Há uma antiga frase que diz: “um povo que não conhece sua história está fadado a repeti-la”. Junto a essa sentença, há outra que aponta para a importância da história em nossa vida pessoal e coletiva: “A história serve para lembrar ao mundo o que ele não pode esquecer”. Dito isso, é fundamental que saibamos os ditames dos tempos passados, pois só podemos entender o mundo atual se olharmos para trás e enxergarmos os eventos que nos levaram até aqui.
Levando tais ideias em consideração, é comum que grandes personagens da História sejam, de tempos em tempos, esquecidos e relembrados. Não podemos esquecer que a escrita do passado é feita, afinal, por seres humanos e historiadores – assim como todos nós – que têm tendências e desejos que influenciam na sua maneira de analisar os fatos. Por isso, devemos nos esforçar para enxergar o passado tal qual ele foi, sem julgar com uma mentalidade dos dias atuais os atos de alguém com uma cultura completamente distinta da nossa.
Apesar desses fatores limitadores, é notável também como muitas pessoas, algumas conhecidas e outras legadas ao anonimato, foram capazes de superar as adversidades do seu tempo e ter uma postura humana perante os desafios sociais que existiam – e ainda existem – em nossa sociedade.
Uma dessas pessoas foi Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bourbon e Bragança. Não a conhece? Popularmente chamada de “Princesa Isabel”, essa monarca foi uma peça fundamental no combate à escravidão e entrou para a História como “a redentora”, pois foi quem assinou a Lei Áurea de 13 de maio de 1888, extinguindo a escravidão no Brasil. Sem dúvida esse é um marco para a História do Brasil, um fato ocorrido tardiamente e com uma série de ressalvas, visto que grande parte da elite brasileira não aprovava tal medida. Ainda assim, o caráter de urgência na igualdade social entre os povos escravizados e os cidadãos brasileiros estava acima de qualquer interesse econômico, sendo uma responsabilidade moral do nosso país.
Antes de entrarmos nesses detalhes, porém, faz-se necessário conhecer um pouco sobre a Princesa Isabel e as razões que a levaram a lutar a favor da abolição da escravatura. Nascida em 29 de julho de 1846, Isabel do Brasil era a filha mais velha do imperador D. Pedro II. Por ser a primogênita, é natural pensarmos que Isabel era extremamente poderosa, afinal, era a futura herdeira do trono brasileiro. Ao longo de sua estadia no Brasil, inclusive, ela assumia o comando da nação sempre que seu pai viajava para fora de nossas fronteiras. Entretanto, apesar de possuir tamanho poder e privilégios, ela era uma senhora pacata, discreta, mãe de três filhos e ainda havia sofrido dois abortos espontâneos e um parto de uma criança natimorta. Era comum não gostar de estar no centro do poder e, de maneira geral, mantinha-se distante dos despachos imperiais, apesar de ter sido justamente em um dos seus compromissos com a nação que a princesa assinou talvez a mais importante lei de nossa História.
Isabel teve uma formação católica. Muito fiel ao Papa, tinha hábitos conservadores, mas ao mesmo tempo suas ideias estavam na vanguarda do seu tempo. Ela foi um expoente do movimento abolicionista, por exemplo, e sua formação intelectual se inclinava para uma visão iluminista. Além disso, a princesa estudou literatura, astronomia, química, economia política, geografia, geologia, entre outras, e falava fluentemente francês, inglês e alemão.
Poucas pessoas sabem, mas a Lei Áurea não foi a única lei aprovada por Isabel. Em verdade, a monarca também é responsável por sancionar outras leis que puseram um ponto final na escravatura, a Lei do Ventre Livre, que alforriava toda criança nascida de pais escravos e, posteriormente, a Lei Áurea, que aboliu definitivamente a escravidão.
Consequentemente, tais ações geraram o desconforto de parte da elite brasileira. Devemos lembrar que nessa época o principal setor de nossa economia era a agricultura, mais precisamente a comercialização do café. Nas grandes fazendas cafeicultoras, trabalhavam os escravos, submetidos a tratamentos desumanos e uma jornada de trabalho que os levava à morte precocemente. Dentro dessa situação de exploração, o fim da escravidão gerou um abalo econômico para os fazendeiros, que a partir de então precisavam contratar trabalhadores livres para suas plantações. Não por acaso, apenas um ano depois de abolição da escravidão, foi proclamada a República, em 15 de novembro de 1889. O golpe de Estado foi apoiado pela elite brasileira, detentora de parte do poder político e pelo exército, que destituiu D. Pedro II de sua posição de imperador e expulsou a família real do Brasil.
A história pessoal dessa princesa revela muito sobre como a ideia do republicanismo foi utilizada ideologicamente por uma elite para depreciar o Império, destruir o regime e tomar o poder. A biografia de Isabel revela também o quanto somos injustos com nossa própria história, uma vez que não buscamos conhecer a fundo os fatos que marcam a nossa sociedade, seus personagens e as motivações de cada um frente ao que ocorreu.
Um exemplo disso está no próprio fato da Proclamação da República. Muitos afirmam que D. Pedro II se mostrou passivo frente a insurgência do exército e que isso era, na verdade, uma prova dele ser um governante “fraco”. Porém, é fato que o imperador não queria ver uma guerra civil sendo travada entre os filhos da mesma pátria e por isso desestimulou aqueles que estavam prontos para lutar para a manutenção da monarquia. A nossa princesa também não fez resistência, não incitou nenhum movimento de retomada do poder e acolheu resignadamente o curso da História, deixando sua pátria com “o coração despedaçado de tristeza por estar deixando o país que amava tanto”, como escreveu em seu diário. Somente 32 anos depois é que a República retirou o banimento, mas não tinha mais como a princesa voltar, pois já estava em seu leito de morte.
Os sofrimentos que o governo brasileiro lhe provocou foram irreparáveis: no exílio, viu falecer primeiro sua mãe, nas primeiras semanas após a sofrida viagem marítima até Lisboa; depois seu pai, o Imperador D. Pedro II, em Paris, que morreu em um hotel; em 1915 amargou o falecimento do seu filho mais novo, Antônio, que fora recrutado para a I Guerra Mundial e morreu dos ferimentos causados por um acidente aéreo; e em 1920, enterrou seu segundo filho, morto depois de sofrer com uma longa doença.
Exilada, longe do seu país, padecendo por perdas sucessivas de pessoas que amava tanto, a princesa foi adoecendo gradativamente: perdeu a mobilidade das pernas, vindo a falecer aos 75 anos, em 14 de novembro de 1921.
Por fim, é válido apontar que a história da princesa Isabel é, antes de tudo, um símbolo de como estamos esquecendo os nossos heróis. Não estamos falando de Santos, pessoas perfeitas, mas sim de heróis: aqueles que sacrificam sua própria existência e condição pela Justiça, Bondade e demais valores humanos. Vivemos outros tempos agora e já não nos cabe desejar um passado que não existe. Devemos, acima de tudo, olhar para o futuro e ter como base esses símbolos que, mesmo nos momentos mais sombrios de nossa História, foram capazes de lançar luz sobre a escuridão e revelar, mais uma vez, a verdadeira natureza humana, aquela ligada ao Belo, o Bom e o Justo, como diria Platão. Deixemos de lado o senso comum e a visão errônea que muitos carregam da Princesa Isabel e D. Pedro II e passemos a reconhecer o valor de seus atos para a História do Brasil e de todos os brasileiros.