Na série da Netflix, Cobra Kai, Daniel Larusso e Johnny Lawrence se encontram novamente, décadas após se enfrentarem em um campeonato de karatê. Esse evento é mostrado no filme “Karatê Kid” (1980). Neste longa, que fez enorme sucesso em 1984, os jovens rivais representavam dois caminhos distintos: o da justiça (Larusso) e o da corrupção moral (Lawrence). Lá, Daniel, único discípulo do famoso mestre Miyagi, vence o campeonato regional de karatê, mesmo tendo sido sabotado pela equipe de Johnny, Cobra Kai, que aplicou golpes desleais aos adversários durante toda a competição.
A atual narrativa, que acontece nos dias de hoje, ou seja, mais de 30 anos após os eventos do filme, transfere em sua primeira temporada o protagonismo da história para Johnny e mostra o início do seu arco de redenção. Mesmo após tantos anos, o karateca ainda guarda mágoas e ressentimentos do seu antigo rival e do seu antigo mestre, John Kreese, que o ensinou lições das quais se arrepende de ter aprendido.
Decidido a recuperar o tempo perdido e a mudar seu estilo de vida depressivo e amargo, Johnny reabre o dojo Cobra Kai, conhecido por sua metodologia agressiva e antiesportiva. Porém, dessa vez a tônica da academia de karatê é bem diferente. Disposto a ensinar disciplina e respeito aos seus alunos, Johnny conhece Miguel, um pacato idealista que pretende aprender karatê para se defender de agressores na escola. Inspirado pelo novo ideal que enxerga para Cobra Kai, Lawrence decide ensiná-lo karatê, na esperança de transformá-lo através das artes marciais.
A série, por trás das cenas de ação e comédia, trata de redenção. Ao mostrar a jornada de Lawrence para se tornar um verdadeiro mestre do karatê, a reflexão que Cobra Kai apresenta é que não nascemos maus, e que, ao nos colocarmos a acolher e ajudar os demais, podemos nos redimir dos nossos erros.
Cobra Kai também deixa clara a importância da relação entre mestre e discípulo, uma vez que vai nos mostrando a evolução de Larusso na vida pessoal, tendo tido como mestre o Sr. Miyagi, um sábio sensei que o ensinou harmonia interior, ética e disciplina. Em contrapartida, Johnny Lawrence luta para se desvencilhar dos aspectos negativos aprendidos no passado pelo seu instrutor, John Kreese.
Partindo disso, podemos refletir que, a bem da verdade, nem sempre temos mestres para nos ajudar a enxergar o melhor caminho. Além disso, raramente temos discernimento para entender quando estamos nos deixando levar para longe do ideal por pessoas com más intenções, que nos influenciam de maneira negativa e deformam nosso caráter. Partindo disso, podemos refletir que maus ensinamentos, seja de qual natureza for, não devem ser um peso a ser carregado pelo resto da vida. Nossa personalidade é capaz de aprender qualquer coisa que a ensinamos, inclusive a ser desonesto, imoral ou egoísta, mas esses aspectos são construídos. Mais uma vez: não nascemos maus e não precisamos aceitar uma sentença sem possibilidade de absolvição. A má conduta é uma ferida que pode ser curada. No entanto, exige esforço do aprendiz para que se volte ao caminho do bem. Em nosso caminho de redenção de erros vamos sofrer, pois é preciso nadar contra a forte correnteza que se forma pela soma das consequências das nossas escolhas.
A primeira ferida que encontramos é a da não aceitação. Essa é a ferida que dói em nosso orgulho e, enquanto não iniciamos seu processo de cura, ela nos impede de admitir os nossos erros e, assim, não nos permite ver a oportunidade de mudança. Em seguida, nos dói quando nos damos conta do sofrimento que causamos àqueles que nos amam com nossos erros. Nosso orgulho, mesmo despedaçado, tenta resistir e não nos deixa pedir desculpas, mas, sem sombra de dúvidas, o perdão é essencial nessa jornada: tanto o que desejamos receber dos outros, quanto o nosso próprio.
O caminho para a redenção pode nos causar sofrimento no início. Entretanto, ainda é menos doloroso do que viver praticando injustiça e desarmonia. Como disse Platão, somente o justo conhece os prazeres inteligíveis, de fazer o bem e praticar a justiça, enquanto o injusto só conhece o sabor dos bens materiais e dos prazeres mortais. A redenção, portanto, é uma oportunidade de reescrever uma história que antes estava sem expectativa, sem horizonte, e agora pode sonhar com um final feliz. No entanto, é natural que, ao longo dessa caminhada, sejamos atacados por aqueles que sofreram em nossas mãos e por outros que entendem nossa mudança como sinal de fraqueza. Diante de situações como essa, não devemos nos abalar com as críticas, pois elas não atrasam a nossa jornada. Na verdade, o efeito das críticas, quando bem absorvidas e consideradas com sinceridade, pode até acelerar nosso processo de amadurecimento.
Diante de todos os pontos que apresentamos, podemos dizer que aquele que se redime dos seus erros, frequentemente se torna mais bondoso, generoso e humilde. Se somos capazes de admitir que não somos perfeitos, podemos buscar entender quais são nossas falhas e atitudes negativas para, a partir disso, corrigi-las e mudar nosso comportamento. É provável que isso seja algo muito difícil de se conseguir sozinho, mas não precisa ser assim. Aceitar os ensinamentos dos mestres, por exemplo, é um bom guia nessa jornada. Além disso, aceitar tais conselhos não é submissão, mas inteligência, afinal, precisamos aprender, e se essa é a forma menos dolorosa de fazê-lo, que tenhamos a maturidade necessária para tanto. Sejamos discípulos, para que um dia nossa conduta não seja um exemplo negativo para aqueles que nos admiram. Ao contrário, talvez nossa principal meta no caminho da redenção seja ensinar, a partir de nossa experiência, uma conduta moral reta, baseada no bem, no amor e na sabedoria.