Se tem uma característica que marca o ser humano é a sua capacidade de fazer perguntas. Sim, isso mesmo, somos os únicos seres vivos capazes de formular indagações, de se questionar sobre o mundo ao nosso redor e nós mesmos. A pergunta, filosoficamente falando, é uma ferramenta essencial para a busca da sabedoria, pois nos leva a um novo patamar do conhecimento. Sendo assim, somente o homem duvida, somente o homem olha o céu e sonha em saber o que são aqueles pontos brilhantes na escura noite, e só a nós foi dada a capacidade de nos perguntarmos sobre nossas próprias entranhas, mergulhando num universo microscópico, atômico, quântico. Perguntas orientam toda a nossa história.
As perguntas são essenciais, porém, ainda mais importante do que questionar-se é encontrar respostas. Assim, para todas as perguntas que fazemos, buscamos também uma solução. A história da humanidade também pode ser contada pelas respostas que damos às tantas perguntas que elaboramos em nossa mente. Para respondê-las, acabamos criando mil religiões diferentes, escrevemos milhares de linhas em todas as línguas que já existiram, inventamos métodos, tecnologias, vasculhamos o Universo e construímos máquinas que podem enxergar o interior de nossas células.
Talvez o leitor possa se indagar: mas há quem viva a vida sem dúvidas, sem indagações. Apenas viva. De fato, isso realmente pode acontecer. Porém, não considera um fato triste conceber uma existência assim? Mais triste é constatar que milhares de seres humanos passam a vida sem essa dádiva da dúvida e, tal como pedras, só resistem. Ou, como vegetais, contentam-se em ter o suficiente para crescer e multiplicar. Ou animalizam-se e, quer seja por problemas impostos por uma sociedade egoísta e desequilibrada, quer por dilemas internos de suas próprias mentes, levam a vida (melhor seria dizer que são por ela levados) com medo do que causa dor e desconforto, ou apegados e dependentes do que oferece alguma forma de prazer. Uma vida não questionada não merece ser vivida, já nos advertiu o grande Sócrates, filósofo grego, imortalizado por seu discípulo Platão em diversos diálogos.
No livro “Os miseráveis”, de Victor Hugo, um dos personagens principais da trama, Jean Valjean, mergulha em uma profunda busca para saber quem é. Aqui está uma valiosa pista sobre qual a pergunta mais importante do mundo:
Para contextualizarmos o leitor que não conhece a obra, façamos um breve resumo dela. O vídeo acima é um fragmento do filme “Os Miseráveis”, lançado em 2012 e inspirado no romance de Victor Hugo. Jean Valjean é um homem condenado por roubar um pão para alimentar a sobrinha que estava morrendo. Devido ao seu crime, acaba preso por vinte anos e, numa sucessão de incríveis acontecimentos, tem sua bondade colocada à prova a todo momento. Mesmo depois de solto, continua perseguido, forçado a assumir uma nova identidade, e a duras penas alcança algum sucesso material, tornando-se prefeito da cidade de Montreuil-sur-Mer.
Até que o passado bate à porta, na figura de Javert, o inspetor de polícia que o descobre e denuncia às autoridades de Paris. Todavia, recebe como resposta que o criminoso Jean Valjean encontra-se preso e aguarda julgamento. Fiel a seus princípios, Javert confessa ao prefeito que o denunciou injustamente e pede para ser expulso da corporação. Jean encontra-se numa encruzilhada: Se ficar calado, um inocente vai para a prisão, mas ele se livra do seu algoz e enterra seu passado para sempre. Se falar, volta a cumprir pena de trabalhos forçados, dessa vez, até morrer.
Se fosse você nessa hora, o que faria? Nosso herói, toma a decisão respondendo à pergunta, quem sou eu? A resposta que ele encontra, escavando no mais profundo dele mesmo é que ele é Bondade. E essa identidade lhe dá forças para fazer o impensável. Mas qual pergunta pode nos levar a essa busca de identidade?
Nós vivemos de porquês, é verdade… E de tantas interrogações, será que haveria alguma que pudéssemos considerar como a mais importante de todas? Aquela para a qual dirigimos nossa vida, nossas ações e nossos recursos? Sócrates nos diz que tem a ver com a nossa busca pela felicidade. É como se estivéssemos todo o tempo que passamos nesse planeta nos perguntando como sermos felizes. E de fato, avaliamos nossas decisões nesses termos.
Pensemos em alguém que comprou um carro, por exemplo. A próxima reflexão que ele fará é sobre como se sente após essa aquisição. Se pensar que está feliz, seguirá com seu possante por mais algum tempo. Se chegar à conclusão de que comprou gato por lebre, irá se desfazer da lata velha assim que tiver a primeira oportunidade. Mas, talvez haja outra pergunta tão importante quanto essa. E que pode inclusive colocar em perspectiva nosso conceito de felicidade. Voltemos ao exemplo do animal. Se fosse possível questionar a uma zebra sobre o que ela precisa para ser feliz, sem embargos, podemos imaginar que ela diria: “Dai-me um pasto recheado, água e elimina os leões da savana”. Por que será que ela não pediria carros, joias, dinheiro ou outras coisas do tipo? É provável que dissesse isto porque é zebra e não tem escolha. Nas palavras do filósofo veneziano Pico Della Mirandola em seu Discurso sobre a Dignidade do Homem:
“Os animais, logo que nascem, diz Lucílio, trazem consigo do útero de sua mãe tudo aquilo que possuirão. Os espíritos superiores se tornaram, desde o princípio ou logo depois, aquilo que serão nas eternidades perpétuas.”
Portanto, dentre todas as perguntas que podemos nos fazer, sem dúvidas a mais importante é a famosa “quem sou eu?”. Dita por muitos como uma pergunta existencial, conhecer nossa identidade vai muito além do que a superficialidade das nossas profissões, gostos, hobbies e desejos. O mergulho para dentro de si em busca dessa resposta pode nos conduzir por caminhos tortuosos, difíceis de encarar, mas, sem dúvida, nos faz alcançar a mais bela joia que a humanidade produz: sua verdadeira identidade.
Platão nos disse: Não há nada bom nem mau, a não ser estas duas coisas: a sabedoria que é um bem e a ignorância que é um mal. Nós diríamos que a maior das ignorâncias é não saber quem se é. Frequentemente, pensamos que somos os papéis que representamos: – Sou um médico respeitado – disse aquele. – Sou uma mãe amorosa – disse a outra. E geralmente é assim que respondemos a esta questão. Se alguém nos pergunta quem somos, damos nosso nome, onde moramos, nossa profissão e as características de nosso entorno (família, estudos etc). Mas, propomos ir mais além da casca de nossas personalidades. Pense no mais íntimo de seu ser e averigue que traços o definem. Se olhar com cuidado, achará, entre uma pilha de vaidade e os entulhos de traumas do passado, uma virtude brilhante como as estrelas.
Há aqueles para os quais a Bondade é algo imprescindível. Quem chega a esta conclusão, não pode mais viver sem ela, tal como quem viu algo, não pode apagar do cérebro as imagens captadas. O máximo que conseguirá é ignorar a voz em sua consciência, lhe cobrando Bondade a cada ação, pensamento e emoção.
Sendo assim, devemos compreender que a resposta para essa pergunta vai além das nossas diferenças externas. Não somos brancos, negros, índios ou qualquer outra etnia, mas sim seres humanos. Tais aspectos étnicos e culturais compõem uma identidade parcial, mas não acessam o mais profundo da essência humana. Chegar nesse ponto, porém, não é fácil e requer uma vitória diária contra tudo que internalizamos como sendo nosso. Dessa forma, cabe a cada homem e mulher escolher sua forma de viver e atuar no mundo, e isso não lhe tirará sua identidade humana. Esse é o nosso ponto de partida, nossa semente que se assemelha a todos da nossa espécie e que pode nos gerar a unidade que precisamos. No fim das contas, é, de fato, só uma pergunta que realmente importa: quem sou eu? Por favor, não responda tão apressadamente a esta indagação. Dela depende toda a felicidade, toda a harmonia da vida em sociedade e com a Natureza.