Conseguimos enviar sondas para outros planetas, vasculhamos o Universo por meio de telescópios e dominamos, em parte, o mundo que nos cerca. Não restam dúvidas que temos armas poderosas, mas esse potencial nos traz uma responsabilidade crescente com a Humanidade e com o Planeta. Um dilema muito próprio do nosso tempo, por exemplo, está relacionado com o fato de que a nossa evolução moral não seguiu a mesma proporção da nossa evolução tecnológica, ou seja, avançamos na capacidade de produção e descobertas, mas, ao mesmo tempo, no campo da ética ainda somos raquíticos. O perigo dessa contradição está em utilizarmos de maneira errada ou até mesmo maléfica essas tecnologias. Fazendo uma analogia, seria como colocar uma arma de fogo na mão de uma criança que não sabe o que é certo e errado.
Se voltarmos nossos olhos para a nossa história perceberemos diversos momentos em que a tecnologia se tornou perigosa e causou mais danos do que benefícios. O descobrimento da energia nuclear é um desses casos. Desde as bombas atômicas lançadas em Hiroshima e Nagasaki, até acidentes recentes como o da usina de Fukushima, percebemos que, intencionalmente ou não, podemos acabar prejudicando o meio ambiente e a nós mesmos quando utilizamos uma potência da natureza para fins egoístas. Em resumo, poderíamos citar uma frase conhecida do cinema mundial que diz que “com grandes poderes vem grandes responsabilidades”. Hoje falaremos de um desses casos em que a irresponsabilidade acabou por causar um desastre ao qual pagamos o preço até os dias atuais: o acidente nuclear de Chernobyl.
Comecemos do início para entendermos o que ocorreu. Para tanto, precisamos voltar ao século passado, mais precisamente na década de 1970 quando a usina nuclear de Chernobyl começou a ser construída, na União Soviética. A região fica localizada na atual Ucrânia e no passado a usina chegou a produzir 13% da energia que alimentava as cidades do país. Utilizando a energia nuclear e transformando-a em energia elétrica, o empreendimento empregou milhares de trabalhadores que se mudaram com suas famílias para a cidade de Pripyat, a qual foi construída ao lado da Usina para abrigá-los. Entretanto, o desastre do dia 26 de abril de 1986 mudaria a vida dessas pessoas para sempre.
Em linhas gerais, o acidente na usina de Chernobyl ocorreu quando houve um aumento da energia produzida por um dos reatores nucleares, em decorrência de vários erros humanos na administração do equipamento. Ao tentar controlar a situação, os funcionários negligenciaram alguns procedimentos de segurança, o que acarretou na explosão do reator e na exposição do seu núcleo, além de um incêndio que disseminou a radioatividade por diversas regiões da Europa. Após o ocorrido, as cidades de Pripyat e Chernobyl tiveram que ser esvaziadas, tornando-se assim, do dia para a noite, cidades fantasmas. Cerca de 70 mil pessoas se mudaram, entretanto, isso não foi o suficiente para evitar que elas se contaminassem. Além dos moradores das cidades próximas à usina, estima-se que o desastre de Chernobyl tenha afetado, direta ou indiretamente, cerca de cinco milhões de pessoas. Isso porque a fumaça de radioatividade espalhada pelo incêndio chegou a diversos locais da Europa, colocando em risco pessoas dos mais diversos países.
Para além do impacto humano houve (e ainda há) o impacto ambiental que o acidente nuclear causou. Ecossistemas inteiros foram afetados com a disseminação dos elementos radioativos, além do sacrifício de milhares de animais contaminados. De igual modo, as águas dos rios que alimentavam a usina foram contaminadas, colocando em risco não apenas as pessoas que usufruiam da água potável, mas a vida aquática ali presente. Até os dias de hoje, por exemplo, as cidades de Pripyat e Chernobyl estão abandonadas, sendo chamadas de “cidades fantasmas”, pois o nível de radiação continua alto e certamente colocaria em risco a vida de quem tentasse habitar essas localidades outra vez.
Visto isso, devemos nos questionar sobre nossa responsabilidade frente à tecnologia e como a utilizamos. Afinal, qual o nosso papel frente a esses desastres que, vez por outra, acontecem? Será que termos uma alta tecnologia resolverá os problemas sociais que enfrentamos?
Ao pensarmos sobre isso, perceberemos que, de fato, a energia nuclear se apresentava, pelo menos há 50 anos, como uma solução definitiva para o consumo de energia em nossa sociedade. A sua capacidade de geração de energia com uma quantidade relativamente baixa de elementos poderia, se utilizada de maneira segura e correta, suprir nossa demanda crescente por abastecimento elétrico. Até os dias atuais, países como Estados Unidos, França e Japão, por exemplo, dependem da energia nuclear para manter suas cidades ativas. Por outro lado, os efeitos catastróficos dessa tecnologia, a curto e longo prazo, mostraram-se como uma barreira à sua utilização em larga escala. Para termos um referencial do quão poderosa é a energia nuclear basta lembrarmos que fomos capazes de criar bombas com potencial de destruição que até os dias de hoje não foi superado.
Frente a esses argumentos, podemos refletir sobre qual seria a medida exata para utilizarmos uma energia tão poderosa da Natureza. O primeiro ponto a se pensar é qual é a nossa intenção ao buscarmos controlar tamanho poder. A experiência nos mostra que podemos beneficiar milhares de pessoas ao levar energia para suas casas e cidades, mas, ao mesmo tempo, há um potencial de destruição enorme em nossas mãos. No fim, o dilema não é apenas ambiental, social ou mesmo político. É, antes de tudo, um dilema moral que está à nossa frente. Talvez não estejamos ainda suficientemente prontos, a nível moral, para utilizar de maneira sábia a energia nuclear. Todos os dias, em contrapartida, novas tecnologias surgem para facilitar a nossa manipulação e a nossa capacidade de usar esta potência.
Com tamanho poder em mãos, é fundamental entendermos que utilizar de maneira irresponsável essas armas podem nos levar à nossa própria extinção. Há quem possa achar que esse é um tema alarmista, porém, um antigo mito citado pelo filósofo Platão pode nos ajudar a entender a relevância desse tema para os dias atuais. Segundo o filósofo grego, existiu há muitos séculos uma antiga civilização chamada Atlântida. Esses homens e mulheres detinham uma tecnologia muito avançada, capaz de criar máquinas e conhecer profundamente as Leis da Natureza. Porém, devido ao mal uso de suas potencialidades, acabaram por modificar o eixo magnético da terra, criando uma série de desastres naturais. Como consequência, toda a civilização foi afundada por um cataclisma, tendo pouquíssimos sobreviventes que migraram para outras regiões do mundo.
Apesar de não haver provas contundentes acerca dessa antiga civilização, o mito nos mostra as possíveis consequências quando utilizamos as Leis da Natureza com propósitos egoístas. Podemos causar danos irreversíveis ao nosso planeta e, principalmente, à própria Humanidade.
Quando acidentes como o de Chernobyl ocorrem, portanto, não se tratam de problemas de um país ou continente, mas sim de toda a Humanidade. Talvez pensemos que essa seja uma preocupação apenas das pessoas que trabalham nessas áreas, mas cabe também a nós desenvolvermos um espírito de Responsabilidade com todos os Seres Humanos, uma vez que também somos partícipes da sociedade que vivemos. Até os dias atuais encontram-se consequências graves do desastre de Chernobyl, que perpassam nacionalidades. A zona de exclusão, que é a região mais próxima do acidente nuclear e que ainda contém um nível altíssimo de radiação, por exemplo, é uma região do nosso planeta que ficará inabitada por alguns séculos, provavelmente. Além disso, as perdas humanas ao longo dos anos é outro ponto que marca a tragédia de Chernobyl e, indicam os estudos, que até o próximo século irá causar mais de 100 casos de câncer, em decorrência da radiação espalhada por todo o mundo. Visto isso, cabe a nós fazermos a nossa parte, seja buscando melhorar a nossa relação com o meio ambiente, através da diminuição do consumo de energia ou, em certo grau, percebendo que os desafios que a Humanidade enfrenta são, no fim, desafios de todos nós.
Portanto, não pensemos que o caso de Chernobyl foi um problema dos antigos soviéticos. Antes de tudo houveram vários fatores humanos que contribuíram para a catástrofe: má relação com a Natureza; negligência; ambição pelo poder, ou por se tornar uma potência mundial. Todas essas características estão, em maior ou menor grau, em nós, o que sinaliza que podemos ser muito perigosos, quando não avançamos no campo da Moral. Cotidianamente, em nossas funções, podemos ser responsáveis e cuidarmos para que não machuquemos os outros. Se lembrarmos dessas lições então as tragédias que ocorreram ao longo da História poderão nos ensinar, todos os dias, a sermos melhores.
Não podemos mudar o passado, mas é nossa responsabilidade aprender com os erros, seja com os nossos ou com os de qualquer pessoa. Essa é uma postura poderosa e que nos fortalece. Lembremos então que “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades” e que possamos honrar essa Verdade com a prática.