A consciência humana é um dos maiores enigmas do Universo. Afirmamos isso devido ao fato de que apenas nós – até onde sabemos – somos autoconscientes, ou seja, sabemos e podemos refletir sobre o mundo e suas características. Esse fato intriga a ciência moderna, mas desde sempre foi uma pauta central nas civilizações antigas que colocavam nessa característica a residência da alma.
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Para os antigos tibetanos, por exemplo, nossa consciência seria um morador silencioso que habita dentro de nós, que observa e sussurra aos nossos ouvidos importantes conselhos sobre como nos portar diante dos nossos princípios. Essa voz silenciosa é, porém, abafada pelos nossos desejos que gritam ao corpo suas demandas. Se pararmos para refletir sobre como nossa consciência atua, de fato, ela se assemelha a descrição dita por essa doutrina milenar. Nesse sentido, nossa consciência seria um aspecto atemporal que habita em nosso corpo temporal e vive experiências diversas para construir seu caminho de evolução. Desse ponto de vista, o papel da consciência estaria muito além de apenas um observador: ela também seria capaz de recolher as sínteses do que vivemos para aprender e continuar a se desenvolver ao longo de centenas de encarnações.
Como podemos ver, a consciência na doutrina tibetana tem um caráter transcendente e atemporal, dando um sentido muito maior do que o meramente biológico. Em parte essa perspectiva se explica por ser a consciência da forma que temos uma característica muito única e, portanto, difere da natureza como um todo. Em contrapartida, é fato que todos os seres (sejam animais, vegetais ou minerais) possuem um tipo de consciência, mas que estão limitados às suas próprias posições. Nesse aspecto, o fato de percebermos a nossa própria consciência nos permite não apenas questionar a sua natureza – se é celeste ou um fenômeno biológico –, mas também como surgiu.
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Ainda de acordo com a doutrina tibetana, essa capacidade nos foi dada por outros seres – que podem ser chamados genericamente de deuses – que nos presentearam com essa capacidade. Na mitologia grega, também encontramos essa mesma narrativa, quando o titã Prometeu, em um ato de piedade para com a humanidade, rouba o fogo dos deuses e os entrega aos seres humanos. Em algumas interpretações, o “fogo” que é dado à humanidade simboliza a mente, a razão e, em consequência, a autoconsciência. No mito, Prometeu é punido por seu crime, sendo acorrentado, e só será libertado quando os seres humanos fizerem um bom uso desse fogo, ou seja, quando soubermos manejar corretamente nossa mente.
Já para os antigos egípcios, nossa consciência estaria diretamente ligada a nossa alma, o nosso Akh, uma parte que, ao morrermos, seria fundida com nosso corpo espiritual para viver plenamente no mundo dos mortos. Nesse sentido, a consciência – ou a alma – seria uma verdadeira ponte que estaria conectando o mundo físico e o mundo espiritual, recolhendo aqui, tal qual na visão tibetana, as experiências necessárias para que possa ser julgada no outro mundo e digna de entrar – ou não – no submundo. Assim, para os egípcios, a consciência tinha como função também recolher e guardar tais experiências, armazenadas simbolicamente no coração de cada ser humano, e caso fosse digna de entrar no mundo espiritual, viveria fundido ao Sahu, nome designado ao corpo espiritual, que vagaria pelos Campos de Junco do Amenti.
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Poderíamos passar algumas dezenas de páginas falando sobre a tradição, focando na consciência humana, suas diversas origens e finalidades; porém, pouco adiantaria, pois falar da consciência é mergulhar em um mar que só podemos ver os seus efeitos, mas ainda não chegaremos às suas causas. Mais importante que nos debater sobre as distintas teorias antigas talvez seja entender como enxergamos esse fenômeno sob a luz da ciência do século XXI, a nossa grande e praticamente inesgotável fonte de conhecimento moderno.
De fato, com a ajuda de novas tecnologias e métodos, será possível mapear nosso organismo e perceber a origem da consciência, quando esta nasce ou deixa de existir? Dentre diferentes hipóteses, uma em particular nos chama atenção. Apresentada através de artigos científicos do professor Johnjoe McFadden, da Universidade de Surrey, na Inglaterra, essa teoria afirma que a consciência vem do campo eletromagnético gerado a partir dos impulsos elétricos dos neurônios cerebrais. Obviamente, muitos cientistas discordam, afirmando que isso não é científico, que não é possível provar etc. O próprio McFadden admite que é só uma hipótese, mas que, seguramente, abre caminho para uma linha de pesquisa científica muito promissora.
Essa investida na descoberta da consciência, tão atual, tão ousada e com uma repercussão tão forte nos principais jornais do mundo, demonstra que, assim como os antigos buscavam o metafísico e o imaterial, o mistério que nos habita, a mentalidade contemporânea também caminha na mesma direção, mas através de meios muito diferentes. Quando falamos “os antigos”, nos referimos à filosofia clássica, a exemplo de Pitágoras, Sócrates, Platão, os estoicos, bem como às tradições místicas da Índia, do Tibete e do Egito. Esses antigos, diferente do que fazemos hoje, não estavam interessados em entender de que material é feita a consciência, de ondas eletromagnéticas, de átomos ou de partículas fotoelétricas. Na verdade, o que percebemos nessas tradições é uma busca profunda por despertar a consciência no exercício da Vida. Buscavam estar presentes, unir o céu com a terra, no sentido de conectar o mundo sutil, das ideias, com a vivência prática. Entendiam, a exemplo dos filósofos estoicos, que, assim como há Leis que regem a Natureza, há também Leis invisíveis que regem o comportamento humano, e assim buscavam viver uma Vida Moral, a fim de se harmonizarem com essas Leis.
Nossa civilização, tão avançada na racionalidade técnica, e com buscas tão presas à matéria, completamente desconectada do Sentido da Vida, tateia no escuro, na tentativa de encontrar consciência nos impulsos elétricos dos neurônios. Talvez se um sábio antigo visse isso, iria rir de nós. Mas o que há de positivo nessa busca atual é que essa investida, acompanhada de toda a repercussão que vem causando, nos mostra que o Espírito Humano não morreu, ainda vive, e se revolve em busca de consciência, ainda que com ferramentas tão materiais e distantes da essência profunda do que somos.
Dito isso, querer saber o que é consciência é uma das perguntas mais filosóficas que existem, para a qual não há uma resposta objetiva. Não se sabe exatamente o que é consciência, mas a certeza inevitável é que somos seres conscientes. Ainda que duvidemos de tudo o que existe, ao final teremos que concluir que o próprio fato de duvidar de tudo já nos traz uma certeza, a de que existimos enquanto seres conscientes. Foi nesse sentido que o filósofo René Descartes enunciou: “penso, logo existo”.
Sabemos muito pouco sobre consciência, somos fartos de teorias a respeito, conceitos equivocados dos mais diversos, milhões de livros publicados sobre o assunto. Há quem atribua a sua origem à linguagem, há quem atribua à energia eletromagnética, mas nenhuma dessas tentativas dão dá conta de exaurir a busca humana por conhecer a Natureza profunda do que é consciência.
As formas religiosas que conhecemos, geralmente quando definem Deus, parecem ter a mesma dificuldade que se tem ao se tentar definir consciência, de modo que esses dois conceitos parecem se confundir. Tomemos como exemplo a tradição judaico-cristã que, ao definir Deus, usa termos como “onisciente”, “onipresente” e “onipotente”, mas curiosamente esses são atributos da consciência.
Nesse sentido, poderíamos afirmar que consciência é o aspecto mais Divino que temos em nós. Voltando para as tradições tibetana e egípcia, um aspecto mais concreto da consciência está ligado à capacidade de concentração, de fogo, de manter-se presente no Agora. Assim, a consciência em seu aspecto prático seria a capacidade de evocar esse estado de espírito e sua presença naquilo que o presente o demanda, sem perder-se em pensamentos ou emoções que lhe tirem a concentração. Evocar esse estado mental é, sem dúvida, uma forma de autodomínio.
A ideia de “concentração” aponta para uma reunião em torno de um centro. Em nossa Vida, costumamos ter diversos eus. Um para o trabalho, outro para a família, outro para os estudos, outro para os amigos etc. Essa pluralidade tende a nos levar a uma desagregação interna, pois qual desses eus vai governar? Nós somos internamente como uma cidade: se não houver um governo, tende ao caos. Desse modo, concentrar-se é fazer todos esses eus orbitarem em torno de um centro, obedecendo-o e se harmonizando com ele. E isso acontece no exercício da Vida, é uma busca vivencial. Assim, para as antigas tradições, quando conseguimos organizar o nosso modo de viver, de forma que os múltiplos eus que nos habitam obedeçam ao núcleo central da nossa Vida, que é a nossa Alma Imortal, o nosso Eu superior, é um sinal de que despertamos consciência, por isso atribuíam à consciência o sentido de concentração.
Essa capacidade de identificar o centro e viver o seu governo nos leva à segunda ideia relativa ao autodomínio ou, como diziam os antigos, à “posse de si mesmo”. Não sei se você já observou, mas, quando estamos inconscientes, não temos a posse de nós mesmos. Por exemplo, uma pessoa hipnotizada, como a própria Associação Americana de Psicologia afirma, encontra-se em um estado de redução da consciência. E, qual o efeito imediato disso? Maior capacidade de resposta à sugestão, ou seja, tende a ser possuída, dominada por comandos externos. Isso acontece o tempo todo em nossa Vida. Quando reduzimos a consciência, por conseguinte, somos dominados por comandos externos, perdemos a posse de nós mesmos. Já lhe ocorreu de sair de casa e, quando já estava na rua, ficar em dúvida se trancou a porta ou não? E, quando você volta, constata que trancou. Então, onde você estava no momento? Estava no “piloto automático”, ou seja, fisicamente presente, trancando a porta, mas de forma inconsciente. Fazemos isso o tempo todo. Se você dirige com frequência, vai perceber que há trechos nos seus deslocamentos que você fica completamente inconsciente. É nesses lapsos de inconsciência, em que fazemos as coisas por automatismo, que ficamos vulneráveis, despossuídos de nós mesmos; e o grande perigo é que, nessas horas, influências, opiniões, medos, impulsos, apetites passem a nos governar, em lugar do nosso Eu central.
Observe, então, que, enquanto a filosofia antiga e as tradições estavam preocupadas com o despertar da consciência na Vida, a nossa contemporaneidade estava encantada com a busca por entender a natureza material da consciência. Esses dois movimentos em busca da consciência, o antigo e o contemporâneo, são provenientes dos paradigmas. Todas as civilizações são construídas a partir de paradigmas. Cada um deles é um jeito de olhar o mundo, uma perspectiva, uma cosmovisão. O paradigma do mundo antigo olhava a Natureza de forma contemplativa, a via como um grande Mistério, do qual somos integrantes; já o da modernidade olha para a Natureza como algo à parte de nós, e que é uma mina de ouro a ser explorada, dominada, e para nos servir. É esse paradigma que move a contemporaneidade hoje, é daí que surge esse impulso de mapear a consciência, com o objetivo de explorá-la, dominá-la e extrair dela algo que atenda aos nossos interesses. Não existe um caminho mais equivocado possível! Mas o que nos dá Esperança é que, apesar de todos os equívocos, ainda palpita no âmago da nossa geração uma busca por consciência. Quem sabe em algum momento não consigamos realmente encontrá-la?