No momento em que vivemos, é difícil alguém estar plenamente satisfeito com a realidade que nos circunda. De fato, há inúmeros motivos para reclamação: desde a fome que assola grande parte da humanidade até a inversão de valores na sociedade, o egoísmo e o individualismo que se tornaram quase lei em nosso cotidiano. Todos esses defeitos que o mundo atual propaga são, em grande parte, nossa responsabilidade, afinal, vivemos no mundo e fazemos parte dele.
Há, porém, aqueles que usam o argumento de que “o mundo já estava assim quando cheguei” e isso é real e válido. Se percorrermos rapidamente a nossa história, perceberemos que o mundo nunca foi um mar de rosas. Sempre existiram guerras, fome, egoísmo e outras mazelas que flagelam a existência. Ainda assim, pensemos: ao entrar em nossa casa e constatar que ela está bagunçada, é nosso dever organizá-la, mesmo que não tenha sido nós que bagunçamos? Se não queremos viver em meio a sujeira e a desorganização, então a resposta é sim!
A desordem com a qual nos deparamos não pode ser um motivo paralizante, apesar de muitas vezes a encararmos dessa maneira. Como identificar, então, e lidar com o que depende de nós? Será que todo o peso do mundo deve recair sobre nossas costas? Ou estamos corretos quando “lavamos as nossas mãos” e dizemos que o mundo não tem mais jeito? No texto de hoje, iremos refletir sobre o que de fato é a nossa responsabilidade diante do mundo.
O caos do mundo atual
Apesar de reconhecermos o caos em que vivemos atualmente, seja a nível social, econômico ou de qualquer outra natureza, é importante refletirmos que esta sociedade que tanto criticamos é formada por cada um de nós. Culpamos o governo, a educação, a escola, os pais; porém, nós mesmos também cumprimos esses papéis na sociedade: somos educadores, constituímos família e, em maior ou menor grau, atuamos para a construção do nosso governo. Quando colocamos a culpa nessas instituições ou em uma parcela da sociedade, devemos perceber que esse nada mais é do que um mecanismo de defesa para não assumir nossas responsabilidades.
Desse modo, sempre são os outros os responsáveis por nossas dificuldades e, em última instância, por nossa infelicidade. Mas este “outro” nunca somos nós mesmos. Qual a responsabilidade que nos cabe?

No seu livro “A República”, Platão nos conta um mito que elucida bem o que é a Responsabilidade com nossa própria conduta, o que poderíamos também chamar de Ética: Em época remota, um pastor de nome Giges encontrou um anel de ouro no dedo de um esqueleto humano gigante, após um terremoto, dentro de uma fenda que abriu no solo, próximo ao local onde ele pastoreava ovelhas.
O anel possuía o poder de tornar invisível quem o utilizasse e, de acordo com a fábula, Giges, que até então era considerado por todos um homem muito Honesto, começou a fazer mal uso de seu novo poder, e perpetrou atos infames, até mesmo abusar de mulheres, assassinar o rei da Lídia e ocupar seu lugar no trono.
Caso queira saber mais detalhes sobre o Mito de Giges, temos um texto em nosso Portal dedicado a ele, para acessá-lo clique aqui.

Neste Mito, Platão trás a ideia de que muitos de nós não buscamos ser realmente éticos, ou seja, responsáveis por nossas ações no mundo. Atuamos na Vida em sociedade através de uma espécie de acordo tácito. Cumprimos as leis estabelecidas enquanto elas nos são convenientes, assim como Giges, que ignora toda a moralidade e começa a agir somente em benefício próprio porque ninguém estava vendo, fugindo portanto da Responsabilidade pelos seus atos.

Freud, um dos maiores pensadores do século XIX, nos faz refletir sobre a responsabilidade. Muitas vezes, passamos uma vida nos queixando dos problemas externos; porém, se observarmos a nós mesmos, perceberemos que esses mesmos problemas habitam dentro de cada um de nós e, direta ou indiretamente, refletem na vida. Assim, uma desordem externa, seja em casa ou no trabalho, muitas vezes é um reflexo de uma desordem nos pensamentos e emoções.
O valor da responsabilidade
É interessante notar que qualquer um de nós é capaz de perceber a importância da responsabilidade, mesmo que nem sempre desejemos assumi-la. É comum, por exemplo, admirar alguém que cumpre seus compromissos, que responde por seus atos. Sempre nos aproximamos e queremos nos relacionar com pessoas com quem podemos contar e confiar, que sejam responsáveis. Nenhum de nós, seja na vida particular ou na vida em sociedade, aprecia um comportamento de alguém que foge dos seus compromissos, que diz que irá fazer e não cumpre, que apresenta falhas e não se responsabiliza por elas. No entanto, quando nos referimos a nós mesmos, preferimos colocar a responsabilidade na conta do outro.

O primeiro passo para mudar o mundo é exatamente o que Mahatma Gandhi nos alertou há muitas décadas: Sejamos nós a mudança que queremos ver no mundo. Não podemos cobrar do outro a melhoria individual, afinal, cabe apenas a ele a tomada de ação. O que podemos controlar são as nossas percepções, nossa forma de viver, nossa própria mudança e evolução. Enquanto não percebermos que somos uma célula desse imenso corpo que chamamos de Humanidade, não saberemos nos responsabilizar por nossas ações, sentimentos e pensamentos, e, por consequência, não poderemos atuar naquilo que nos cabe para que a sociedade seja mais justa.
Dito isso, voltamos a nossa pergunta inicial com uma resposta: mudar o mundo é sim nossa responsabilidade! Porém, essa mudança não ocorrerá com protestos, revoluções ou imposição aos demais de uma forma de vida que acreditamos ser a melhor. A história já nos provou que todo tipo de intervenção, nesse sentido, acabou gerando mais guerras, mais destruição e menos unidade entre os seres humanos.
Assim, nossa responsabilidade está em mudar o nosso interior, os nossos pequenos espaços e aquilo que nos cabe. Mesmo que você faça isso, o mundo, infelizmente, ainda continuará um caos, porém, sua vida prática, com aquilo que lhe cabe tocar, sofrerá uma grande mudança. É assim que revolucionamos o mundo, de maneira silenciosa e individual, uma pessoa por vez. O caminho de desenvolvimento, nesse aspecto, é único e não se faz a partir de um crescimento externo, mas sim interno, tal qual uma semente que aos poucos brota e se desenvolve até se tornar uma árvore.
Dito isso, a verdadeira Justiça – não essa que podemos nos enganar como uma convenção social, mas a que tão bem nos elucida Platão no seu livro – pode ser entendida como uma espécie de Harmonia, cada coisa em seu lugar, cumprindo com sua função da melhor forma possível, contribuindo para o Todo, como uma composição musical, onde cada instrumento é responsável para que aconteça a música; como um organismo saudável, em que cada órgão e cada célula recebem o que lhes é próprio e cumprem com sua função, cada um com sua própria responsabilidade.
Então, antes de simplesmente nos queixarmos dos males do mundo e da sociedade, deveríamos refletir sobre qual é o nosso papel nessa imensa orquestra da vida. O primeiro passo para mudar o mundo é mudar a nós mesmos.
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