Há um ditado popular que diz “a esperança é a última que morre”. Já ouviram falar nele? Em nossas Vidas, ele se aplica em diversas situações em que esperamos, de forma milagrosa, que uma situação seja revertida. Apesar de ser comumente associada a coisas impossíveis ou mesmo a uma fé irracional, é inegável o poder da Esperança na psique Humana, bem como o seu valor nos momentos mais difíceis de nossas Vidas. É nela que nos agarramos quando vivenciamos momentos difíceis e mesmo que haja uma pequena, ou quase nula, possibilidade de mudança no cenário em que estamos presenciando, ainda assim confiamos que tudo é possível.
De maneira geral, define-se a Esperança como uma crença na possibilidade de resultados positivos. Assim, a utilizamos nos mais diferentes contextos sociais: temos a Esperança de um Mundo Melhor; que nossos filhos consigam realizar seus Sonhos e sejam Felizes; acreditamos que, ao fim do dia, seremos pessoas melhores do que quando acordamos. Todas essas ideias envolvem, naturalmente, uma perspectiva de mudança. Mas será que podemos reduzir o sentido da palavra apenas a esse desejo de que coisas boas irão acontecer? Ou será que a Esperança, em seu sentido mais profundo, envolve não apenas esperar que algo Bom ocorra, mas trabalhar em prol disso?
Partindo dessas questões, para compreendermos melhor, iremos recorrer aos Antigos Gregos. Em sua vasta Mitologia, os Antigos habitantes de Hélade também tinham uma Deusa que estava associada à Esperança: Élpis. Estudaremos, portanto, seu mito e simbolismo para extrair os sentidos que envolviam essa antiga e mágica virtude Humana.
Para conhecermos Élpis, entretanto, é fundamental entendermos um outro mito bastante conhecido na Mitologia Grega: o da caixa de Pandora. Retornemos assim à mitológica história da primeira mulher criada para a Civilização Grega, e a saga dos irmãos Prometeu e Epimeteu para ajudar a Humanidade a evoluir.
Tudo começou, segundo a Mitologia, com Prometeu. Esse titã, filho de Jápeto e Tétis, tinha o dom de enxergar o futuro antes que ele acontecesse e assim, ao observar a Humanidade, vislumbrou naqueles primitivos seres, o potencial de tudo que iremos ser um dia. Porém, Prometeu percebeu que o futuro brilhante da Humanidade estava muito distante e teve uma ideia: acelerar a sua Evolução. Para isso, ele lhe ensinaria a usar o fogo Divino, dádiva que somente os mais altos seres celestes poderiam ter. Decidido a quebrar as regras de Zeus, Prometeu então rouba o fogo Divino que se mantinha, permanentemente, aceso no Monte Olimpo.
Com essa intenção, Prometeu se lança à terra para conceder a Divina capacidade de manusear o fogo e ensinar aos homens a utilizar a sua mais nova arma. Porém, os planos do titã não duram muito, pois do alto da morada olímpica, as Divindades observam os focos luminosos advindos da, até então escura, Terra. Zeus percebe que os homens estão utilizando o fogo e descobre o feito de Prometeu. Como punição, o titã é acorrentado a uma rocha e, todos os dias, uma águia vai ao seu encontro comer-lhe seu fígado, que se regenera toda noite, tornando assim o castigo de Prometeu eterno.
Porém, o castigo que Zeus impunha ao titã não era suficiente. Então, a Justiça Divina se voltava agora para a Humanidade que Prometeu amava. Com a ajuda de Hefesto, o ferreiro dos Deuses, foi construída Pandora, a primeira mulher Humana. Junto a ela foi fabricada uma caixa, que, na verdade, para os Antigos Gregos, era mais uma espécie de jarro e neste recipiente foram colocadas todas as mazelas do mundo: doenças, guerras, ódio, vingança etc. O papel de Pandora era de casar com o irmão de Prometeu, Epimeteu, que estava na terra, auxiliando seu irmão em ensinar aos homens. Epimeteu, diferentemente do seu irmão, só era capaz de enxergar suas ações após tê-las executado e, devido a essa curiosa característica, encantou-se rapidamente por Pandora. Ao se encontrar com a sua futura esposa, ele não enxergou, a tempo, a armadilha dos Deuses Olimpianos.
Assim, após seu casamento, Pandora passava os dias carregando seu jarro junto ao seu marido. Um dia, quando Epimeteu não estava próximo, Pandora não conteve sua curiosidade sobre o conteúdo que havia dentro do seu jarro. E, ao abrí-lo, porém, a mulher teve uma triste surpresa: acabara de deixar escapar todos os males do mundo, trazendo à toda Humanidade os grandes problemas que, até os dias atuais, lutamos diariamente para contornar.
Agora, no entanto, é bem provável que Você, caro leitor, esteja se perguntando: onde está Élpis, em meio a esse mito? Qual é a relação da Esperança com a caixa de Pandora? Élpis, a Esperança, é a única coisa que se mantém dentro da caixa. Pandora, assustada com a liberação de todos os males, fechou-a antes que todos escapassem.
Há, ainda hoje, diversas ideias quanto a Élpis e seus símbolos. Para alguns, por exemplo, o fato dela se manter dentro da caixa de Pandora revela o aspecto negativo da Esperança, sendo esse sentimento mal visto pelos Gregos. Porém, Élpis era cultuada em diversos momentos da Vida cotidiana dos habitantes de Hélade, portanto, não nos parece real que ela tenha um sentido negativo. Por outro lado, há quem diga que o fato dela se manter na caixa de Pandora é o que dá a oportunidade da Humanidade de se livrar desses males, pois a qualquer momento, pode abrir e contemplar a Deusa que fica guardada. É também daí que vem a ideia de que ela é a “última que morre”, pois está guardada e segura.
Mas vamos por partes. Iniciemos com os símbolos que a Deusa contém e o seu significado dentro do mito de Pandora. Élpis é representada como uma mulher jovem que distribui flores a quem encontra no seu caminho. Essas flores são, em última análise, os presentes que a Esperança nos dá. De acordo com o mito, no entanto, Élpis também é a Deusa do sofrimento, tendo assim esses dois grandes atributos. Mas qual a relação entre a Esperança e o tormento?
Quem já rezou pela cura de uma doença, ou vivenciou momentos duros como a estadia em hospitais, entende bem a relação entre esses dois atributos. Aqueles que têm esperança, naturalmente, como já falamos no começo deste texto, esperam por algo. Assim, quando desejamos a reversão de um quadro clínico complicado, ou mesmo a mudança de um estado atual, estamos compartilhando duas sensações: a do sofrimento pelo que estamos vivendo e a Esperança de que, no futuro, tudo dará certo. Esses dois sentimentos, invariavelmente, andam lado a lado.
Não por acaso, as irmãs de Élpis, na mitologia Grega, são as Moiras, senhoras do destino Humano que tecem o fio da Vida. Assim, a Esperança está – e sempre estará – associada aos momentos mais difíceis que enfrentamos em nossa Vida. Certamente é ela que nos sustenta em meio ao sofrimento e, talvez por isso, Élpis estivesse no fundo da caixa de Pandora, misturada a tanta dor e debilidades Humanas. No fundo, é a Esperança que faz com que resistamos às intempéries do dia a dia, e às mais dolorosas experiências. Dito isso, é impensável acharmos que Élpis seja apenas mais uma mazela Humana que foi contida na caixa da Pandora. A Esperança, portanto, torna-se muito mais a nossa capacidade de acreditar na mudança do que, necessariamente, mais uma forma de sofrer.
Por fim, devemos refletir sobre como alimentamos ou destruímos as nossas Esperanças. A bem da verdade, há casos em que a ela se transforma em uma ilusória fantasia de que tudo, quase como um passe de mágica, dará certo. Sabemos que milagres de todos os tipos existem, mas eles são a exceção à regra. Não queremos dizer, porém, que não devemos cultivar uma saudável Esperança, apenas como um desejo de mudança para um cenário positivo, mas é necessário que também façamos a nossa parte, atuando em direção a essa transformação. Assim, a Esperança se tornará um meio ativo frente ao que podemos mudar.
Colocando essa mística em ação, podemos viver a Esperança em diversas situações mas, em geral, atuando sobre nossa própria realidade. Considerando essa perspectiva, podemos acreditar não apenas na mudança do mundo, mas que nós também podemos ser a mudança que queremos presenciar em nosso cotidiano. Assim, Élpis estará protegida e sempre poderemos recorrer à sua Benevolência, ao abrirmos a caixa de Pandora, no entanto, não para espalhar os males que já estão no mundo, mas sim para contemplar a força da Esperança que reside em cada um de nós.