A história das antigas Civilizações nos causa muito espanto. Não só por imaginarmos o longínquo tempo em que viveram seus habitantes, mas também pelas maravilhas que foram erguidas em tempos tão remotos. Não falamos apenas de grandes templos, pirâmides ou mesmo arenas colossais, mas também seu legado cultural que permeia nossa vida até hoje. Falamos isso porque tende-se, atualmente, a pensar que somente os últimos séculos foram determinantes para criar os moldes em que estruturamos nossa sociedade do século XXI, quando, na verdade, vivemos constantemente sob a égide dessas antigas Civilizações.
É certo que não falamos o idioma Egípcio nem escrevemos em blocos de argila, muito menos cultuamos Marduk ou Osíris, porém, tais experiências humanas estão muito fortemente marcadas em nosso imaginário coletivo. Desde a base cultural que recebemos nas aulas de História, que formam, em grande parte, nossa percepção do mundo, até referências de filmes, pinturas e jogos, e muitos outros aspectos do nosso cotidiano, nota-se claramente que a cultura antiga permanece, direta ou indiretamente, relacionando-se com a humanidade atual. Sendo assim, é impossível desassociar nosso conhecimento atual, nas mais distintas áreas, sem pensar que, em algum grau, a origem desse saber está com os antigos.
Frente a isso, hoje conheceremos um pouco mais sobre uma das áreas que mais chamam a nossa atenção quando olhamos para as Civilizações da antiguidade: a Engenharia. Mais precisamente, falaremos de um tipo de construção que marcou diversos povos na região do Crescente Fértil, a Mesopotâmia. Estamos falando dos Zigurates, os grandes templos utilizados por Sumérios, Assírios e Babilônios para adorar seus Deuses.
Inicialmente, é preciso entender que, apesar dos Zigurates terem uma função religiosa, essas complexas estruturas eram o coração das primeiras cidades que os seres humanos construíram. Além do seu papel religioso também serviam como centros administrativos, armazém para estocar recursos e ainda um observatório para estudos astronômicos. Cada uma dessas funções eram exercidas em momentos diferentes e espaços singulares, mostrando não apenas um grande nível de organização mas uma capacidade de construir grandes estruturas que chegaram, de acordo com relatos antigos, a terem 90 metros de altura.
Seu formato era similar a uma pirâmide escalonada, com diferentes níveis de acessos, o que nos revela uma ideia importante das relações sociais desses antigos povos: a hierarquia e níveis de acesso, a partir de sua condição social/moral. Ou seja, nem todos podiam frequentar todas as partes dos Zigurates, sendo os locais mais internos próprios dos sacerdotes para a realização de ritos aos Deuses e também a observação dos astros. Já ambientes mais externos, como o pátio e regiões próximas, eram de acesso livre aos habitantes da cidade, pois ali faziam seus comércios e conseguiam receber seus salários, que, na época, eram pagos com comida e recursos.
Quando observamos esse tipo de relação social dos Zigurates, percebemos que nos antigos templos Egípcios também ocorria o mesmo. Essas duas regiões, que certamente tiveram trocas culturais ao longo dos milênios, mostram diversas similaridades nas suas formas de culto religioso. Apesar de acreditarem em divindades distintas, a ideia de estar em contato com os Deuses permeava essas Civilizações. No caso dos povos que habitavam a Mesopotâmia, cada cidade tinha seu Deus e para essa Divindade era erguido um Zigurate. Atualmente, o mais bem preservado complexo religioso existente se encontra no Iraque, no sítio arqueológico de Ur. Como nos conta a História, Ur foi um das primeiras cidades a serem erguidas pela humanidade, fazendo parte da importante Civilização Suméria. O Zigurate dessa cidade era dedicado ao Deus Nanna, o Deus da lua, no entanto, ele não era o maior já construído pelos povos mesopotâmicos.
De acordo com fontes Babilônicas, o maior Zigurate já construído teria sido o Etemenanki, dedicado ao Deus Marduk. Ele teria sete andares, cada um deles contendo acesso por uma longa escada, e mediria em torno de 100 metros. Devido ao seu tamanho e magnitude, esse enorme Zigurate ficou conhecido como “a ponte entre o céu e a terra” e, segundo especialistas, teria sido a inspiração para a famosa passagem bíblica da torre de Babel. Apesar dos paralelos que podemos encontrar entre as duas histórias, principalmente o fato das duas se passarem no primeiro império Babilônico, há também uma série de símbolos que envolvem tanto o Etemenanki como a história da torre que tocaria as nuvens.
O primeiro detalhe que nos chama a atenção está justamente nos andares do Zigurate Babilônico. O fato de serem sete, um número que, para a Numerologia, representa a humanidade em sua busca espiritual não nos parece ser um mero acaso. Se considerarmos que essa arte, assim como a Astrologia e tantas outras também eram do domínio desses povos e tem sua origem nas primeiras Civilizações humanas, faz-se muito provável que a escolha dos andares esteja diretamente ligada a um caminho espiritual.
Outro fato interessante sobre o Etemenanki está nas suas escadas, que, ao invés de progredirem de um andar ao outro, faziam-se de maneira distinta, todas partindo do solo até o seu respectivo nível. Construir os acessos dessa maneira, era mais custoso, sem dúvida, e ainda mais difícil para aqueles que desejavam acessar o último andar. Porém, podemos imaginar que isso também seja um símbolo de que para chegar ao ponto mais alto, precisaremos de um esforço maior. Como já dissemos, alguns ambientes dos Zigurates eram reservados para os altos sacerdotes e pessoas distintas como o rei. Pensando nisso, a construção não foi feita para o conforto deles, uma vez que os locais mais privados eram justamente os andares superiores. Assim, os mais elevados seres, aqueles responsáveis por administrar a cidade, estudar os astros e tentar uma conexão com o Divino também eram aqueles que, fisicamente, precisavam caminhar mais e subir o maior número de degraus.
Desse modo, a lógica dos Zigurates vão de encontro com uma ideia advinda do senso comum atual, de que quanto mais alto estamos em uma estratificação social, menos esforço faremos. Esse pensamento está sempre à nossa volta quando, por exemplo, achamos que o nosso chefe trabalha menos do que nós, ou que alguém com um cargo elevado dentro do Estado recebe muitos benefícios em troca de pouco esforço. Percebe-se, portanto, que para os antigos Mesopotâmicos, essa ideia não era válida, mas sim o seu oposto: quanto mais alto se está na hierarquia social, mais responsabilidade com os demais e força (física ou moral) deve-se ter.
Mais uma vez, podemos fazer uma ponte com o Egito, no qual o faraó, o governante de todo o Império, tinha como uma das suas obrigações, ajudar o sol a nascer, ou seja, tinha diariamente que acordar antes do sol nascer para realizar tal ritual e, de igual modo, era ele o último a dormir, indo se retirar somente quando todo o Império estivesse em silêncio. Essa é uma ideia que, quando paramos para refletir, faz todo sentido e, mesmo hoje, por mais que queiramos acreditar no que nos fala o senso comum, é inegável de que um cargo mais alto, seja no serviço público ou privado, nos exige demandas igualmente elevadas.
Mesmo assim, caímos na falsa ideia de que os que estão “em cima” apenas se aproveitam dos privilégios, enquanto a grande maioria realmente se esforça. Percebemos, então, que ao longo da nossa caminhada enquanto humanidade a ideia de uma divisão social, nos moldes das Civilizações Mesopotâmicas, acabou sendo desviada e hoje pouco conseguimos compreendê-la. Mesmo assim, os Zigurates continuam a ser um exemplo fundamental da importância de existir diferentes níveis de compromisso e responsabilidades, pois depende somente de nós o quanto queremos nos sacrificar para servir mais e melhor a todos.
No fim, quando olhamos para o colosso arquitetônico chamado Zigurate não nos resta dúvidas de que esses homens e mulheres do passado têm ainda muito a nos ensinar. Não apenas sobre Engenharia, que certamente seriam capazes de nos dar uma verdadeira aula sobre o assunto, mas principalmente sobre devoção às ideias e, insistentemente, mesmo contra todas as adversidades, conseguiram continuar buscando uma maneira de se conectarem com o Universo. Seja entendendo o movimento dos astros, seja orando para qualquer Divindade, certamente deveríamos buscar viver mais profundamente o principal ensinamento que toda Religião busca acessar: a reconexão com o Divino.