Diogo Nogueira é um cantor e compositor carioca do gênero musical que ajuda a definir a identidade nacional: o samba. Assim como seu pai, João Nogueira, ele já inscreveu seu nome no panteão dos sambistas brasileiros. Em 2018, ele lançou mais um de seus sucessos, uma canção chamada coragem. Nela, ele emplaca algumas frases interessantes, entre outras que parecem ter sido fruto de muita vivência e reflexão, e arremata:
“A vida vai te balançar, te questionar, te sacudir… O que ela quer da gente é coragem.”
Não dá para saber exatamente em que ele e seus parceiros compositores, Frederico Fagundes Fernandes Camacho e Jorge Leandro Pereira da Silva, estavam pensando. Mas, é difícil questionar essa afirmação. A todo tempo, a vida nos pede coragem. Costumamos dizer isso quando enfrentamos uma doença perigosa, costumamos repetir essas palavras quando lemos no noticiário que algum anônimo se arriscou pela segurança de alguém, também o falamos de alguém que tem fibra para falar “umas verdades” na cara da sociedade e mostra que não deve nada a ninguém.
Os mais atentos veem coragem quando precisamos lutar pelo pão de cada dia, quando temos que enfrentar um ônibus lotado, acordar cedo e manter o sorriso atendendo a um cliente mal-humorado. Como podemos ler, damos a esta virtude, muitos significados, alguns, inclusive, são muito perigosos. Já ouvimos alguém chamar traficantes que fugiram de dentro de presídios disfarçados de mulher de “corajosos”. Ou mesmo confundirem com coragem a audácia estúpida dos roof toppers (pessoas que fazem vídeos e fotos do alto de arranha-céus em busca da fama instagramável). Chamamos várias atitudes por este nome, mas, haveria uma forma mais profunda de se relacionar com a Coragem?
Coragem vem do latim coraticum. Esta palavra guarda em si dois significados: cor que pode ser definido “com coração” e aticum que se refere à ação da palavra anterior. Assim, um ato de coragem é um ato do coração. Se voltarmos um pouco mais atrás na etimologia da palavra veremos que coração aqui, também pode conter ainda relação com a ação da alma humana e com a ideia de meio, mediana ou equilíbrio.
A partir destas relações, poderíamos definir a coragem como um ato da alma humana, do coração humano, sem excesso. Aristóteles, grande filósofo grego, por muitos conhecido como pai da ciência moderna, discípulo de Platão e fundador do Liceu de Atenas, falava-nos algo parecido sobre essa virtude. Ele nos dizia, em seu livro Ética a Nicômaco, que ela é um meio termo entre o medo e a confiança. Inclusive, para ele todas as virtudes dependiam da temperança. Assim, do excesso, ou da falta surgiam os vícios. No caso da coragem, a sua carência (ou excesso de medo) levaria à covardia, esse estado de paralisia mental e física que nos leva à prostração e a inação.
Um homem com medo não age, não faz o que precisa ser feito. Quantas vezes deixamos de realizar um sonho por medo? Quantas vezes deixamos que uma injustiça ocorresse por medo? Quantas vezes não enfrentamos os limites desafiadores da vida por medo? Não que o medo não seja uma coisa boa em algum grau, pois é ele que nos garante a sobrevivência, impede que façamos loucuras imprudentes e nos ajuda a pensar duas vezes antes de agir. Mas, por outro lado, continua nos dizendo o filósofo grego (que foi professor de Alexandre, o Grande), ninguém chama de bravo alguém que simplesmente deixa de fazer algo por receio prudente.
A coragem, como dito antes, é uma AÇÃO! Mas ao agir, deve estar atento para evitar o risco de ir para o outro extremo, que é o caso daqueles que nada temem e agem como uma espécie de loucos e insensíveis.
A coragem assim é um justo meio de agir no mundo. Corajoso é aquele que vence o medo, juntando a escolha e o motivo. Vencer o medo por um motivo nobre, essa é a verdadeira virtude do que tem coração! Se assim não fosse, chamaríamos de corajosos os piores facínoras pelos seus atos de maldade audaciosa e egoísta. Ou pior, diríamos que a Zebra que enfrenta o Leão é corajosa. Não! A coragem é dentre as escolhas possíveis, escolher a mais nobre, aquela que pede o nosso coração, mesmo que isso implique em sacrifícios pessoais, mesmo que isso signifique enfrentar seus maiores medos.
A coragem assim, seria uma espécie de fidelidade a si mesmo. Pois, somente quem sabe que é honesto, pode ser corajoso e colocar seu emprego em risco por negar uma proposta de corrupção, que poderia até lhe encher o bolso, mas esvaziaria a si mesmo. Por isso, a construção de um mundo melhor passa por esses pequenos atos de coragem heróica do cotidiano.
A coragem de ser cortês e trazer um pouco de sentimento em um mundo feito de pedras frias, de ser fraterno numa sociedade competitiva, de ser generoso em tempos tão egoístas. Porém, é na hora de encarar a morte que a bravura pode mostrar sua face mais inspiradora. Um homem que consiga manter-se nobre e virtuoso nessa hora derradeira é digno de ser chamado de herói. O vídeo abaixo mostra um excelente exemplo.
Keanon Lowe, o herói do vídeo, é um ex-jogador do time de futebol Americano “Oregon Ducks”, que atualmente trabalha como chefe de segurança e treinador de futebol americano da Parkrose High School, em Oregon, EUA. Naquela manhã a escola estava atenta, pois alunos relataram que Angel Granado-Diaz havia feito comentários suicidas. Lowe esteve no prédio das artes plásticas, o procurando, mas ele não apareceu. Até que uma correria desenfreada de jovens chama a atenção para a sala de aula.
Lowe incrivelmente mantém as emoções sob controle. E isso foi fundamental para que sua coragem fosse eficaz. Ele soube desarmar Granado-Diaz que segurava uma espingarda de grosso calibre. Após entregar a arma para outro professor, Keanon abraça Angel e diz que estava ali para salvar a sua vida e que esta é uma vida que merece ser vivida. Os dois comoventemente permanecem abraçados. Você pode ver esta cena no vídeo abaixo.
Keanon poderia correr para salvar sua vida, poderia agredir e matar Granado-diaz em legítima defesa, poderia ficar na porta orientando a saída dos alunos e acionado a polícia, mas, não! Ele tinha um motivo: salvar a vida de jovens. E escolheu vencer seu medo e dominá-lo. Isso manteve o lado Humano que há nele presente e atento, por isso, na hora da reação, não foi o animal que tomou conta dele. Ao contrário, um generoso e fraterno ser humano dominou a fera do medo e angelicalmente abraçou Granado-Diaz.
No passado, muito antes desse ato heroico, Lowe teve a chance de jogar na NFL (Liga Americana de Futebol Americano), mas a morte de um grande amigo o fez preferir estar “onde as crianças precisariam dele”. Nessa atitude, ele já mostra uma coragem sem igual. Preferir servir aos outros a perseguir um sonho pessoal exige um elevado grau de nobreza e bravura. Esse treinador apenas sabia que estava no lugar certo, na hora exata. Ele tinha consciência de que não há acaso na vida, algo que aprendera com sua mãe.
A história de Keanon Lowe está recheada de atos de cuidado e serviço, ele ajudou a criar o irmão mais novo, ofereceu consolo à família de um amigo que morreu de overdose, ofereceu orientação para o aluno da escola que sofria bullying e terminou jogando no time da escola. Como podemos ver, um herói não se faz da noite para o dia. A verdadeira coragem se faz no hábito de ser corajoso nas pequenas coisas do cotidiano.
Que sejamos mais como esse herói americano, que abracemos a vida, sempre que ela nos der a oportunidade de sermos generosos, fraternos e humanos.