A Arte do Elogio: O Limite Entre a Cortesia e a Bajulação

Qual a melhor forma de começar o dia, senão recebendo palavras suaves? Imagine a cena: Você acorda de manhã, com um café na cama, buquê de flores, música romântica e cheia de expectativa pelas palavras de amor que sabe que ouvirá. Após escutar um relato de como se conheceram e como construíram seus dias juntos, você recebe um perigoso “mas” seguido de “você engordou”… Pronto, toda aquela emoção que pintava a aurora de arco-íris e desenhava unicórnios nas nuvens evapora em questão de segundos. Pouco importará os esforços tardios para ressuscitar aquele estado psicológico e aliviar essa decepção e nó na garganta.

Agora imagine outra cena: Você chega no trabalho e seu chefe convoca uma reunião. Estão frente à frente, uma gélida mesa de birô como mediador e a certeza de que não há lugar mais isolado no mundo que aquela sala, e seus olhos são massageados por um sorriso aberto e seus ouvidos são acariciados com as palavras “gostaria de agradecer pelo seu empenho”, seguidas de “você é um funcionário muito organizado, assíduo e pontual” … Pronto, aquela nuvem carregada que causara uma tempestade de medo, culpa e ansiedade e quase fizera chover em seus olhos evapora em questão de segundos. Pouco importará se nas próximas palavras seu chefe generosamente indicar os pontos que podem levar você a aumentar de produtividade, nada enterrará o estofo de seu peito. A não ser um “mas” seguido de críticas.

Como podemos ver, a palavra certa, no tempo adequado, pode mudar completamente a nossa forma de ver e sentir o mundo e a vida. É claro que concordamos com o grande orador grego Demóstenes: “o bom cidadão deve preferir as palavras que salvam, às palavras que agradam”. Mas, e se pudermos unir salvação e agrado? Não seria o melhor dos mundos?

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(Créditos: O Podcast do Yassuda)

Os haters hoje são uma epidemia de nosso tempo. Tudo parece ter começado quando os sites de notícias tiveram a grande ideia de inaugurar o espaço de comentários. Ainda hoje, há quem busque ler as notícias apenas para distribuir palavras duras como flechas para todos os lados. Como as redes sociais são verdadeiros alto-falantes que projetam a voz em progressão geométrica, as críticas assassinas voam longe, matando não apenas reputações, mas também pessoas. Isso decorre de uma ideia presente na psique coletiva, que decreta ser a crítica um confiável traço de inteligência. Quem concorda é acomodado, politicamente correto, falso, covarde e lugar-comum. Quem aponta as falhas é necessariamente autêntico, corajoso, culto, inteligente. Quem pensa assim, poderia aprender algo com Confúcio, grande sábio chinês: “Se vires um homem bom, tenta imitá-lo. Se vires um homem mau, examina a ti mesmo”. Antes de apontar as falhas dos outros, avaliemos nossas próprias debilidades.

Ainda que os haters deixem um rastro de sofrimento, há que louvar a energia com que defendem suas opiniões e suas críticas, que, por mais maldosas que sejam, podem sim, servir de farol para ouvidos e olhos atentos. Porque, se nos machucamos com o comentário, é porque algum pedaço de verdade ele tem.

Na outra ponta estão aqueles que fazem do elogio uma estratégia de negócio. Se querem ser amados a qualquer preço, tecem palavras suaves. Se não querem chatear ninguém, ainda que necessário e prudente, contam uma meia verdade. Se podem obter benefícios da bajulação, deixam escorrer palavras amenas, tal qual uma hiena saliva ao ver uma refeição na savana.

Para estes, Platão diria que suas palavras são como a culinária, tratam de fazer um veneno doce e agradável aos ouvidos, assim como algumas comidas parecem deliciosas, embora sejam uma mistura tóxica de gordura, açúcar e benzeno. Para aproveitar mais uma frase daquele chinês inspirador: “A linguagem artificial e um comportamento adulador raramente acompanham a virtude”. Ainda assim, temos que reconhecer que os elogiadores de ocasião, guardam em si alguma bondade que, se não é ilimitadamente boa, por carecer de boa vontade, é em algum grau boa, pelos efeitos imediatos que gera na emoção dos ouvintes.

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(Créditos: Conte Outra)

Mas, há uma terceira opção. É possível ser alguém que elogia com sinceridade e com regularidade. Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, já nos advertia que uma virtude é sempre um meio termo entre dois extremos. Então, entre o mau humor e o excesso de cortesia, o filósofo nos recomenda a amabilidade. Uma coragem suave, uma justiça branda nos modos, uma generosidade no falar e no agir. E é assim que devemos elogiar as pessoas! Como reflexo de uma determinada natureza de alma. Uma natureza que nos inclina a ver sempre o belo, sob os véus da personalidade alheia.

Conta um velho mito que na margem de determinado caminho, jazia um cachorro há algum tempo. Por essa estrada passariam alguns discípulos e um sábio. Os discípulos que passaram pelo animal, protestaram contra o mau cheiro, a feia imagem e a inútil presença da morte. O sábio, ao olhar o animal, diz: “Mas, vejam como são belos os seus dentes!” É assim a natureza de um sábio, de um homem virtuoso. Seus olhos são tão naturalmente atraídos pelo belo, bom e justo, que mesmo diante do mais terrível cenário, encontra razões para elogiar.

Dessa forma, se não conseguimos ver nada elogiável em alguém, ou em alguma situação, talvez seja a hora de desenvolvermos essa natureza virtuosa em nós! E como faremos isso? Primeiro é necessário ter ideias claras que gerem os motivos para se elogiar alguém. Alguma vez você já parou para pensar que todos os seres da natureza estão unidos numa cadeia de relações materiais e transcendentes? Acreditar que somos todos células desse grande mistério que é a Natureza, e que a separatividade é uma heresia que nos faz competidores, críticos e violentos, como nos diz “A Voz do Silêncio” de H.P.B., é um bom começo. Porque, se somos Um, criticar, ou elogiar alguém, é fazê-lo a si mesmo. E se somos todos Um, há em todas as coisas um pouco do reflexo desse mistério que brilha prisioneiro em nós. Então, basta procurar com atenção e bondade e poderemos ver essa luz refletida em toda a Natureza!

O elogio então seria uma expressão espontânea de quem vê o divino em tudo o que existe. Platão dizia que todas as coisas que existem contém um pouco de bem. Assim, com um pouco de foco, é possível encontrar o que elogiar até naqueles grupos que mais nos incomodam. Alguém ficaria à vontade para elogiar um sapo de chifre? Provavelmente, não. Mas, pense na importância dele para a floresta amazônica. Em como seu pequeno papel de predador de insetos permite que a vida continue existindo em equilíbrio. Tire um sapo de um ecossistema e teremos um caos que reinará inclusive sobre a existência humana. Após entender que o anfíbio cumpre um papel na harmonia da vida, pode ser que você tenha encontrado o que elogiar nele. Um pouco de boa vontade e algum esforço são suficientes para começar a ter a cortesia de um elogio verdadeiro, como um reflexo externo de uma construção interna. De uma nova forma de ver o mundo. Uma forma que escolhe buscar o melhor em cada coisa que toca e falar disso.

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(Créditos: Pinterest)

Assim, façamos do elogio uma estratégia de guerra! Contra um ódio instagramável, ou uma adulação com falsidade, um elogio sincero. Ele abre as portas do coração, reata relações estremecidas. Para criticar, não é necessário ser muito inteligente, nem bondoso, nem esforçado. Qualquer um com acesso à internet e um pouco de ironia, pode fazê-lo. Mas, para elogiar “apesar de”, é fundamental ter pureza de coração e força de vontade para continuar procurando o belo, ainda que esteja sob mil véus.

Criamos cidades de pedra para aglomerar pessoas que só compartilham entre si a distância umas das outras. Quiçá tenhamos usado tanto concreto nos prédios que parte dele endureceu nosso coração. As nossas cidades são cada vez mais produtoras de vazio entre e dentro das pessoas. Somos matilhas de cachorros raivosos prontos para latir críticas e xingamentos violentos contra nossos vizinhos de rua. E é nessa situação em que o elogio pode ter um efeito humanizador, e nos lembrar que o motorista do carro à frente é gente como a gente. Quem dera fosse comum pessoas como as do vídeo abaixo, que elogiam gratuitamente outros, simplesmente para ver um sorriso inesperado.

Talvez, quem sabe, nossos cidadãos aprenderiam a importância de criar momentos de felicidade na vida do outro e a gostar da gentileza. E de tanto gostar da gentileza, aprenderiam a ser gentis. Dessa forma, estaria criado um círculo virtuoso de felicidade e elogio! Faça esse teste hoje! Escolha e fale um elogio por dia para alguém e veja o que acontecerá!

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