Todo o Universo é regido por leis. Disso já sabemos, mas será que conhecemos profundamente essas leis? Um pensamento ainda mais profundo pode invadir nossa mente quando começamos a refletir sobre esse assunto: se o cosmos é organizado por tais leis, será que elas também regem a nossa vida? A resposta para tal pergunta é, em síntese, sim!
É a partir dessa afirmação que nasce um problema para os seres humanos: se somos regidos por leis, devemos conhecê-las para entender não somente o seu funcionamento, mas como podemos nos adequar a elas. A bem da verdade, há algumas destas leis que são visíveis em nosso dia a dia, e por isso nos adequamos de forma quase automática às suas nuances. As leis de Newton, por exemplo, são perfeitas para o que desejamos explicar. Desde cedo, mesmo sem um conhecimento teórico, podemos conhecer e nos adequar à gravidade. Sabemos, igualmente, que dois corpos não ocupam o mesmo espaço e por isso jamais tentamos atravessar paredes. A vivência destas leis é tão óbvia que aprendemos com elas constantemente, logo, é relativamente simples de segui-las e perceber que todos os seres sofrem suas influências.
Por outro lado, essas leis não são as únicas que estão atuando ao nosso redor. Há, na verdade, um número indefinido de forças que nem mesmo podemos elencar (pois não conhecemos todas as leis), mas que estão nos influenciando nesse exato momento. Há, porém, leis conhecidas pela física que, até então, só achamos que atuam de forma mecânica no Universo e que nada tem a ver conosco. Porém, como veremos na indicação deste texto, mostra-se evidente que, direta ou indiretamente, tais leis estão sempre guiando nossa forma de viver.
Estamos falando das leis da termodinâmica. Você já ouviu falar delas? Certamente, lembraremos das nossas aulas de física do ensino médio, mas é possível que não recordemos com exatidão quais são essas leis e o que, de fato, elas têm em sintonia com nossa vida cotidiana. Mas não precisamos nos preocupar, pois o filme que indicaremos consegue transmitir de forma didática a relação entre essas complexas leis da física e a nossa vida comum. Vamos conhecê-las?
Antes de falarmos das leis em si, deixaremos abaixo o link cômico filme que pode ser encontrado na Netflix. “As leis da termodinâmica” conta, em síntese, a aventura romântica de um casal improvável. Enquanto um é físico, que usa as famosas leis para explicar sua dinâmica social, a contraparte do casal é uma modelo de sucesso que pouco conhece acerca destas difíceis formulações. A grande “sacada” do filme está justamente no alinhamento da narrativa com as fases da termodinâmica, mais precisamente as três primeiras leis gerais. Assim, acompanhamos vividamente a divertida história do casal até seu desfecho.
Dito isso, é importante refletirmos sobre a origem do filme: as leis da termodinâmica. De maneira geral, as leis da termodinâmica são um conjunto de princípios fundamentais que regem o comportamento da energia e da matéria em sistemas termodinâmicos. Para simplificarmos, entende-se por “sistemas termodinâmicos” qualquer conjunto limitado em que há matéria e energia. Assim, as leis da termodinâmica existem para entender a lógica por trás da troca de energia e a relação que existe entre os diferentes tipos de matéria. Elas são a base para o estudo e a compreensão de processos físicos, especialmente aqueles relacionados ao calor, trabalho, energia e transformações termodinâmicas.
Existem, basicamente, três leis principais quando falamos de termodinâmica. A primeira delas, também conhecida como “lei da conservação de energia”, foi desenvolvida ainda no século XIX por James Prescott Joule. O físico britânico percebeu, graças aos diferentes estudos estimulados pela revolução industrial, que em um sistema isolado a energia não pode ser criada e nem destruída, e busca-se assim um equilíbrio térmico.
Pense, por exemplo, em uma sala de aula hermeticamente fechada e com um ar-condicionado ligado. Imaginemos que haja cerca de 20 pessoas nessa sala, com temperatura corporal de 36,5°C e que esta seja, igualmente, a temperatura ambiente da sala antes de ligarmos o ar-condicionado. Ao ligarmos o ar-condicionado em uma temperatura de 18°C, por exemplo, o que ocorrerá? A sala naturalmente irá resfriar até a temperatura da sala atingir o valor informado ao aparelho. Assim, ao chegar aos 18°C, a função do ar-condicionado será apenas de manter essa temperatura. Agora, imagine que o ar-condicionado seja desligado e a sala continue fechada com 20 pessoas. O que ocorrerá? O calor produzido por nossos corpos irá aumentar a temperatura da sala até chegar a um ponto de equilíbrio. Assim, conserva-se a energia do ambiente, uma vez que a troca de calor seguirá até que a temperatura de todos estejam iguais.
No filme, essa lei é demonstrada de forma divertida a partir da atração de Manel por Elena. Enquanto a modelo é como se fosse, simbolicamente, um “Sol”, o qual emana energia e calor para o sistema, Manel naturalmente é atraído por tais atributos e ambos passam a buscar o equilíbrio térmico ao começar a relação. Assim, mostra-se a dificuldade na convivência, em harmonizar mundos tão diferentes e como, em prol da relação, cada um dá o seu melhor para conseguir conservar em equilíbrio os diferentes aspectos que envolvem a relação. A grande magia do filme está justamente em conseguir transmitir essa ideia através de cenas banais, situações corriqueiras por que todos nós passamos, o que gera não somente o bom humor, mas também a identificação com a mensagem do filme. Podemos afirmar, então, que o longa-metragem tem êxito em aproximar as leis da termodinâmica ao espectador de forma tão didática que não parece, a priori, algo tão complexo e importante em nosso Universo.
Já a segunda lei da termodinâmica busca um ponto de vista que até mesmo na mitologia podemos encontrar: a entropia. De acordo com essa lei, os processos naturais tendem a seguir na direção em que a entropia total do Universo aumenta. Embora um sistema individual possa experimentar uma diminuição temporária da entropia (por exemplo, durante uma reação química específica), a entropia do ambiente circundante aumenta o suficiente para garantir o cumprimento da segunda lei em termos do Universo como um todo.
Para entendermos melhor essa ideia, precisamos saber o que é entropia. Podemos resumir a entropia como o nível de desorganização de um sistema. À medida que um sistema segue os seus processos termodinâmicos, ocorre a desorganização dessa energia, o que leva ao caos. Assim, é necessária uma nova força para manter o sistema, mesmo o mais organizado deles, em perfeita harmonia.
Na mitologia grega, por exemplo, fala-se que o cosmos – que nada mais é que a organização – só pode ser gerado a partir do caos. Este, por sua vez, sempre busca expressar-se, mas é graças à organização do Universo e suas leis que a ordem permanece estabelecida. A entropia pode ser vista na nossa vida prática em diferentes momentos: desde quando lavamos uma louça e, em pouco tempo, já a sujamos novamente, até a manutenção de qualquer objeto ou local. Assim, a tendência ao caos só pode ser combatida pela inteligência organizativa, que garante a manutenção da ordem em seus mais distintos patamares.
Dentro das leis da termodinâmica, a entropia é uma constante que sempre tende a vencer a organização do sistema. Assim, de forma até certo ponto pessimista, pode-se pensar que, no final das contas, tudo tende a se desorganizar ou, como podemos pensar, acabar. De fato, essa é uma realidade, uma vez que vivemos em um espaço-tempo finito, ou seja, em que nada durará para sempre. Porém, não percamos a nossa esperança, pois há ainda a terceira lei da termodinâmica.
No filme essa lei representa justamente os momentos de tensão do equilíbrio do casal. Em que naturalmente as diferenças vão surgindo e passam a ganhar mais força do que os momentos de união. Assim, a relação que antes era “perfeita” e harmônica começa a “esfriar” e toma como referenciais a crítica e o julgamento. Assim, Mandel começa a ver problema no trabalho de Elena, enquanto a modelo percebe que o físico revela-se um grande ciumento. Essas diferenças começam a ganhar corpo e como uma pequena erva daninha, cresce no jardim da relação silenciosamente até destruir todo o solo. Mais uma vez o longa consegue transformar equações e leis fundamentais em algo didático, mostrando como os indivíduos dentro de um sistema, nesse caso a relação amorosa, vão se afastando e perdendo energia. A entropia, portanto, tende a nos afastar e ganha força com o tempo. Assim, Manel e Elena passam a viver quase como estranhos um ao lado do outro. Será que é possível ainda reverter essa situação?
Vejamos se a terceira lei da termodinâmica pode ajudar o casal. A terceira lei da termodinâmica, também conhecida como Lei de Nernst, estabelece que a entropia de um sistema perfeito é igual a zero na temperatura de zero absoluto. Isso implica que à medida que um sistema se aproxima do zero absoluto, sua entropia também se aproxima de zero. O zero absoluto, por sua vez, é a menor temperatura encontrada na natureza, precisamente -273°C. Nesse sentido, à medida que o calor/energia de um sistema diminui, sua entropia também irá diminuir.
Para muitos, essa pode ser a interpretação de que quando a atividade acaba, o movimento de um sistema, ele está “morto”, e por isso não há mais entropia. Porém, podemos imaginar que a falta de agitação (nesse sentido, o calor) pode significar o apaziguamento das paixões, a famosa ataraxia dos estoicos, que faz com que a perturbação fora de si, no mundo externo, não entre para o mundo interno, que permanece inalterável. Assim, o fim do caos (ou da entropia) só é possível num perfeito estado de concentração e consciência de si, no qual as paixões não abalam a estrutura de todo o sistema.
Não queremos dar spoiler do filme, portanto, não falaremos do seu desfecho. Porém, é interessante notarmos que quando a energia da paixão se esvai, somente o amor poderá sustentar esse equilíbrio por um tempo prolongado, até mesmo infinito. A morte de um sistema ao chegar ao zero absoluto é a prova de que o amor não conseguiu superar a entropia e, desse modo, ficamos reféns de uma relação sem vida.
Essa ideia pode parecer um tanto quanto teórica, mas quando observada a partir da ótica da paixão e do amor, como apontamos acima, passa a fazer sentido a sua aplicação em nossas relações. O amor, em seu sentido mais puro, por já ser o que é, não se abala ou enfraquece com o tempo. Permanece imóvel e inalterado, pois o amante segue a amar o ser amado. Já as paixões, em seu sentido mais objetivo, é marcada pelas oscilações, pela intranquilidade e pela instabilidade. Por exemplo, em um momento, sentimos que encontramos o amor de nossas vidas; e, em outro, podemos renegar essa mesma pessoa ao limbo. Assim, a paixão está refém dos acontecimentos externos, logo, totalmente à mercê da entropia, enquanto o amor é o fim do caos, é o estado em que podemos encontrar a harmonia perfeita.
Visto essas ideias, podemos perceber, e encarar, as leis da termodinâmica aplicadas em nossa vida e, como faz brilhantemente o filme, em nossas relações interpessoais. Podemos, portanto, encontrar um significado prático e cotidiano para um assunto que, apesar de estar totalmente regendo nossa vida, ainda é visto de forma particular e teórica.
Que saibamos aproveitar cada momento da termodinâmica e aprender a se relacionar cada vez mais profundamente com essas leis que regem o cosmos, o caos e todos nós.