Você se sente uma pessoa genuína? Ou você é uma daquelas pessoas que faz tudo exatamente igual às outras e acredita ser original? Por mais difíceis e duras que possam parecer essas perguntas, de vez em quando é importante refletirmos sobre qual é o nosso grau de verdade em meio a tantos condicionamentos que vamos adquirindo ao longo da vida. Em uma coisa, temos que concordar: está ficando cada vez mais difícil conhecer uma pessoa verdadeira, transparente e que ousa ser ela mesma, independente do meio em que circula.
Geralmente, quando conhecemos uma pessoa que tem um certo grau de autenticidade, a vontade que dá é de não querer sair mais de perto dela. Como numa espécie de encantamento, queremos orbitar ao seu redor, seja para bater um bom papo, seja para ouvi-la, ou mesmo pelo simples fato de sentir a sua presença. Essa atração para si, a que as pessoas verdadeiras exercem sobre as demais, não se deve a outra coisa, senão a inspiradora liberdade de ser quem são.
No entanto, o que é ser genuíno? Esse adjetivo é sempre usado para expressar o que é verdadeiro, autêntico, sincero, legítimo ou natural. É por isso que indivíduos genuínos são pessoas leves, despidas de falsidades ou de hipocrisias. Incrivelmente, pessoas com essa característica sabem viver os seus valores, sabem respeitar as suas crenças; mas, acima de qualquer coisa, sabem valorizar e respeitar as visões e opiniões dos demais. Até porque só se pode ser sincero com os outros quando se é, primeiro, consigo mesmo. Como diz o poeta – quando se sabe viver se sabe valorizar a dor e a delícia de ser quem se é, sem jamais negar o direito do outro também ser! Dessa forma, a autenticidade exige de nós não só consciência de quem somos, mas um trabalho constante para a construção de nós mesmos a partir de elementos essenciais, e não de elementos baseados em estruturas aparentes, frágeis e relacionadas a modismos de épocas. Neste caso, é imprescindível o autoconhecimento para realizar o confronto direto e incisivo frente às diversas máscaras que fomos adquirindo ao longo de nossas vidas. É a antiga máxima do Templo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”. Dizem que, mais cedo ou mais tarde, todos nós teremos que trilhar esse caminho.
Sendo assim, se ser autêntico é estar o mais próximo ao verdadeiro, ou seja, o mais coerente e ajustado à nossa natureza humana, quais são os fatores que têm nos afastado dela? Há diversas causas ou motivos que nos levam ao longo da jornada terrena a viver de aparências e que nos impedem de ser quem somos de maneira genuína. Primeiro, é preciso lembrar que vivemos em uma sociedade que carrega consigo a eleição de determinados valores em detrimento de outros e o estabelecimento de padrões sociais. Quem não os seguem é severamente punido e segregado pela coletividade. Aqui é preciso entender que não é só uma questão de coincidência termos gostos, hábitos e comportamentos tão semelhantes ao se vestir, frequentar determinados locais e ter opiniões tão próximas, chegando a amar ou a odiar algo de maneira tão repentinamente.
O segundo ponto que nos afasta de nós mesmos e nos leva a viver uma vida artificial são os diversos traumas psíquicos que vamos adquirindo através das experiências mal digeridas. Dessa forma, guardamos apenas as dores dos fatos e não as suas lições. Por isso, colecionamos mágoas, rancores, decepções e tristezas por longos tempos. Então, como forma de proteção, criamos máscaras para nos relacionar com os demais e, por medo, passamos a acreditar que o outro sempre é um potencial pronto para nos atacar. Por último, um terceiro ponto que interfere diretamente na nossa personalidade é o total desconhecimento que temos sobre nós mesmos. Como nos conhecemos muito pouco, não sabemos quais são, realmente, os nossos gostos e preferências; não sabemos identificar se o que fazemos, como pensamos ou como percebemos o mundo são frutos de um condicionamento social ou simplesmente, fazem parte de nós mesmos. Em geral, raríssimos são os casos em que nossas ações são frutos de intenções genuínas.
É dentro desse processo que vamos construindo e formando, infelizmente, um caráter cada vez mais artificial e vamos nos diluindo dentro de uma sociedade que valoriza um indivíduo massificado, condicionado por seus traumas e totalmente ignorante de si mesmo. Por isso, é sempre importante se perguntar qual a autenticidade das coisas que pensa, fala, sente ou faz. A pertinência dessas perguntas nos faz refletir sobre qual o grau de verdade que carregamos conosco num mundo que tem cada vez mais valorizado a aparência em detrimento da essência. Ser você mesmo, independente das circunstâncias, é um dos nossos maiores desafios no momento atual, pois, em geral, passamos muito tempo de nossas vidas tentando nos enquadrar em parâmetros ou esquemas sociais e culturais.
A partir disso, é bem perceptível que não vinhemos ao mundo para agradar aos demais; viemos ao mundo para sermos nós mesmos, pois somos únicos. Lembrem-se, os grandes avanços conquistados pela humanidade se deram através de ideias, em geral, defendidas por um indivíduo – ou por poucos – que ousou pensar e ser quem era independente das expectativas externas. E é por isso que os grandes homens ou mulheres que inspiraram e inspiram a humanidade a caminhar são exemplos de autenticidades.
Vale lembrar que romper com esse modelo de acordos tácitos de padrão cultural massivo exige de nós um preço alto para que possamos conquistar a nossa identidade como indivíduos que pensam por si mesmos fazendo uso da razão. Nesse caso, não há uma receita de bolo, o que há são setas, caminhos trilhados por outros que vieram antes de nós e conquistaram a sua identidade porque pensaram fora da caixinha. É preciso e urgente criarmos uma consciência de que o início de tudo se dá pelo despertar de que não precisamos ser iguais aos demais, porque cada um tem algo a partilhar com o todo, por isso necessitamos ser quem somos para que haja uma complementaridade.
Em algum momento, mais cedo ou mais tarde, vamos precisar travar essa luta para conquistar nossa identidade em detrimento da alteridade. Essa batalha se dará internamente, ou seja, dentro de cada um de nós. Dessa forma, a guerra a ser travada exigirá de nós inteligência não só mental, mas emocional, tendo em vista que vamos precisar separar dentro de nós o que é essência do que é aparência e seguir de acordo com a nossa essência. Esse é o caminho do autoconhecimento, que como premiação nos dará a nossa identidade. Uma vez que optamos por ele, é imprescindível coragem para encarar e lutar contra as nossas fantasias acerca de nós mesmos e do mundo que nos cerca. E por mais assustador que possa parecer, precisamos reconhecer que esse é o caminho, a jornada de todo ser humano. É a consciência disso que nos faz alçar os mais altos graus de heroísmos dentro de nós. Então, nos animemos e arregacemos as mangas para iniciarmos essa nossa jornada humana!