No dia 2 de abril, comemora-se o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo. Essa data, além de marcar uma luta importante das pessoas que têm o Transtorno do Espectro Autista (TEA), também abre o “Abril azul”, o mês que dedicamos a pensar sobre o Autismo. A cor azul não é escolhida por acaso. Entre os vários motivos, pode-se destacar dois principais: o primeiro deles é o fato do azul ser uma cor que representa a calma e o equilíbrio, algo buscado com frequência pelas pessoas diagnosticadas com Autismo, visto que a hiperatividade pode ser um dos seus principais sintomas; um outro fator que levou à escolha da cor azul é o fato de o Transtorno do Espectro Autista ser mais frequente em homens do que em mulheres, chegando a ser duas a quatro vezes mais comuns no gênero masculino.
Como podemos perceber, existe um universo de informações que precisamos aprender sobre o TEA, logo, é fundamental compreendermos melhor o que é esse transtorno e acabar com alguns equívocos que cometemos, quando entramos em contato com pessoas autistas.
O primeiro, e talvez o mais terrível deles, é o próprio preconceito. Como bem sabemos, todo preconceito é fruto da ignorância acerca de algum assunto. Neste caso, por não entendermos o que é o Autismo, acabamos taxando essas pessoas com nomes pejorativos, diminuindo-as nos mais diferentes aspectos e, infelizmente, colocando-as à margem das nossas relações sociais. Por conta disso, não é raro vermos um isolamento proposital em torno dessas pessoas, visto que, na maioria das vezes, não conseguimos quebrar nossos julgamentos e tampouco nos esforçamos para acessar a realidade delas.
Assim, nos prendemos a ideias equivocadas ao considerarmos, por exemplo, que uma pessoa com Transtorno do Espectro Autista é alguém que possui uma doença. É importante deixarmos isto claro: Autismo não é uma doença. Por definição, chamamos de doença qualquer alteração biológica manifestada no corpo e que causa um mal. O Autismo, por sua vez, caracteriza-se por uma dificuldade psicológica em manter e criar relações/interações sociais, mas nada tem a ver com o desenvolvimento biológico. Assim, uma criança diagnosticada com TEA é fisicamente tão saudável quanto qualquer outra, sendo apenas diferente em aspectos neurológicos e cognitivos.
O termo adequado para quem possui Autismo, portanto, é de que essa pessoa apresenta um quadro neuro diverso, ou seja, que sua psique funciona de modo diferente do habitual. Isto, portanto, não se enquadra como doença. Por mais que ainda hoje, infelizmente, em alguns manuais de medicina, o TEA seja colocado como doença, devemos compreender que isso ainda é um resquício de um passado em que se compreendia esse quadro como uma enfermidade. Dito isso, é fundamental combatermos o preconceito desde o campo da medicina e psicologia até a maneira cotidiana com que essas pessoas são tratadas.
Para compreendermos de maneira didática essa questão, o curta “Boy in the woods” apresenta o cotidiano de uma criança com TEA e, através de um rico simbolismo, mostra como “funciona” a psique do jovem.
Produzido ao longo de quatro anos e lançado em 2020, a coprodução da “Fábrica do futuro” e a “Hype CG” nos transporta até uma pequena casa na floresta, na qual vivem um pai e um filho. O pai, que trabalha como lenhador, busca incessantemente a atenção do filho que mal nota sua presença. O garoto se entretém muito mais com seus blocos de madeira, esculpidos pelo seu pai, do que propriamente com o homem. Tentando interagir com o menino de diferentes maneiras, o lenhador se sente frustrado por não ser capaz, naquele momento, de entender o seu filho.
O curta segue mostrando a jornada do pai e do filho, porém, aborda a temática a partir da mente do garoto. A floresta tenebrosa em que o jovem entra e percorre ao longo do curta-metragem nada mais é do que o seu próprio mundo, perdido em pensamentos. As árvores que estão sendo retorcidas e fechando os caminhos, tanto para o garoto como também para o cervo que o acompanha (que nada mais é do que um símbolo do seu pai), representa esse isolamento no qual o autista tende a ter. Perdido em seu próprio mundo, as tentativas do pai em acessá-lo de “fora” para “dentro”, ou seja, expondo-lhe a situações e brinquedos diferentes, são pouco eficazes.
Neste sentido, é preciso destacarmos o papel fundamental que a família tem frente às pessoas com TEA. A ajuda de profissionais da saúde ajudam, certamente, a melhorar a qualidade de vida e a interação social dessas pessoas, mas tudo isso seria em vão sem o apoio familiar. Assim, pais e mães precisam criar um ambiente positivo para as crianças poderem se desenvolver. Para tanto, há algumas barreiras que precisam ser superadas. A primeira delas é a aceitação do transtorno, que em muitos casos pode ser uma árdua tarefa. Há pais que, mesmo com o diagnóstico atestando a presença do espectro autista, recusa-se a “aceitar” os fatos, dificultando assim o início e o desenvolvimento dos tratamentos.
Quanto a essa questão, atualmente, o diagnóstico referente ao TEA enquadra-se em três níveis de Autismo, indo do mais leve ao mais acentuado. Desse modo, pessoas com TEA nível 1, por exemplo, são autônomas em grande parte de suas vidas. Por isso é comum que esse grau de Autismo seja detectado apenas na fase adulta, pois é visto como apenas uma peculiaridade da personalidade do indivíduo, mas que não se caracterizaria como um transtorno.
Já no nível 2, as características sociais do Autismo se tornam evidentes. É preciso de um apoio para desenvolver a socialização, além de dificuldade na aprendizagem e uma série de problemas de cunho social. A própria dificuldade em falar, muitas vezes, estimulada no primeiro ano de vida, é um sinal claro de que a criança pode ter TEA.
O nível 3, por sua vez, é o mais severo dos graus de TEA. Nele, a criança enfrenta uma barreira social imensa, com dificuldade de se expressar, socializar e aprender. É fundamental ter um mediador nestes casos, pois é comum não conseguirem falar. Há, ainda, uma forte tendência ao isolamento social e fazerem apenas o que lhes interessa, ignorando tudo que não fizer parte do seu mundo.
Visto isso, é crucial, tanto para os pais como para a criança, ter o diagnóstico mais precoce possível. O contrário disso, ou seja, o diagnóstico tardio, geralmente ocorre como um reflexo dessa rejeição ao transtorno, sendo assim um elemento que dificulta a eficácia das terapias, nas quais as pessoas com TEA podem se beneficiar. Portanto, não basta apenas realizar os tratamentos adequados, mas buscar manter o ambiente familiar o mais afetivo possível. Fica claro, portanto, que apesar de terem o seu próprio “mundo”, o autista jamais deverá se sentir só, pois uma rede de apoio é essencial na caminhada dessas pessoas, afinal, toda criança, sendo como for, precisa do Amor dos seus pais e irmãos para construir-se enquanto indivíduo.
De volta ao curta-metragem, a resposta que o pai encontra para acessar o mundo do filho é justamente através da aceitação. Quando o lenhador deixa suas estratégias de lado e passa a brincar com o garoto com aquilo que lhe faz bem, ele consegue ajudá-lo a sair da tenebrosa floresta em que se encontrava, e a vida passa a ser iluminada. Finalmente, ele nota o pai tal qual como ele é, não mais como um cervo que o leva em suas costas, mas um amoroso protetor que fará de tudo pela sua Felicidade.
Dessa maneira, o aspecto humano, como sempre, é uma peça fundamental na relação com pessoas com TEA. Infelizmente, se olharmos para o passado da nossa sociedade, perceberemos que muitas vezes fomos injustos com pessoas que apresentavam características diferentes do “comum”. Bem sabemos que nossa tendência à padronização, desde regras sociais até o comportamento das pessoas, acabam por excluir todos aqueles que não se enquadram nesses esquemas. Assim, os relegamos à margem da sociedade, colocando-os fora de nossos círculos de convivência, dos nossos afetos e da nossa atenção. Essa foi, e continua sendo, uma atitude errada. Por isso é preciso ter dias como o 02 de abril, para relembrarmos a sociedade que o valor humano, independente das condições e formas que se apresentam, deve ser absoluto e irrestrito.
Portanto, que possamos integrar de maneira sincera os que, por convenção, são chamados de “diferentes”. Se assim o fizermos, poderemos perceber que o mistério da vida continua a nos ensinar, dia após dia, as mais distintas lições que, no fundo, é apenas uma só: que o Amor é a lei universal, capaz de unir todos os seres em torno de uma unidade e que nada, nem ninguém, está fora dessa realidade.