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Momo e o Senhor do Tempo

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Momo era uma menininha que não lembrava de onde vinha, quantos anos tinha, quem era ou onde estavam seus pais, e nem mesmo seu nome verdadeiro sabia dizer. Acolhida pelos carinhosos moradores de uma pequena vila, foi encontrada vivendo nos corredores debaixo das ruínas esquecidas de um antigo anfiteatro, que marcava a lembrança de um tempo remoto em que a arte juntava mentes curiosas e inquietas para representar os mistérios e belezas da vida, do Universo e tudo mais. Um lugar que, depois de tanto tempo abandonado, não passava de um ponto turístico pouco visitado, pintado de um verde desbotado pelo mato selvagem que cobria tudo de cima a baixo.

A garotinha usava roupas que encontrava por aqui e por ali, que serviam ao que se propunham, mas raramente estavam adequadas ao seu tamanho. Se cobria com um paletó cujas mangas iam até seus joelhos, mas que preferia não cortar pois sabia que estava crescendo, e uma peça tão bonita e bem cuidada como aquela não veria de novo tão cedo, além disso, servia para lhe proteger do frio todas as noites. Seus sapatos eram de números e cores diferentes, e faziam um barulho estranho quando andava. O maior vivia escapando do pé, e o outro sofria para manter os cadarços velhos amarrados e sem arrebentar.

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Momo recebia atenção de todos os moradores da vila, que lhe traziam comida, companhia, alguns pedaços de roupas que não lhes serviam mais, e alguns até lhe fizeram móveis bem simples, como uma pequena mesa e um ou dois banquinhos.

Apesar de tudo, Momo sentia-se bem. Não conheceu conforto, então não sabia que poderia sentir sua falta. Era muito querida na vila, ao ponto de se tornar um tipo de mascote, de talismã. Quando angustiavam-se, as pessoas costumavam procurá-la para que fizesse o que sabia de melhor. Era como um talento especial, daqueles que rapidamente reconhecemos nas pessoas que os tem, e quando precisamos, recorremos imediatamente a elas. Um vizinho que chegava preocupado ao anfiteatro, logo saía com um sorriso no rosto agradecendo a Momo, como se ela tivesse lhe tirado um espeto encravado do pé. E como todos os talentos natos, a menina o tinha sem saber, e o empregava sem perceber. O efeito, porém, era nítido. As pessoas já diziam umas às outras quando se chateavam, se irritavam, ou brigavam entre si: “Ora, vá falar com Momo, ela irá te ajudar”. Esse talento, quase um super poder, na verdade era algo simples, Momo tinha o poder de ouvir. De uma forma difícil de entender, ela o fazia de um jeito especial, atento, dedicado. Não dizia uma palavra, apenas ouvia, e observava carinhosamente quem a procurava. Os vizinhos diziam sentir algo diferente, como se fossem compreendidos, como se ouvissem Momo os aconselhar, mesmo que não fosse dita uma única palavra. Os problemas que pareciam impossíveis de se resolver, encontravam rápidas soluções quando Momo os escutava atentamente, como se já estivessem lá o tempo todo.

A vida na vila tinha seus altos e baixos, mas eram todos muito felizes. As paisagens belas do fim da tarde acalmavam o coração dos inquietos. A brisa da manhã refrescava os sentimentos, e o Sol vigoroso, mas gentil, iluminava os pensamentos dos bem dispostos. Os dias passavam com serenidade, e com alegria.

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Tudo ia bem, até que apareceram por lá uns homens de ternos escuros, com caras cinzentas, fechadas, carregando pastas que pareciam pesadas e recheadas de algo muito valioso. Primeiro foram à barbearia, depois à mercearia, à cantina, e assim passaram por todos os lugares. Sempre que terminavam uma visita, deixavam as pessoas com caras sisudas e pensativas, de preocupação e receio. Aqueles homens prometiam o enriquecimento da vizinhança, com quase nenhum esforço. Se lhe dessem o que era pedido, garantiam que seria tudo guardado em um banco especial, e investido por especialistas para que ficasse maior e no final, quando seus clientes fossem usufruir, teriam uma enorme quantidade de recursos à sua disposição, para utilizar como bem entendessem. Mas não se tratava de dinheiro. Os homens engravatados não queriam ouro, jóias, nem outras riquezas como essas. Eles queriam tempo. Asseguravam que cada segundo investido pelo poupador, seria aplicado à taxas excelentes, que faziam parte de complicadas equações que davam a impressão de que tudo aquilo fazia algum sentido, mas não passavam de distrações para convencer os vizinhos.

Mesmo que uma ideia como essa pudesse parecer absurda, parecia estupidez não aceitá-la depois de ouvir os argumentos super convincentes dos homens de ternos escuros. Por que não investir seu tempo que não está sendo usado? Por que não trocar alguns segundos de pôr do sol hoje, por alguns minutos daqui a algum tempo? Parecia uma excelente ideia. Um plano infalível de verdade.

Aos poucos, todos foram se tornando poupadores, e depositavam seus segundos não utilizados no banco especial do tempo. Um belo passeio de casa até a padaria já era um ou dois minutos mais curto. As conversas em torno da lareira nas noites frias já eram menos profundas, pois deveriam terminar logo, de modo que o tempo não fosse desperdiçado e rendesse bastante no banco. A cantoria na cantina que costumava durar várias horas, já contava com menos músicas, e assim, tudo foi sendo enxugado, limado. Gastar o tempo com essas bobagens significava perdê-lo para sempre.

Os muitos amigos de Momo começaram a lhe procurar cada vez menos. Uns deixaram de aparecer por completo. Nada daquilo fazia sentido para a menina. Se antes bastava esperar para que viessem lhe ver, agora ela mesma precisava ir atrás de seus vizinhos, e assim ela viu como tudo estava mudado. Se antes as pessoas poupavam apenas alguns minutos supostamente desperdiçados em algumas atividades bobas, agora já haviam cortado completamente muitas coisas de suas vidas, como conversas, brincadeiras, passeios, jogos, e tudo que não parecesse útil, para economizar cada vez mais tempo. Ninguém mais tinha tempo para conversar com Momo. Mesmo que estivessem passando por dificuldades, angústias ou brigas, não queriam se ocupar com a tal garota, que no fim das contas não lhes ajudava em nada, já que só ficava quieta lá, ouvindo e fazendo-lhes perder tempo, diziam. Os rostos amargos e mal humorados começaram a crescer em quantidade, e os passos de quem andava por ali já eram mais rápidos e precisos. Se antes era difícil ver alguém triste, hoje era quase impossível enxergar um sorriso.

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A história de Momo, escrita por Michael Ende, mesmo autor do clássico fantástico “História Sem Fim”, nos atira numa casa de espelhos, onde somos capazes de nos ver refletidos em quase todos os lados para onde olhamos. Nos pegamos impacientes esperando um elevador, e apertamos duas ou três vezes o botão para que chegue mais rápido, mesmo que isso não funcione. Atravessamos a rua pouco antes de o sinal ficar verde para os pedestres, porque achamos uma brecha para correr entre os carros e economizar alguns segundos. Uma conversa pessoal, que já era evitada em troca de uma conversa mais econômica por telefone, hoje já é preferencialmente substituída por mensagens de texto, que nos poupam mais tempo. Felizes de nós quando essas mensagens vão além das figurinhas e carinhas engraçadas, que já estão às portas de se tornarem uma nova língua, com parágrafos inteiros de significado substituídos por dois ou três ícones, tornando toda a profundidade que faz da comunicação uma verdadeira ferramenta da Filosofia, numa poça mal enxugada de dados rasos. O que faremos com esses segundos economizados? De que forma eles nos serão úteis em outro momento? O Sol se põe todos os dias, mas, nunca da mesma forma. Um homem nunca pode se banhar no mesmo rio mais de uma vez, pois o rio que corre nunca será o mesmo, e o homem que vive, tampouco, como disse Heráclito.

Nossas experiências são a nossa vida. Vivemos uma vida única, cada um de nós. Por mais que sejamos parecidos uns com os outros, somos únicos nos mínimos detalhes. Existem certas coisas que só acontecem quando temos quinze anos. Ou quando passamos dos trinta. Outras acontecem por toda a vida, mas, nos ensinam coisas diferentes a depender de quem somos quando nos deparamos com ela.

A perda de um amor aos dezesseis anos fala com nossos sentimentos de forma completamente única e diferente do que quando isso acontece aos oitenta. Um determinado presente de aniversário em sua infância não terá o mesmo sentido do que quando você estiver na meia idade.

Nessa vida focada no utilitarismo, que começa depois de nos formarmos na escola ou na faculdade, e vai até a véspera de nossa aposentadoria, nós fingimos que estamos no controle de nossas experiências, mas na verdade estamos somente adiando mais e mais a nossa verdadeira felicidade. Trabalhamos duro e deixamos de nos divertir, de descansar, de sermos criativos e de aproveitar a companhia dos que amamos durante décadas. Fazemos isso confiando na promessa de passar o mais rápido possível por todo aquele momento de preparação, que são os estudos e o trabalho, e chegar no momento que vamos desfrutar, “sacar” da nossa conta todo o tempo poupado. Mas o tempo não pode ser contido. Quando abrimos nosso cofrinho e nos deparamos com um triste espaço vazio, ficamos surpresos… Mas a tragédia já estava anunciada. Quando velhos, não temos mais o mesmo vigor para fazer longas viagens que sonhávamos na juventude, nem o mesmo interesse em conhecer as pessoas que achávamos que nos entenderiam e nos completariam. Não tivemos nossos filhos quando queríamos tê-los, e por isso não conseguimos formar uma boa conexão e criar boas memórias com eles.

Somos Momo, ou somos poupadores? Se fossemos Momo, saberíamos que a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios, como disse Chaplin. Teríamos certeza que não só não é possível guardar o tempo, como também não é possível impedi-lo de marchar, não é possível impedir que os grãos de areia dentro da ampulheta caiam uns sobre os outros. Tudo o que sabemos é que vamos usá-lo, querendo ou não, e depende de nós, de nossos ideais, se cada um desses grãos será bem aproveitado ou não. Depende de nós entender o que de fato significa esse aproveitamento. O que vale a pena fazer, o que vale a pena abandonar, o que vale a pena experimentar. Quantas pessoas ao leito de morte se lamentam por terem demorado demais para atravessar a rua ou para aguardar o elevador? Praticamente nenhuma. Por outro lado, quantas tantas se lamentam por terem passado pouco tempo com a família e com os amigos?

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Fazer parte da vida das pessoas que se ama é também tê-las em sua vida. Trocar um bom momento com a família por mais horas de trabalho, para lhe garantir dinheiro o suficiente para que sua família viva bem sem você, é um verdadeiro desperdício de tempo. Entrar numa briga para provar que está certo, gerando uma discussão infindável, é uma perda de tempo irreparável. Ao invés disso, poderíamos aproveitar a oportunidade de criar uma bela amizade, dando ouvidos a alguém que, mesmo que pense diferente, tem um sentimento por nós e quer o nosso bem. Quantos personagens memoráveis, de mitos e da ficção, conhecemos que viveram eternamente e foram infelizes para sempre, enquanto muitos outros morreram defendendo o que acreditavam, com a certeza da missão cumprida?

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Vivamos mais o Agora, enquanto ainda é presente, pois esta experiência é a verdadeira dádiva do tempo. Devemos nos preparar para o futuro, sem dúvida, mas nunca vivê-lo antes que se torne de fato nosso presente. Não sabemos ao certo o que a vida nos reserva, nem exatamente o que acontecerá nos próximos minutos. A vida tem seus próprios planos, que podem ou não se cruzarem com os nossos, e certamente na maioria das vezes não se cruzarão. Estejamos vivos hoje, para que tenhamos do que lembrar amanhã. Façamos o bem hoje, para que no futuro ele nos aguarde de braços abertos, pronto para nos receber.

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