Nova logo Portal Feedobem

O Mito da Fundação de Roma

Uma das civilizações da antiguidade que mais nos legou aspectos culturais foram os romanos. Desde o nosso idioma, que tem sua raiz no latim, até nossa religião, estão ligados à cultura romana, que iniciou sua existência há mais de 2500 anos atrás. Podemos não perceber, mas ainda hoje traços da mentalidade romana permeiam nosso cotidiano, exercendo sua presença de maneira quase imperceptível, mas muito ativa em nossa sociedade.

Apesar de tudo que herdamos dessa civilização, pouco sabemos sobre ela. Em verdade, ainda hoje preservamos falsas ideias acerca dos romanos como, por exemplo, acharmos que a cultura romana é exatamente igual à grega. Um dos aspectos que mais chamam atenção dos pesquisadores se trata da fundação de Roma, uma vez que essa história mistura aspectos míticos e relatos historicamente mais precisos. 

Para entendermos as origens da cidade de Roma precisamos voltar um pouco no tempo e irmos até a lendária Guerra de Tróia. O conflito entre Gregos e Troianos já durava dez anos e não havia perspectiva de que houvesse algum vencedor. Até que Ulisses, utilizando sua ardilosa inteligência, criou uma tática que marcaria toda a guerra: o cavalo de Tróia. Ao enganar os Troianos, fingindo o cavalo ser um presente, as tropas gregas conseguem entrar na cidade e atacar de surpresa a lendária cidade de Tróia. É exatamente nesse momento que começa a nossa história.

Durante a destruição de Tróia, quando a cidade já não pode ser salva, um dos principais heróis da cidade da Ásia Menor recebe um chamado da Deusa Vênus, também conhecida como Afrodite: a Deusa, que também era mãe desse herói, o manda desistir de proteger Tróia, pois a cidade não teria salvação. Ao invés de defendê-la, o SemiDeus deveria resgatar o maior número de pessoas e levar os sobreviventes a uma nova terra para que assim uma “nova Tróia” pudesse surgir.

Daí começa a saga de Eneias, o herói que fundou as bases da Civilização Romana. Antes de continuarmos sobre a sua história, devemos entender algumas coisas sobre o nosso herói. Eneias era filho de Anquises, o rei da Dardânia, uma cidade aliada à Tróia durante a guerra contra os gregos. Apesar de serem cidades distintas, os Dardânianos e Troianos descendiam da mesma linhagem, por isso Eneias era considerado também um descendente de Tróia.  Além disso, Eneias não era apenas um príncipe qualquer. Anquises o gerou a partir de uma relação com Vênus, a Deusa do Amor. Portanto, tal qual Hércules, Aquiles e Teseu, Eneias era um SemiDeus. Essa condição, porém, iria ser provada ao longo de sua jornada. 

Após diversos problemas, Eneias precisa carregar seu pai nas costas e, ao mesmo tempo, segurar seu filho e guiá-lo para a saída da cidade. Em sua cintura, segundo o mito, ele carregava a espada de Tróia, a arma mais letal que existia naquela cidade. Eneias ainda levava consigo a memória dos ancestrais Troianos, estatuetas que representavam essa tradição e conhecimento que habitava em Tróia. Munido de todos esses elementos, ele embarca em navios junto com centenas de homens e mulheres e lança-se sobre o Mar Mediterrâneo em sua jornada.

Aqui temos um momento interessante para refletirmos sobre o mito. Como bem sabemos, não devemos analisar uma história mitológica de maneira literal, ou seja, levando tudo “ao pé da letra”. Mais eficiente que esse modo de análise é buscarmos enxergar os símbolos e ideias que estão contidas nessas histórias. No caso do mito de Eneias, o fato dele carregar seu pai nas costas e segurar na mão de seu filho para indicar o caminho é um símbolo acerca do tempo: o presente, que seria Eneias, carrega consigo o passado, seu ponto de formação e conhecimento, enquanto constrói o caminho para o futuro, indicando para onde quer ir. Essa passagem, portanto, nos mostra como é fundamental sabermos lidar com o passado e o futuro, pois não podemos rejeitar nenhum dos dois, e sim devemos saber a melhor maneira de harmonizá-los com o que somos hoje.

Analisando nossas vidas, por exemplo, é provável que tenhamos uma meta do que queremos ser daqui há cinco, dez ou vinte anos. Esse é o nosso futuro, cheio de possibilidades e caminhos a trilhar. Do mesmo modo, o que somos hoje, no presente, é resultado de nossas escolhas no passado, o que nos torna eternamente ligados ao que fomos. Por isso o carregamos em nossas costas, mas não como um peso, e sim com um sentimento de Gratidão e Amor pelo que aprendemos, tal qual o Amor de um filho para com seu pai.  

Assim, nossa relação com o passado e com o futuro deve ser harmônica e natural, pois todos esses momentos cronológicos estarão eternamente ligados: só conheceremos o nosso futuro se construirmos hoje suas bases, assim como no passado plantamos o que estamos colhendo no presente.

Seguindo com o mito, ao longo da sua jornada Eneias enfrenta diversos perigos. Entretanto, uma das provas mais marcantes ao longo do seu caminho ocorre em Cartago, a antiga cidade do norte da África. Ao chegar nas praias da cidade, Eneias desembarca com sua tripulação para tentar abastecer os seus suprimentos. Durante esse processo ele é levado até a imperatriz de Cartago, Dido, e é obrigado a contar sua história. Dido, por sua vez, ao escutar os perigos e desafios encarados pelo Tróiano acaba por apaixonar-se por ele. Eneias também corresponde a essa paixão, prometendo casar-se com Dido e morar em Cartago.

Nesse momento o nosso herói esquece de sua missão Divina, de fundar uma nova cidade de Tróia, e se entrega à paixão. Mais uma vez, como na maioria das histórias, uma intervenção dos Deuses era necessária para fazer Eneias voltar ao seu caminho. Assim, o Deus Mercúrio, também conhecido como Hermes, vai até o encontro do SemiDeus e o convence de que sua missão é mais importante do que seus desejos pessoais, pois a vida de milhares de pessoas, tanto as que estavam com ele e as futuras gerações de romanos, dependiam da sua ação. 

Sentindo o dever e a responsabilidade em seu coração, Eneias deixa Dido no altar e embarca para seguir sua viagem. Ele opta por cumprir o seu destino, ao qual estava entrelaçado com o destino de toda uma civilização, abrindo mão da sua amada. Essa é, de fato, uma cena um tanto quanto dramática, mas podemos resgatar ideias importantes a respeito da postura de Eneias.

A primeira dessas ideias é bem conhecida entre nós: esquecemos do nosso Dever. Seja algo simples ou mesmo uma demanda complexa, tendemos a buscar brechas para não realizar aquilo que nos compete. A procrastinação, por exemplo, é uma maneira de evitarmos os nossos compromissos. Tal como Eneias, começamos a “negociar” conosco, nos convencendo de que, afinal, o nosso dever não é “importante” ou que tanto faz se ele for realizado ou não.

Nesses momentos a ideia de Hermes, que é o Deus da comunicação entre os Seres Divinos e os mortais, se faz fundamental. O Deus representa o símbolo do nosso aspecto superior, que está a todo momento buscando se manifestar e nos lembrar de quem somos e qual nossa finalidade nessa existência. Hermes consegue colocar Eneias de volta no seu destino, trazendo consciência e iluminando seu caminho. Do mesmo modo, quando estamos conscientes do nosso Dever, do que é necessário para cumprí-lo e sua importância, não há nada que possa nos parar.

Apesar da separação do casal ser um momento triste, ainda mais para quem gosta de finais românticos, essa é uma separação necessária, uma vez que representa o sacrifício do seu prazer em prol do Bem comum. Raramente, nos dias atuais, pensamos que isso pode ser uma atitude comum. Estamos imersos em uma sociedade que busca, cada vez mais, a individualidade a partir do egoísmo, ou seja, “eu quero tudo para mim e não divido com o outro”. Essa forma de vida torna difícil aceitarmos que outras pessoas podem se sacrificar por uma causa maior, tal qual Eneias fez. Cabe a nós decidirmos, portanto, se seremos assim também. 

O mito segue e Eneias continua passando por diversas provas. Ele desce até o Hades, o mundo dos mortos, para encontrar seu pai, que morreu durante a jornada. Anquises o aconselha e mostra a necessidade de Eneias cumprir com seu destino, pois todas as gerações de romanos dependiam disso para poderem vir ao mundo e cumprirem com suas missões. Esse é um momento interessante no mito, pois Eneias passa a ser visto como um romano e não mais como um Tróiano, ou seja, ele superou suas provas e assumiu sua nova Identidade. Por causa disso, Eneias é também chamado como “O primeiro dos romanos” e se tornou um exemplo de vida para o seu povo.

O destino o leva, finalmente, às terras da península itálica, também chamada de Lácio. Ao chegar nesse novo território, porém, Eneias precisa provar que é merecedor do espaço que futuramente seria Roma. Ele trava algumas batalhas com os Rútulos, um dos povos que habitavam a região. Com a ajuda de outros povos, como os Latinos, Eneias supera suas provas e vence Turno, o principal guerreiro das tropas Rútulas. 

Entretanto, Eneias não conseguiu esse feito sozinho. Agora que era considerado um romano, ele não poderia usar as armas vindas de Tróia. Sendo assim, Vênus, tal qual uma boa e generosa mãe, pede ao seu esposo, Vulcano, para construir novas armas para o seu filho. Vulcano produz então uma nova espada, uma lança, um elmo, uma armadura e um escudo, equipando com diversas armas mágicas o SemiDeus. 

O Divino, portanto, nunca abandonou Eneias em sua jornada. Graças a esse aspecto superior, advindo das divindades da natureza, o nosso herói pôde superar obstáculos e vencer seus adversários. Podemos traduzir essa ideia Divina como a Sabedoria, pois é ela quem nos mostra o melhor caminho, ou seja, nos garante o Discernimento em nossas escolhas. Um sábio é, afinal, aquele que consegue guiar suas escolhas a partir do melhor caminho para sua evolução. Isso não significa ser o caminho mais fácil ou cômodo, mas sim o que nos proporcionará uma realização de Alma, que o tempo não é capaz de nos tirar.

Pensando nisso, o mito de Eneias pode nos inspirar de diversas formas, tal qual no passado inspirou toda a civilização romana. Suas principais características, a Dignidade, o exemplo e o Dever, por exemplo, são virtudes essenciais em nossa vida. Devemos ser dignos de sermos quem somos, seres com a possibilidade de agir como sábios ou como ignorantes, como Deuses ou animais. Isso só é possível quando paramos para pensar em nossas escolhas e nos perguntarmos: estou deixando de cumprir meu dever por causa de um instinto?

Colocando em exemplos práticos, pensemos no momento em que estamos com preguiça e não queremos lavar a nossa louça, por exemplo. A pia acumula pratos e o que pensamos é apenas em como não queremos fazer aquilo. Entretanto, há uma voz interna, geralmente nossa consciência, nos dizendo o que devemos fazer: lavar a louça. Fazendo um paralelo com o mito, é como se nosso Ser nos mostrasse, desde os pequenos compromissos até os grandes, o que é o certo a se fazer. Infelizmente poucas vezes estamos abertos a ouvir o que essa voz tem a nos dizer e deixamos de fazer o que nos cabe.

Voltando ao mito, após o nosso herói derrotar Turno ele de fato funda uma nova cidade, mas não Roma, e sim Alba Longa. Essa se torna um “protótipo” de Roma, que seria devidamente fundada pelos bisnetos de Eneias, os jovens Rômulo e Remo. Nesse ponto, os fatos históricos se misturam com os mitos, mas o que se sabe é que o mito de Rômulo e Remo e a loba capitolina seria uma continuação do mito de Eneias. Os irmãos gêmeos, na condição de descendentes do SemiDeus troiano, fundaram Roma e mantiveram a linhagem de Eneias como a primeira e principal de toda a Civilização Romana.

Portanto, a saga de Eneias para realizar o seu destino é uma representação da saga Humana: cheia de tropeços, indecisões e vontade de ser melhor. Isso não ocorre sem batalhas, sem passar por tempestades e calmarias e, em alguns casos, até descer ao mundo dos mortos. Todas as experiências, das mais duras até as mais banais, nos ajudam a forjar esse espírito guerreiro, capaz de superar as dificuldades e fazer prevalecer nosso aspecto Humano. Que Eneias, enfim, seja mais um símbolo de como podemos superar nossas debilidades e limitações, nos colocando a serviço do Todo e não apenas de nós mesmos.

Compartilhe com quem você quer o bem

MENU

Siga nossas redes sociais

Ouças nossa playlist enquanto navega pelo site.

Este site utiliza cookies para melhorar sua experiência, de acordo com a nossa Política de privacidade . Ao continuar navegando, você concorda com o uso de cookies.