Mais do que personagens que arrastam multidões em busca de entretenimento, mais do que um padrão ideal que nos lembra o quão ordinários nós somos, a figura do Herói sempre existiu na história da humanidade, em diversas tradições, para nos lembrar o quão grande podemos chegar a ser como seres humanos.
As grandes aventuras, os poderes mágicos, os dilemas morais e a capacidade de superação nos servem não só como diversão, mas nos lembram intuitivamente quantos dragões, na forma de nossas limitações internas, quantos mares sem fim, na forma de situações que parecem não nos levar a canto nenhum, quantas provas, que atualmente chamamos somente de problemas, a vida nos coloca para que consigamos crescer como seres humanos, ou seja, sermos heróis de nós mesmos. É por isso que existe todo este nosso encantamento por heróis e heroínas ao longo da história, porque esta jornada fala sobre nossa vidas.
Mas para entender esta Jornada do Herói, é preciso perceber que a vida fala conosco através de símbolos, como bem nos elucida o mitólogo Joseph Campbell, assim como o psicanalista Carl Jung. Uma flor que um namorado entrega à sua amada, além de flor, também é símbolo de amor. E não somente do sentimento de uma pessoa para outra, a flor também é um símbolo do amor da própria Natureza para conosco, sempre se doando sem nos cobrar nada em troca. A maneira como falamos, como nos vestimos, como fazemos nossas escolhas são símbolos dos nossos valores. Grandes mentes já nos ensinaram que a Vida é uma grande mestra, e quando ela quer nos dizer algo, essa mensagem vem em forma de pessoas, de situações, de provações, etc. De outra forma, como desenvolveríamos paciência, senão esperando na fila do pão? Ou tolerância, senão convivendo com alguém que tem valores diferentes dos nossos?
Platão nos dizia que quando é necessário comunicar algo de muita profundidade, algo que somente a razão humana não conseguiria alcançar, então essas verdades são transmitidas em forma de mitos, ou em parábolas, como fazia Jesus. Esta é a linguagem da Jornada do Herói, são narrativas cheias de fantasias e poderes mágicos, mas que devem ser entendidas com o coração, com a intuição.
Após estudar vários mitos em diversas tradições, Joseph Campbell percebeu que existe uma estrutura básica desta jornada, chamada por ele de “Monomito”, que pra nós, vale a pena investigar justamente para percebermos a semelhança com nossas aventuras no dia-a-dia. Vale a pena a gente lembrar que Campbell é aquele mesmo co-autor de Guerra das Estrelas (Star Wars) com George Lucas. Aquele mesmo que influenciou tantas histórias que até hoje conhecemos quase como uma fórmula mágica de sucesso de livros e filmes.
Os 12 passos da Jornada do Herói:
- Mundo Comum : a vida normal, antes da aventura começar.
- O chamado à Aventura: um desafio se apresenta.
- Recusa ao chamado: por medo, o Herói recusa ou demora a aceitar o chamado.
- Encontro com o Mestre que ajudará na Aventura.
- Primeira prova: abandona o mundo comum e entra no mundo mágico.
- Provas e Tentações – a barriga da baleia: O herói enfrenta testes e encontra aliados, enfrenta inimigos e aprende as regras deste mundo novo.
- Aproximação – As pequenas vitórias.
- Ida ao Inferno – A maior prova de todas.
- Recompensa – Que é algo que poderá ajudar a todos, não somente a ele, a viver num mundo melhor.
- O caminho de volta – Deve voltar para a vida comum.
- Ressureição – Novamente enfrenta um teste que deverá usar tudo que aprendeu.
- Regresso – Volta para casa com a recompensa.
Todo Herói começa sua jornada com uma prova que lhe chama à aventura, mas que requer altruísmo. Ou seja, alguma necessidade da vida que só ouve o chamado aquele coração que já não estiver carregado de tanto egoísmo, que não pensa somente em si próprio, mas principalmente no bem dos outros, da humanidade.
Geralmente, nós tendemos a fazer nossas escolhas através do critério do “eu gosto” / “eu não gosto”, mas há tantas necessidades na vida que só serão cumpridas se sairmos da nossa zona de conforto, se nos movermos por valores mais elevados como a justiça, a generosidade, a bondade e a compaixão. Nem sempre estes caminhos nos levam ao prazer, ao bem estar, mas o que a Jornada do Herói nos ensina é que a vida, fazendo este chamado, espera de nós que cresçamos para poder vencer estas provas.
Sempre há um vilão que, dependendo do seu tamanho, revela também o quão grande é o nosso Herói. Não é assim também na vida? Apesar de serem grandes os problemas que temos, será que podemos dizer que nossas provas são fardos maiores do que podemos carregar? Quanto maiores nos tornamos como seres humanos, maiores serão os nossos vilões e as nossas dificuldades.
Iniciada a jornada, depois do medo inicial, da hesitação diante da prova, é comum percebermos que os heróis de repente descobrem uma arma mágica, um poder mágico e, com este item, se bem desenvolvido, acabam conseguindo vencer todas as etapas desta aventura.
Nas nossas vidas, por maiores que sejam os nossos problemas, sempre tem algum elemento em nós, algum valor, alguma virtude, que nem sempre conseguimos enxergar, mas que é o elemento mágico que possibilita a nossa vitória. Pode ser a capacidade de persistir, a coragem, a disposição para o trabalho, ou mesmo uma memória que nos motiva… São inúmeros estes valores humanos que podemos encontrar na nossa jornada, e que nos ajudam a passar pelas horas mais sombrias de nossas vidas. São essas as nossas armas mágicas.
Os Heróis também sempre contam com o apoio de um Mestre, alguém com maior sabedoria e que ilumina o caminho que o Herói terá que trilhar. Quem são estes senão aqueles seres humanos que nos ajudam com uma palavra mais sábia? Às vezes uma pessoa que quer o nosso bem e nos dá bons conselhos, ou mesmo um grande pensador da história cujas obras nos fazem refletir sobre a nossa vida e as nossas decisões. No fim das contas, esse mestre sempre é um símbolo do nosso coração, daquela nossa voz interior que, por mais que tenhamos dificuldade em silenciar para escutar, está lá sempre nos indicando o melhor caminho.
As pequenas provas iniciais servem como um treinamento para o Herói, pois o fortalecem não somente fisicamente, mas principalmente moralmente. Após isso, chega-se a maior prova de todas, a “descida ao Inferno”. Isso representa um aprofundamento dentro de si mesmo, é quando devemos olhar para nosso maior inimigo interno e enfrentá-lo.
Vencida esta grande prova, que pode ser uma dificuldade em vencer um vício nosso, um problema de convivência ou um descontrole financeiro, percebemos que a vida nos dá uma recompensa – que é quase como um elixir, uma poção mágica, uma virtude humana que nos tornará mais aptos a viver com maior plenitude esta jornada humana. E não somente isto, quando nós crescemos, nós ajudamos outros seres humanos também a crescerem, toda a humanidade cresce junto.
Este retorno para casa, depois de ter superado a si mesmo e se tornado mais humano, nos lembra que somos células deste grande corpo chamado Humanidade, e quando acendemos dentro de nós as chamas destes valores – justiça, bondade, amor, generosidade e harmonia – iluminamos a trajetória de outros seres humanos, através do nosso exemplo e da possibilidade de mostrá-los um pouco mais onde vai dar esta jornada.
Todos nós, cada um na sua medida, cada um com seus desafios, com certeza podemos ser heróis cotidianos. Basta compreendermos qual é a nossa jornada nesta aventura fantástica que é a vida.