos da nossa própria prisão. O algoritmo apenas constrói os muros a partir das pedras que lhe damos, nada mais que isso. Ironicamente, nós, que criamos a Inteligência Artificial, somos agora moldados por ela e por seus mecanismos.
Platão e as sombras do feed
O filósofo grego Platão, há mais de dois milênios, já havia refletido sobre um cenário parecido com o que estamos vivendo. No Livro VII da obra “A República”, Platão descreve a humanidade acorrentada dentro de uma caverna. As pessoas só veem sombras projetadas por objetos que passam diante de um fogo e tomam essas sombras por realidade.
Quando um dos prisioneiros consegue se libertar e ver o mundo real, compreende que tudo que estava vendo dentro da caverna é uma grande ilusão, ou seja, nada é real e a verdadeira realidade está fora daquele mecanismo. Ao retornar à caverna para contar o que viu e tentar ajudar os demais a se libertarem, é ridicularizado por aqueles que jamais viram a luz do Sol.
Os homens acorrentados, olhando sombras projetadas na parede, acreditavam ver o real quando, na realidade, só enxergavam aquilo que lhes era apresentado. Hoje, as sombras dançam nas telas luminosas dos nossos celulares e, tal qual prisioneiros, ficamos entretidos em seu jogo ilusório. As redes sociais são nossas cavernas contemporâneas; e os algoritmos, nossos amos da caverna. Frente a isso, o desafio que se impõe é educar o algoritmo e, sobretudo, educar a si mesmo para não cairmos na tentação de vivermos em uma bolha de ilusões e opiniões.

Essa metáfora descreve o destino do homem que busca a verdade em meio às aparências, mas também descreve, com assustadora precisão, o mecanismo das redes sociais. Cada feed é uma caverna personalizada, na qual as sombras são os conteúdos que o algoritmo projeta diante de nós, moldados a partir de nossas preferências. A luz do Sol, que no mito representa a sabedoria e a Verdade, raramente (para não dizer nunca) chega até ali.
O usuário, preso em sua bolha de conforto, acredita estar informado, conectado, participativo e sendo um agente ativo da vida pública; mas, na verdade, está vendo apenas o reflexo de suas próprias crenças e vivendo em uma bolha de opiniões que nunca vão de encontro com sua perspectiva. E quando alguém tenta mostrar-lhe algo que desafia sua visão, a reação é a mesma dos prisioneiros de Platão: negação, irritação, desprezo. E, em alguns casos, até mesmo a violência se torna uma maneira de calar quem tenta mostrar o “outro lado da moeda”.
Vivemos, portanto, em infinitas cavernas paralelas, cada uma iluminada por um fogo diferente, que alimenta cada vez mais os nossos desejos. O que Platão via como sombras projetadas por fogo hoje são recomendações alimentadas por dados. E o que antes era uma prisão “física”, dentro da lógica da caverna, agora é um cativeiro mental, em que nossa atenção não pode ser voltada para outro local a não ser para as redes sociais. As sombras modernas são coloridas, interativas e personalizadas. Elas se movem conforme nosso humor, nossas buscas e até nossos silêncios.
E para aqueles que acham que esse é um exagero, não duvidem: o algoritmo é paciente, ele aprende a partir da inércia. Cada rolagem de tela é uma escolha inconsciente e, como toda escolha, ela tem consequências. Ao recusar um vídeo, você ensina algo; ao assistir até o fim, ensina mais ainda. O resultado é um retrato digital da mente, uma versão calculada de quem você é, ou melhor, de quem o sistema acredita que você seja.
Nesse cenário, o perigo está quando começamos a acreditar nesse retrato. Começamos a confundir a persona digital com o eu real. E quando a mente se habitua ao reflexo, ela desaprende a olhar para fora da tela. Assim criamos realmente dois mundos: o que é real, objetivo e concreto; e aquele ilusório, virtual, no qual alimentamos uma persona, um personagem. Na vida real, por exemplo, podemos dar pouca importância para as artes, enquanto, no mundo virtual, nos mostramos como verdadeiros baluartes da alta cultura. Isso ocorre porque, ao começarmos a performar nesse sentido, o algoritmo nos alimenta desse desejo e nos faz acreditar que, de fato, somos algo que na vida real não é condizente.
Nesse sentido, o dano do algoritmo pode ser ainda mais complexo na psique humana: além de nos aprisionar nas escolhas que fazemos, ainda distorce nossa percepção de quem realmente somos, pois, no fundo, somos aquilo que fazemos, não o que pensamos que fazemos. É por isso que o verdadeiro campo de batalha não está somente nas redes sociais e no mecanismo de como elas funcionam, mas principalmente na compreensão de como a nossa mente pode estar sendo manipulada. Assim, devemos combater na nossa perspectiva mental o que ocorre objetivamente quando alimentamos o algoritmo com nossas escolhas.
A mente como campo de batalha em que devemos atuar
Não existe prisão mais eficiente do que aquela que o prisioneiro acredita ter escolhido. O algoritmo, nesse aspecto, é mais eficiente do que qualquer tirano ou sistema de poder, pois sua dominação não é impositiva, mas sim sedutora. Ele não proíbe nada de ser visto, só direciona nossa visão para aquilo que mais nos agrada e assim nos faz esquecer que há, de fato, um mundo inteiro a ser descoberto. Cada novo conteúdo que nos oferece é como uma centelha de dopamina que alimenta o circuito da recompensa e nos mantém conectados, alimentando-nos a conta-gotas. Consequentemente, o resultado é um condicionamento invisível, no qual a mente passa a buscar o prazer digital como quem procura o ar.
A dependência não é do dispositivo em si, mas do reconhecimento simbólico que ele proporciona. Quando postamos ou compartilhamos, buscamos aprovação daqueles que estão observando nossas redes. Desse modo, vamos validando opiniões a partir da quantidade de curtidas e compartilhamentos, mas isso nada tem a ver com a verdade do que estamos divulgando. Desse modo, acabamos presos a “verdades absolutas” conduzidas por nosso algoritmo, que, personalizado com nossas preferências, acaba apenas reforçando nossas opiniões, por mais distantes que sejam da realidade. Assim, as redes sociais se tornaram o palco onde todos querem ser vistos; e, para isso, precisamos dançar conforme o ritmo do algoritmo.
Somos, ao mesmo tempo, o artista e o público, o produto e o consumidor, o senhor e o servo. Um círculo perfeito de controle sutil e consentido. Como falamos, essa batalha não é apenas no mundo físico, não se trata de banir as redes sociais, mas de aprender como esse comportamento afeta nossa mente. A neurociência contemporânea explica o que Platão intuiu de forma metafórica: o prazer é uma corrente que nos aprisiona. Assim, sempre que o algoritmo trabalha para nos gerar esse prazer, seja de ter um compartilhamento ou curtida, ou quando assistimos uma opinião com que concordamos, acabamos entrando em um ciclo vicioso de difícil dissolução na mente.
Afirmamos que esse é um processo difícil de lidar porque em nosso cérebro o sistema dopaminérgico, que é responsável por nos motivar a partir do sistema de recompensa, é ativado não apenas pelo prazer obtido, mas, sobretudo, pela expectativa do prazer. É o “talvez” que vicia. A ansiedade, por exemplo, após postar algo e esperar para ver quem estará curtindo ou comentando aquela publicação, ou mesmo uma mensagem que mandamos e aguardamos a resposta, tudo isso ativa esse sistema e nos faz gostar de tais sensações.

O feed, que hoje funciona de maneira infinita, explora exatamente esse mecanismo. A cada rolagem, há a promessa de algo novo, algo melhor, algo surpreendente. O cérebro libera dopamina em antecipação, e o gesto se repete, compulsivamente, em busca de um contentamento que nunca se completa.
O filósofo Byung-Chul Han, um dos grandes pensadores do nosso século, chama isso de “sociedade do cansaço”: uma era em que o sujeito explora a si mesmo em busca de estímulo, até o esgotamento. É importante notar que a exploração, tema muitas vezes observado apenas do ponto de vista do mundo do trabalho, agora também é pautado pelo excesso de estímulos e daquilo que aparentemente nos dá prazer. Sim, cansamos de sentir prazer, pois, tal qual um vício, ao alimentá-lo de maneira descontrolada, vamos precisando de cada vez mais “doses” altas para nos satisfazer. Assim, cansamos ao buscar esse tipo de sensação que, a bem da verdade, nunca será alcançada.
O que podemos fazer para vencer esse ciclo que, ao que podemos perceber, parece infinito? Será que estamos reféns das redes sociais e desse mecanismo? Se por um lado é fato que vivemos, hoje, em uma economia baseada na captura da atenção, por outro já se nota que esse modelo de vida não é sustentável. Não por acaso, há uma série de recomendações, inclusive por parte de médicos, para limitar o tempo de exposição às telas e estimular uma maior convivência no mundo real.
Como grande parte dos trabalhos envolvem estar lidando com máquinas e também com o próprio algoritmo, adquirir hábitos saudáveis, e longe do mundo virtual, tem se tornado essencial, uma maneira de educar nossa mente a viver sem esse estímulo contínuo. Por isso, vamos ver algumas formas e caminhos para construir essa nova consciência no mundo digital e aprender a educar tanto nosso algoritmo como a nós mesmos, e também a vivermos em maior harmonia.
Caminhos para uma nova consciência digital
Voltemos para Platão, afinal, mesmo não tendo vivido em um mundo digital, seus ensinamentos são atemporais, e podemos extrair grande sabedoria de suas ideias. Assim, o filósofo grego dizia que a educação não consiste em “dar olhos à alma”, mas em mudar a direção do olhar. Essa ideia, um tanto quanto simples, pode ser a chave para o nosso entendimento. Se não podemos lutar contra o algoritmo, uma forma de construção tecnológica já estabelecida, devemos contornar a situação aprendendo a observar outros pontos de vista, novas maneiras de pensar e sentir.
Dito isso, se o algoritmo é, essencialmente, uma lente, ele não cria o mundo, apenas o mostra de um um ponto de vista, uma direção. Por que não aprendermos a mudar, de vez em quando, o modo como enxergamos as coisas? Educar o algoritmo é fazer o esforço consciente de buscar, procurar e consumir aquilo que, a priori, vai de encontro com nossas opiniões. Isso não deve ser feito de maneira banal e automática, mas realmente como um exercício de estudo comparado, colocando nossas ideias e valores à prova e também – por que não? – nos dando a chance de enxergar a vida a partir de uma nova perspectiva, mesmo que não a adotemos.

O modo como usamos a dinâmica das redes sociais determina o que o algoritmo entende como importante.Logo, ao mudar a direção do nosso olhar, ensinamos o próprio sistema a nos mostrar um outro mundo. Se só buscamos o imediato, ele nos dá pressa; se buscamos beleza, ele nos oferece arte; se buscamos reflexão, ele nos entrega profundidade. No fim, o algoritmo será moldado com base nas nossas escolhas, então se faz fundamental estarmos conscientes do que estamos escolhendo consumir. Para tanto, devemos ter uma postura ativa para não ficarmos reféns do automatismo digital, ou seja, do processo passivo de simplesmente rolar o feed e deixar que o algoritmo nos mande todo o conteúdo.
Treinar o algoritmo, portanto, é uma forma ativa de não ficarmos reféns de nossas sombras. Como sabemos, não há mudança exterior sem mudança interior, e isso é essencial para compreender que educar o algoritmo passa por educar a nós mesmos. Uma boa iniciativa é, por exemplo, perguntar a si mesmo a razão pela qual as redes sociais estão sugerindo algum tipo de conteúdo. Muitas vezes, podemos achar “aleatório” o que nos aparece nas redes sociais; porém, o fato é que tudo é baseado em dados, logo, sempre haverá uma justificativa para aquele conteúdo chegar até a sua tela.
Outro ponto a ter atenção é o excesso de informação. Sêneca, filósofo estoico do século I d.C., alertava que “quem lê tudo, nada aprende”. Esse belo conselho parece ter sido dado para qualquer pessoa do mundo atual; afinal, vivemos a era do excesso, seja de opiniões ou informações. Assim, não devemos alimentar a ânsia de querer estar sempre sabendo de todas as notícias, das novidades, pois, se assim o fizermos, nunca poderemos realmente dar atenção ao que é necessário.
A rede social – e o algoritmo – usa como base a novidade para nos manter estimulados, então é fundamental cuidar de nossa seletividade de informações e ideias para não nos afundarmos na ilusão de “sabermos tudo”, quando, no fundo, continuamos a não saber nada.
Assim como o corpo adoece por excesso de alimento, a mente adoece por excesso de informação. O que consumimos mentalmente molda nossa percepção da realidade. Frente a isso, é extremamente válido parar e se perguntar: o que este conteúdo desperta em mim? Expande ou estreita minha visão? Nutre minha alma ou apenas excita a curiosidade? Quando fazemos essas perguntas, transformamos o consumo do nosso feed em um ato consciente, e, aos poucos, o algoritmo aprende que não somos meros usuários passivos, mas que estamos selecionando o que vale a pena absorver.

Frente a isso, um dos gestos mais poderosos da educação digital é o de buscar o contraditório. Como já apontamos, o cérebro humano tende a evitar a dissonância cognitiva, ou seja, aquela sensação desconfortável de perceber que talvez estejamos errados. O algoritmo, percebendo isso, nos poupa do incômodo. Entretanto, para crescermos, do ponto de vista interior, é fundamental que exista o desconforto. Sendo assim, se faz quase obrigatório nos colocarmos em uma posição ativa de procurar aquilo com que não concordamos inicialmente. O que hoje chamamos de “sair da bolha” é, no fundo, uma forma de higiene mental que evita nossa alienação perante a vida. Permita-se o incômodo de não ter razão o tempo todo.
Para além das sombras
Para alguns, essa perspectiva pode parecer um tanto quanto utópica. Pode-se argumentar que, de uma maneira ou outra, sempre estaremos à mercê do algoritmo. Entretanto, mais uma vez podemos nos voltar ao mito contado por Platão para encontrarmos respostas para nosso tempo. Vale lembrar que, no mito, o prisioneiro volta para libertar os outros, e mesmo com a desconfiança da grande maioria, um dos prisioneiros começa a seguir seus passos e se liberta. O processo ocorre depois com outro e assim por diante, até que, finalmente, todos sejam libertos das amarras da ilusão e conheçam a sabedoria.
Essa é, talvez, a tarefa que cabe a nós agora. Quem compreende o funcionamento do algoritmo não deve apenas salvar a si mesmo, mas, por obrigação moral, ajudar aqueles que ainda não percebem o quão preso estão a essas amarras invisíveis; afinal, enquanto houver quem confunda sombra com realidade, o mundo continuará refém da ilusão. O futuro não será de quem dominar os algoritmos, mas de quem souber habitá-los com consciência, de quem conseguir usar a tecnologia sem perder a alma, de quem, mesmo cercado de luzes artificiais, ainda souber reconhecer o Sol.

Educar o algoritmo, no fim das contas, é uma metáfora da própria condição humana, pois é apenas educando a nós mesmos que poderemos revelar ao mundo nossa verdadeira natureza, que se esconde latente em nosso ser. A educação, em diferentes níveis e aspectos, é a ferramenta que podemos usar para construir e revelar ao cosmos nossa essência humana. Ao fazer isso, (re)descobrimos que o verdadeiro treinamento não é o do algoritmo, mas o da nossa própria mente.




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