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Tempo Preenchido Não é o Mesmo Que Tempo Bem Utilizado

Sêneca, um dos maiores filósofos da Roma Antiga, uma vez disse: “O homem vive preocupado em viver muito, e não em viver bem, quando na realidade não depende dele viver muito, mas sim viver bem”. Essa pérola de sabedoria pode, num primeiro momento, parecer bastante óbvia, uma vez que não temos domínio sobre quanto tempo vamos existir; mas o fato é que ainda não aprendemos a lidar bem com o tempo e fazemos, comumente, grandes confusões a respeito deste tema.

Tempo

A dificuldade do homem de se relacionar com o tempo vem de longa data. Escritas há quase dois mil anos, as cartas do filósofo Sêneca, compiladas no livro “Sobre a Brevidade da Vida”, parecem feitas para os dias de hoje. Mas como os romanos possuíam problemas de se relacionar com o tempo, se não tinham as correrias dos dias atuais, não possuíam a demanda de horas de trabalho que nós temos, os afazeres da vida moderna? Simples, independente da época em que se vive, o ser humano ainda não aprendeu a lidar com o tempo.

Para o Homem da Roma Antiga faltava tempo para cumprir todos os seus afazeres, assim como para nós, hoje, no século XXI. Quanto tempo será que precisamos para mudar essa mentalidade de que o tempo está sempre escorrendo de nossas mãos? 

Para aprendermos a lidar com o tempo é preciso que saibamos o que é, de fato, o tempo. É normal que a nossa relação com essa grandeza da natureza seja superficial, afinal, esse não é necessariamente um dos assuntos que paramos para refletir com frequência. Isso porque o tempo já está posto, ele não retrocede e nem aguarda ninguém, e assim os dias, meses, anos e séculos passam aos nossos olhos de forma que não podemos agarrá-lo e impedir o seu avanço. Se hoje temos 10, 20 ou 60 anos, inevitavelmente amanhã seremos mais velhos e assim será até o dia em que deixarmos essa vida.

Por essa característica, tornou-se comum entendermos o tempo como uma linha reta que segue para o futuro de maneira infinita. Essa percepção nos fez criar relógios, calendários e tantas outras formas de medir o tempo, como uma eterna progressão em direção ao que está por vir. Entretanto, será mesmo que o tempo funciona desta maneira? 

Muitas culturas ao redor do globo entendem o tempo como cíclico e não como uma linha de progressão infinita. Nessa percepção, o tempo seria dividido em ciclos e toda a vida funcionaria a partir dessa lógica. Essa é uma percepção natural do tempo, afinal, todas as marcações do tempo que utilizamos usa, necessariamente, ciclos para demarcar sua periodicidade: um dia, por exemplo, nada mais é do que o tempo em que a Terra leva para dar uma volta em seu próprio eixo; já um ano é o tempo em que nosso planeta leva para dar uma volta ao Sol.

Assim, na antiguidade muito se demarcou a vida a partir desses ciclos em que ora se trabalha, ora se descansa e ora colhe-se os frutos daquilo que foi plantado. Ao invés de pensar no tempo como um futuro incessante no qual vamos buscar de forma compulsória, o tempo nessa percepção é a consciência desses ciclos e a forma de atuar em cada um deles.

Partindo dessa ideia, precisamos entender que aproveitar bem o tempo não significa encher nossa agenda de tarefas de forma incessante, mas compreender os ciclos que vivemos e adaptar nosso ritmo de acordo com o que é justo e necessário. Por exemplo, se estamos vivendo um período de doença, não é saudável, literalmente, mantermos nossa rotina exatamente igual aos dias que estamos com saúde. Naturalmente exigem adequações que precisam ser feitas para que consigamos viver plenamente o período em que passamos. Logo, não se trata de “não fazer nada” devido a doença, mas entender que o ritmo em que as atividades serão feitas será, naturalmente, diferente. 

É importante salientarmos essa percepção, pois atualmente vivemos em um mundo que cada vez mais exige que façamos muitas tarefas, mesmo que as condições em que estejamos não sejam boas. Com isso, cria-se uma verdadeira alienação do tempo em que achamos que quanto mais atividades fazemos, melhor aproveitamos o nosso tempo. Entretanto, é fato que podemos realizar inúmeras tarefas que não nos geram ganho de consciência, logo, não é o fato de fazermos muitas coisas que garantem que estamos utilizando nosso tempo corretamente.

Hoje temos inúmeros cursos e livros sobre como administrar melhor nosso tempo, ser mais produtivos, menos ociosos. Então, o que falta? Se temos todos esses materiais ao nosso alcance, porque continuamos falando que estamos sem tempo? E quanto desse nosso tempo, estamos usando para o que realmente importa: a construção de nós mesmos?

Ficamos tão imersos nessa mentalidade de ‘não ter tempo para nada’ que passamos despercebidos das sutilezas da vida, sutilezas estas que nos tornariam melhores seres humanos. Na nossa “correria”, por exemplo, deixamos de desejar bom dia para as pessoas à nossa volta, deixamos de ceder o assento para um idoso e deixamos de separar um momento para nossa Alma, nossa vida interior. Uma leitura mais profunda, uma reflexão sobre o dia, quem sabe até uma oração… tudo isso é esquecido, pois ‘não há tempo’. Se não destinarmos tempo para nos tornarmos pessoas melhores, mais nobres, mais atentas e conscientes, sempre faltará tempo para os afazeres da vida. Se dentro de mim eu não tenho nada definido, imagina fora de mim.

Tudo começa na mente. Já dizia o princípio egípcio do Caibalion: “o universo é mental”. Antes de criarmos métodos práticos para aperfeiçoar nossa rotina e produtividade, precisamos mudar a nossa mentalidade. Precisamos nos desidentificar com essa forma de pensar e aprender a valorizar nossa construção como seres humanos. O problema é que, ao invés de nos esforçarmos para viver o momento que nos cabe da melhor forma possível, fisicamente estamos vivendo uma situação, porém com a mente noutro lugar. “Eu deveria refletir sobre meu dia e fazer um planejamento, mas preciso dormir, pois amanhã o dia será muito corrido”.

Essa mudança de mentalidade é a chave que muitos filósofos trazem e que não costuma vir nos manuais de produtividade das livrarias: viva o momento presente, e o viva da melhor forma possível. Fazer o que nos cabe, da melhor forma que nos cabe. Quer melhor produtividade do que esta?

A melhor forma de colocar ordem na nossa rotina é aprender a amá-la e não querer fugir dela. Para aprender que todos os momentos de nossas vidas são válidos e podem nos trazer grandes experiências, basta vivê-los de corpo e alma, sem lamentações e sem arrependimentos. Frente a isso, é fundamental entendermos não apenas como planejar o nosso dia, mas qual o sentido de fazermos tudo a que nos propomos.

Jorge Ángel Livraga Rizzi, um filósofo argentino do século XX, afirmava que “não viemos ao mundo para construir coisas, mas para construir a nós mesmos”. Isso significa que não devemos focar tanto em nossa produtividade objetiva, ou seja, em fazer cada vez mais atividades com o tempo que temos. Na verdade, o mais interessante é perceber como podemos aprender sobre nós mesmos a partir das experiências que vivenciamos e construir a nós mesmos a partir disso.

De nada adianta ter muitas atividades em uma agenda se no fim do dia não tivermos aprendido nada. Essa é, em síntese, a lição que encontramos no mito de Sísifo, o personagem mitológico que foi condenado pelos deuses a viver eternamente levando uma pedra até uma colina e, ao chegar no topo do monte, a pedra o fazia descer, fazendo com que Sísifo trabalhasse eternamente nessa atividade.

Assim como Sísifo, muitas vezes dedicamos nossa energia a atividades mecânicas e achamos, por isso, que usamos muito bem o nosso tempo. Entretanto, se esses trabalhos não nos geram um ganho de consciência, ou seja, se não nos fazem aprender sobre nós mesmos, então eles são inúteis do ponto de vista espiritual. 

Entendamos, por fim, que o tempo bem utilizado é aquele que nos gera consciência de nós mesmos, uma percepção mais profunda da vida, ou mesmo aquele que agrega a nós uma formação de caráter objetiva. Podemos preencher nosso tempo com inúmeras atividades, mas sem esses ganhos de consciência eles de nada nos servem.

Se vivermos utilizando bem o tempo, poderemos chegar ao fim de nossa existência e perceber que plantamos muitas sementes no mundo e deixaremos a vida mais completa do que quando nela ingressamos. Ao contrário, se todo nosso foco for utilizado apenas para realizar atividades, é possível que cheguemos no fim de nossa jornada e, ao olharmos para trás, vejamos apenas um deserto, em que nada foi plantado e aquilo que achamos que construímos foi rapidamente substituído. 

Não deixemos, portanto, que o tempo nos devore. Façamos dele um aliado e que possamos aprender cotidianamente as lições que ele – e a vida – nos traz.

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