Ben-Hur é um clássico do cinema. Baseado no romance épico de Lew Wallace, lançado em 1880, o filme relata a história fictícia de um príncipe judeu chamado Judah Ben-Hur em Jerusalém, no início do século I. Filmado pela primeira vez em 1959, agora a saga do príncipe ganhou novos ares com um longa-metragem moderno, atualizando uma história que desde o seu nascimento já se mostrava como um clássico, tanto da literatura como do cinema.
A narrativa tem como contexto a invasão da Judeia por parte do Império Romano e as diversas tentativas de libertação da população frente aos seus conquistadores. Como sabemos, a política expansionista do Império Romano colocou sob sua égide centenas de povos com costumes, línguas e crenças distintas. Administrar tanta diversidade de pensamento e culturas não era uma tarefa simples e, por vezes, na tentativa de construir um império homogêneo, os romanos foram vistos como verdadeiros carrascos destas populações.
Frente a esse cenário, a história de Ben-Hur muda completamente quando, em uma das passagens das legiões romanas pela cidade, Judah reencontra o seu meio-irmão e amigo de infância, Messala, que se tornara um oficial do exército romano. Um desentendimento entre ambos, devido a visões políticas divergentes sobre a Judeia, fez com que Messala o prendesse e o condenasse injustamente, sob a falsa acusação de traição ao governo romano.
Ben-Hur e a saga para retomar sua vida
Um dos pontos marcantes do filme está na trajetória de Ben-Hur para conseguir reparar os danos que a acusação lhe trouxe. Devido a esse “crime”, o personagem judeu acaba perdendo sua liberdade, seus bens materiais e até mesmo seus títulos, entretanto, de todas as perdas, a decepção e frustração diante da atitude covarde do seu meio-irmão é a que mais amarga o seu peito. De fato, sentir-se traído por um parente querido é uma das maiores dores que podemos sofrer, mesmo que não seja uma dor física. Além disso, Ben Hur acaba condenado a se tornar um escravo, o posto mais baixo na estrutura social romana.
À medida que o tempo passa, a decepção dá lugar ao desejo intenso de vingança, o único motivo pelo qual queria viver. Assim, nos anos que seguem a sua prisão, Judah se transforma num guerreiro solitário, forte e corajoso, porém, em seu coração cresce um sentimento de cólera inquebrantável contra o comandante romano, não lembrando em nada o príncipe bondoso e pacífico que fora em outrora.
Nesse ponto da história, é importante fazermos uma reflexão acerca da vingança. Como sabemos, não nos faltam ditados populares acerca desse tema e até mesmo obras clássicas que versem sobre esse tema. O jovem Hamlet, por exemplo, é uma prova de como a vingança leva os mais virtuosos seres para a ruína, pois toda a beleza humana é roubada quando colocada nessa condição.
Ainda assim, o sentimento de vingança nasce por uma busca por justiça. Quem busca se vingar, porém, não consegue enxergar a justiça em seu aspecto elevado e a entende apenas como uma forma de fazer mal à quem fez mal. Assim, geralmente a vingança mergulha sua face na antiga lei do talião, na qual versa o famoso “olho por olho, dente por dente.”
A vingança, portanto, não visa a justiça em seu sentido verdadeiro, mas é uma forma de castigar quem cometeu um crime, muitas vezes utilizando os mesmos meios. Logo, quando ocorre uma vingança, não se faz justiça, mas somente um novo crime com novas vítimas e novos criminosos. O que leva o ser humano a esse ponto? Sem dúvida a má condução de suas emoções que nublam a razão e o levam às maiores atrocidades. A transformação de Ben-Hur, nesse ponto, é um exemplo didático de como a vingança pode nos roubar o melhor de nós mesmos em detrimento de um desejo visceral.
A forma como o filme aborda a relação de Judah e Messala, expressa com riqueza de detalhes as dificuldades e limitações humanas diante de nossos elementos psíquicos, que sutilmente comandam nossa vida e determinam nossas ações. Messala é o personagem que expressa até onde vai a fraqueza e covardia humana e como isso pode prejudicar a vida das pessoas que nos cercam. Por outro lado, Ben-Hur nos ajuda a refletir sobre o perigo que é conduzir nossas vidas por sentimentos negativos que nos lembram dores e nos aprisionam a um estado psicológico de tristeza e angústias, impossibilitando nossa verdadeira condição humana.
Ben-Hur e Jesus Cristo
Dentre os vários pontos da trama que podem ser ressaltados, encontra-se a passagem da crucificação de Jesus. Um pano de fundo que nos traz riquíssimos elementos para refletirmos sobre a postura do injustiçado Judah diante da adversidade em que se encontrava. E é aqui que se faz um grande paralelo entre as jornadas de vida de Ben-Hur e o destino de Jesus, também condenado injustamente. Mas, ao contrário de Judah, Jesus atravessava o seu destino movido por um sentimento profundo de amor e compaixão, e não de vingança. Sendo esse, um dos pontos mais emocionantes do filme.
Vale ressaltar que não nos emocionamos apenas por conhecermos a história de Jesus e sua importância, mas sim por reconhecermos o valor do amor e do perdão. Quando cometemos um erro com outra pessoa, geralmente buscamos nos retratar e pedimos pelo perdão de quem ferimos, porém, o perdão só ajuda quem foi injustiçado. Para quem cometeu a injustiça é necessário mais que perdão, a redenção. O perdão pode nos ser dado, mas a redenção é uma conquista individual, uma forma de redimir-se dos nossos erros corrigindo a nós mesmos e jamais voltando a errar.
Assim, podemos pensar que estamos nos redimindo com alguém quando, por exemplo, deixamos de ter a atitude que a magoou inicialmente, corrigindo nossas palavras, nossas formas de se expressar etc. A redenção é uma atitude ativa e só a busca quem enxerga o valor dos laços que foram fragilizados devido a uma má ação.
Voltando ao personagem principal do filme, Ben-Hur, firme no seu propósito de vingança, viu nas corridas de bigas uma oportunidade de massacrar Messala na arena romana. Assim, se prepara para enfrentar e vencer o seu oponente, mas, ao final, acaba por perdoar o seu melhor amigo de infância, trazendo com isso a redenção não só para si, mas também para todos à sua volta.
O corte entre cenas da crucificação de Jesus e o perdão simbólico dado aos seus algozes foi compreendido por Judah ao pé da cruz de Cristo e possibilitou a sua libertação do ódio e dos rancores do passado, fazendo-o alcançar o perdão e a reconciliação entre ele e Messala. É óbvio que, apesar de todo o sofrimento sentido, de nada adiantaria ao príncipe Judah ter a sua liberdade física e não ter a liberdade de sua Alma.
A Sabedoria antiga afirma que a melhor forma de redenção é através da ação. Uma ação consciente, intencional, no intuito de amenizar o erro cometido, de tentar um novo começo. Ben-Hur nos ensina sobre este espírito de Redenção, e o quão difícil é agir da forma correta. Esta história mostra que a ação do outro sobre nós não deve definir o que podemos ser. Sendo o perdão visto como uma das atitudes mais nobres que podemos realizar, como um machado de duplo fio, ele cura não só fora, mas cura, principalmente, dentro. E nos possibilita continuar a caminhada humana sem os pesos das amarguras e mágoas do passado.