Você já reparou como, de repente, o que antes parecia “coisa de vó” virou moda nas redes sociais? Hobbies como tricô, crochê, xícaras de porcelana, receitas antigas, diários escritos à mão, jardineiras, fitas de cabelo, bolos caseiros e até vitrolas voltaram a ocupar espaço nos feeds do TikTok e do Instagram. Essa estética e estilo de vida, cultivada como moda nas redes sociais, têm nome: Grandmacore.

Sendo uma mistura de nostalgia e resistência ao ritmo acelerado do mundo moderno, o Grandmacore surgiu como uma maneira de relembrar de um tempo em que não existia internet, computadores e que, de certo modo, o tempo passava de maneira diferente. Entretanto, o Grandmacore não é apenas mais uma moda das redes como tantas outras.
Como um modo de cultivar hobbies, ele representa um movimento cultural e, especialmente entre os jovens, tem ganhado força por ser um contraponto a parte da cultura digital comum, que acelera cada vez mais o seu ritmo. Nesse aspecto, o Grandmacore foi criado para buscar um contra-ritmo, ou seja, para cultivar um momento em que o tempo passe devagar, sem a pressa do relógio a nos corroer.
O que é o Grandmacore?
Para entender esse movimento com profundidade, devemos recorrer a sua etimologia. O termo Grandmacore vem da junção de grandma (vovó em inglês) e core (núcleo, estética). Logo, essa forma de vida propõe uma série de práticas das gerações mais velhas, especialmente as das décadas de 1950 a 1980. É curioso entender que não se trata de resgatar os valores daquela sociedade, mas de trazer apenas a sua forma de viver, conectando o passado com o presente.

Diferente de uma simples “moda vintage”, o Grandmacore não se resume à aparência, ou seja, não é apenas vestir-se, mas realmente tentar enxergar a vida longe da correria do tempo moderno. Nesse sentido, tentar desacelerar é um retorno a uma maneira de ver a vida sem o senso de urgência que tudo deve ser respondido imediatamente e sem sentir FOMO, que nada mais é o medo de estar perdendo alguma informação.
Enquanto o mundo moderno valoriza a rapidez, a produtividade e a exposição digital, o Grandmacore celebra o oposto: o tempo dedicado às pequenas coisas. Assim, abre-se espaço para hobbies praticamente esquecidos no mundo moderno e que se tornaram praticamente uma forma de terapia, reclusos a atividades específicas. Os jovens agora, portanto, estão saindo de frente das telas para cozinhar uma receita antiga, costurar uma roupa, cuidar de plantas, escrever cartas. Tudo isso são formas de se reconectar com a vida real e reviver, em algum aspecto, o passado.
Pode parecer contraditório, uma vez que a famosa geração z, que cresceu com o celular na mão e acesso a tudo em segundos, está, agora, apaixonada por práticas do século passado. Entretanto, se pararmos para pensar que tudo que temos em demasia acaba por se banalizar, então faz sentido que a geração com mais tecnologia à disposição acabe por buscar algo que está longe das telas. É como uma pessoa que, após comer muito doce, acaba rejeitando sobremesas por não aguentar mais aquele sabor. Assim, a saturação digital explica o fenômeno.
Os jovens passam horas em frente às telas e fazem praticamente tudo com seus celulares: estudam, se divertem, socializam e até trabalham no ambiente online. Essa hiperconectividade, embora traga benefícios, também gera ansiedade, comparação constante e cansaço mental. Em resposta, muitos começaram a buscar atividades que trazem calma, foco e presença e que não têm um grau de competitividade. Ao fazer um tricô, por exemplo, não há o peso da comparação, pelo menos não nesse primeiro momento. Atividades individuais e que exigem habilidade manual fazem com que o praticante se concentre em apenas uma tarefa, algo quase extinto para a vida atual.

Sendo assim, o tricô, o bordado e o cultivo de plantas, por exemplo, acabaram invadindo as redes sociais e ganharam vida nas trends do TikTok, mas não apenas por serem “fofos”, mas porque oferecem uma pausa do mundo digital. É curioso ver vídeos curtos sobre atividades que, na vida real, exigem paciência e lentidão. O que parece uma contradição – afinal, ninguém faz tricô em um minuto – é apenas uma forma de incentivar outras pessoas a tirarem um tempo para si mesmas, longe do ritmo comum que nos impõe a sociedade.
A estética da calma
Dito isso, no Grandmacore, a beleza está nas coisas que o mundo moderno costuma ignorar. Valoriza-se a toalha de crochê sobre a mesa, o chá preparado com atenção, a roupa feita à mão. Não é sobre luxo, mas sobre ter cuidado com os pequenos detalhes, algo quase perdido no mundo em que estamos vivendo. Essa estética representa um desejo de desacelerar, de fugir um pouco do senso comum.
Além do próprio prazer em realizar tais tarefas, ao avançar nesse campo, nota-se que o Grandmacore não é apenas uma moda, mas também uma forma de lidar com nossa saúde mental. Estudos mostram que atividades manuais ajudam a reduzir o estresse e a ansiedade. Fazer algo com as próprias mãos – seja pintar, tricotar ou cozinhar – ativa áreas do cérebro ligadas à satisfação e à concentração. Para muitos adolescentes, essas práticas se tornam um refúgio emocional, uma maneira de transmutar emoções e conseguir aprender um pouco mais sobre si mesmo e o que realmente gostamos de fazer, além de serem uma forma de aprendermos atividades novas em meio à rotina.
Alguns ainda afirmam que o Grandmacore é, no fundo, um movimento nostálgico. De certo modo, isso não está errado. A nostalgia é o desejo de retornar no tempo, de voltar para um momento do passado em que já não se pode ter e, ao relembrar tais momentos, criamos a ilusão de um tempo perfeito.
De fato, a vida no século XX, no “tempo dos nossos avós”, era extremamente diferente do que vivemos hoje. Isso não significa que tudo que existiu naquele momento era bom, assim como o que vivemos nos tempos atuais não é totalmente ruim. O que o Grandmacore tem como essência é mostrar que essa nostalgia não é apenas saudade do que não se viveu, mas de aprender a se conectar de maneira saudável com esse passado, sem traumas ou medos.
Ao mesmo tempo, esse estilo adotado pelos jovens é também uma crítica ao presente. Quando uma pessoa decide usar roupas de brechó, escrever cartas ou fazer pão caseiro, ele está, conscientemente ou não, questionando o ritmo e os valores da modernidade. Para muitos, isso pode ser apenas mais uma trend, e podemos ter pouca noção do que está sendo feito, porém, a busca por resgatar essa forma “antiga” e fazê-la retornar ao mundo moderno é para, de algum modo, criar um contraponto à cultura comum, algo que é próprio da juventude.

Assim, podemos afirmar que esse é um gesto de resistência contra o imediatismo, o consumo em massa e a lógica de “atualização constante” das redes. Ao escolher o velho e o manual, o Grandmacore propõe uma nova forma de ser moderno: a de não se deixar consumir pelo novo.
O papel das redes sociais na romantização do passado
Cabe, porém, um alerta importante a ser feito: o perigo de romantizar demasiadamente o passado. As redes sociais transformam o Grandmacore em algo esteticamente irresistível, mas há um perigo de confundir estética com essência. O passado, tal como era, não pode retornar, mas sim manter sua essência através de novas formas. Quando queremos copiar estritamente um mundo que já não existe, podemos romantizar um período que, a rigor, nada tinha de romântico.
Essa estética perfeita, portanto, é apenas outra ilusão. Nem todo mundo tem uma cozinha campestre com vista para um pasto amplo ou uma vida perfeita em que se pode sentar em uma cadeira de balanço e se dedicar ao tricô por horas a fio. Quando a estética se torna idealizada demais ela pode gerar o mesmo tipo de comparação e ansiedade que o movimento tenta combater, ou seja, acaba se tornando o inimigo que tanto deseja enfrentar. Por isso, é importante lembrar: o Grandmacore não precisa ser bonito, só precisa ser verdadeiro.
Para isso, é fundamental ter autenticidade. Esse é um dos conceitos mais valiosos entre os jovens, afinal, essa é a fase da vida em que queremos encontrar quem realmente somos. Entretanto, na era das redes sociais, ser de fato autêntico virou um desafio: o que significa ser verdadeiro quando todos estão se mostrando o tempo todo? Seria possível encontrar autenticidade em um mundo que vive da aparência?
O Grandmacore oferece uma pista para enxergar essa virtude. Ele propõe uma autenticidade que não visa a performance, algo tão estimado nos dias atuais. Não se trata de ser o melhor nos seus hobbies, nem de fazer apenas para aparecer, mas encontrar aquilo que faz abrir um sorriso no rosto, que acalma sua mente e não deixar se perder no meio de tantas novidades. Trata-se de encontrar o prazer em fazer algo por si mesmo. Nesse sentido, o Grandmacore devolve aos jovens um tipo de intimidade consigo mesmos que as redes sociais não podem oferecer.
O Grandmacore e a educação emocional
Por fim, uma das valiosas lições que essa nova trend tem mostrado é a importância de cultivar uma vida emocionalmente saudável. O Grandmacore incentiva o autocuidado e a atenção plena, uma vez que suas atividades só podem ser feitas quando estamos concentrados em realizá-las. Mesmo que possa parecer algo “automático”, costurar, escrever e cuidar de plantas não são hobbies que podemos fazer sem estar presentes. Assim, além das habilidades objetivas que aprendemos, podemos também nos deparar com valiosas lições sobre paciência, foco e presença, virtudes que carecem no mundo atual.

Muitos jovens relatam que, ao adotar esses hábitos, sentem-se mais calmos, criativos e conectados consigo mesmos. Essas práticas simples ajudam a desenvolver inteligência emocional, algo que a escola e a internet nem sempre ensinam. Nesse sentido, o Grandmacore não é apenas uma estética, mas uma forma de educação afetiva e sensorial, uma reconexão com o que é humano.
É provável que essa seja a maior lição do Grandmacore: a de que o futuro não precisa ser uma corrida. Quando aprendermos que não estamos competindo uns com os outros, mas que devemos nos ajudar, isso sim será a grande revolução do nosso tempo. O Grandmacore é apenas um lembrete, uma possibilidade diante de uma vida que exige cada vez mais um ritmo antinatural em nossas vidas. A sabedoria está em aprendermos a conciliar o que o mundo nos exige com nossa verdadeira identidade, que não está ligada com os nossos hobbies, mas estes podem nos ajudar a encontrar um ponto de equilíbrio entre o presente e o passado, entre a forma que precisamos assumir e nossa verdadeira essência.
Curtiu mergulhar no Grandmacore? Para ampliar o debate sobre estéticas virais e autenticidade, leia no Portal Feedobem “O Que Está Por Trás da Tendência Que Domina as Redes? #Coquette”. Esse texto analisa a origem da tendência, como o TikTok/Instagram aceleram ciclos de moda, os riscos da idealização e caminhos para manter autonomia diante do algoritmo — um contraponto perfeito para quem deseja desacelerar sem cair na performance.




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