Série The Last of Us: A Luta Pela Sobrevivência

The Last of Us reflete sobre o medo da finitude humana e a luta pela sobrevivência em um mundo apocalíptico. Não por acaso, o medo da morte é uma das emoções mais fortes e causa em todos nós um pânico só de imaginarmos como será esse momento. Frente a essa perspectiva existencial da finitude da vida, é natural que passemos a imaginar cenários de catástrofes mundiais em que nossa espécie deixaria de existir ou, pelo menos, lutaria para sobreviver à sua extinção.

Joel (Pedro Pascal) e Ellie (Bella Ramsey), personagens principais da série "The Last of Us" • Divulgação/HBO
Joel (Pedro Pascal) e Ellie (Bella Ramsey), personagens principais da série “The Last of Us” – Divulgação HBO

Desenvolver ideias a partir de cenários apocalípticos não é uma novidade em nossa história. A bem da verdade, toda cultura humana refletiu sobre esses possíveis cenários e deu, à sua maneira, uma explicação de como será o fim da humanidade. Para os antigos nórdicos, por exemplo, chegará o dia do Ragnarok, em que até mesmo os deuses lutarão por sua sobrevivência e muitos morrerão, assim como a humanidade. Na cultura cristã, falamos do dia do juízo final, em que ocorrerá a última batalha entre Deus e o diabo, além de todas as catástrofes que ocorrerão ao nosso planeta.

Poderíamos usar dezenas de exemplos que retratam essa ideia, porém não se faz necessário. Mais importante do que refletirmos sobre como as culturas antigas pensavam sobre essa questão existencial é notarmos que hoje a nossa cultura também apresenta respostas para esses dilemas. Vivemos em um mundo com viés majoritariamente científico-racional, ou seja, buscamos respostas a partir de cenários possíveis e que já foram experienciados antes. 

Assim, já não imaginamos uma batalha entre deuses, mas nos preocupamos com meteoros caindo em nosso planeta ou um vírus capaz de eliminar bilhões de seres humanos. Tais cenários nos parecem reais e mais prováveis, visto que a História já os provou de alguma maneira. Logo, esse medo da finitude, seja a nível pessoal ou de espécie, nunca deixou de existir, mas apenas mudou de forma e passa a ser explorado não somente como uma previsão de cenários possíveis a acontecer, mas dão margem para imaginação e desenvolvimento de obras de arte e para jogos que refletem esse medo instintivo.

Um exemplo perfeito desse tema é a série The last of Us – mencionada no começo desse texto –, que nasceu a partir de um jogo de videogame que explora essa temática. Desde seu lançamento em 2013, a série conquistou uma legião de fãs com sua narrativa envolvente e personagens profundos.

oel e Ellie caminhando juntos em um mundo devastado.
Joel e Ellie no jogo The Last of Us

A história, ambientada em um mundo devastado por um fungo parasita, explora muito mais do que apenas um cenário de terror e destruição, mas nos faz pensar sobre até que ponto podemos ir para garantir nossa sobrevivência, moralidade e, acima de tudo, as conexões humanas como elo fundamental para superar nossas adversidades. Dez anos após o lançamento do jogo, a história conseguiu uma adaptação para a televisão, que também se tornou um sucesso de audiência. 

O que podemos aprender com The Last of Us?

Antes de refletirmos sobre os aprendizados que essa história pode nos trazer devemos conhecer um pouco o seu enredo. No universo de The Last of Us, a civilização foi dizimada por uma mutação do fungo Cordyceps, que transforma humanos em criaturas hostis. Sem qualquer grau de consciência, a pessoa infectada passa a ser controlada pelo fungo e vai se modificando com o parasita, o que a torna violenta e capaz de espalhar rapidamente a doença para outros seres humanos.

Formiga hospedeira em estado terminal pós contaminação
Formiga hospedeira em estado terminal pós contaminação

Desse modo, em pouco tempo o governo entra em colapso; e a sociedade, como a conhecemos, é dizimada, transformada em uma verdadeira selva para que apenas os mais fortes sejam capazes de sobreviver. O que restou da humanidade vive sob leis marciais em zonas de quarentena ou vagando por territórios hostis.

Frente a isso, somos apresentados a Joel, um homem que perdeu sua filha no início dessa pandemia e que, após vinte anos lutando por sua sobrevivência, vê-se diante de um dilema: ajuda no transporte de uma garota que é imune à infecção e que pode ser a chave para reverter esse cenário de desastre em favor da humanidade. Proteger essa jovem chamada Ellie passa a ser a grande missão de Joel, não apenas pela importância da sua sobrevivência, mas pelos laços criados ao longo dessa jornada.

Feedobem Joel e Ellie
Joel e Ellie

Para sobreviver em um mundo condenado à destruição, porém, os dois companheiros precisam lidar não apenas com os infectados, mas também com outros seres humanos que já perderam suas esperanças de salvação. É interessante essa perspectiva, pois comumente imaginamos que em um cenário apocalíptico os seres humanos iriam tender a se ajudar; entretanto, a realidade apresentada – seja na vida real ou na ficção – é a de uma proteção individual ou de pequenos grupos, nos quais o medo reina e mantém afastado tudo que possa ser um empecilho para a sobrevivência, mesmo que esse seja outro ser humano. 

Quando observamos essa perspectiva, percebe-se que ao invés de uma cooperação universal, o que se observa é a manutenção de uma busca pela sobrevivência dos mais fortes, mesmo que isso signifique condenar os demais à morte. Essa é uma primeira lição que The Last of Us tenta ensinar: até que ponto nossa moral humana pode nos levar?

Para muitos, em um cenário de desespero, o medo e o instinto passam a ser leis, e, por conta desses dois aspectos, já não queremos pensar em outros seres humanos, mas sim apenas em nós mesmos. O egoísmo da sobrevivência a qualquer preço nos faz rejeitar aqueles que são mais “fracos”, e buscamos nos associar apenas com os capazes de nos fornecer segurança.

The Last Of Us Ep 3
Episódio 3 temporada 1 – The Last of Us

Entretanto, em meio ao medo, também surgem verdadeiros atos de heroísmo, como os protagonizados por Joel. Praticamente sozinho, ele se torna capaz de vencer seus traumas para realização de um propósito. Em termos narrativos, Joel emula o arquétipo do guerreiro solitário, que nada mais é do que um personagem maduro, que após vivenciar muitos traumas, se encontra sozinho, sem esperança em relação à humanidade ou com qualquer perspectiva de melhora; mas que ao encontrar um novo objetivo, renova suas forças e fé na humanidade. 

Joel e Ellie: um elo humano em meio ao caos

No caso de Joel, essa esperança está em Ellie e na chance de ela ser a cura do mundo. Assim, os criadores de The Last of Us se baseiam em fórmulas narrativas consagradas, usadas muitas vezes nos mitos. Esse arquétipo, por exemplo, pode ser visto em Aquiles, o grande guerreiro que lutava por sua glória e não pela necessidade de fazer a Grécia vencer Troia. Esse, entretanto, não é apenas um arquétipo que existe em diferentes formas de literatura, mas são ideias que permeiam o ser humano.

Ellie
Ellie do jogo e Ellie da Série.

Basta pensarmos um pouco: quantas vezes já perdemos a fé na humanidade? Ao olharmos as notícias de um jornal, por exemplo, podemos nos deparar com uma realidade brutal, chocante e que nos desanima diante da espécie humana. Em nossas experiências individuais, também podemos nos sentir assim e acabar perdendo a esperança na nossa própria capacidade. Se ficamos sozinhos, sem acreditar na evolução da humanidade, nos tornamos um ser humano um tanto quanto amargurado com a vida. 

Entretanto, assim como Joel, podemos reencontrar-se com a esperança quando nos colocamos à serviço de algo maior, que vai para além das nossas aspirações individuais. Quando lutamos por um ideal, por um propósito, podemos despertar em nós a capacidade de superar a si mesmo e todos os nossos traumas, que geralmente nos aprisionam ao passado, mas que se tornam frágeis correntes que se quebram à medida que avançamos rumo ao nosso objetivo. 

Joel
Joel do Jogo e Joel da série

É exatamente isso que ocorre com Joel ao longo de sua jornada com Ellie .A relação entre os dois se desenvolve aos poucos, afinal, vencer a si mesmo e reencontrar seu propósito de vida não ocorre facilmente. No início, ele a vê como uma simples carga, quase um fardo a ser carregado em meio ao caos que precisam gerenciar; afinal, ele ainda não havia criado um laço real com a jovem e era conduzido muito mais pelos seus traumas do que pelas suas virtudes.

Porém, ao longo da jornada, Joel muda sua perspectiva a respeito de Ellie. Se antes a jovem era apenas uma pessoa que precisava de uma escolta, aos poucos Joel entende que ela é alguém que realmente precisa ser protegida e que esse é o seu papel, independentemente da importância que a jovem Ellie tenha para o futuro da humanidade. Assim, nasce um verdadeiro amor entre os dois, um companheirismo que faz emocionar a audiência, seja nos jogos ou na série.

Joel Cuidando da Ellie
Episodio 9 Temporada 1, Joel e Ellie

Desse modo, os laços que passam a uni-los já não estão ligados apenas ao dever, mas sim ao amor entre um pai e uma filha, pois essa é a verdadeira relação que se estabelece entre os dois.  Essa conexão se torna tão profunda que ele está disposto a tudo para protegê-la. Visto isso, The Last of Us, quando transformada em série, conseguiu preservar o mais importante da história: a relação humana entre os dois personagens em meio ao caos que um cenário pós-apocalíptico possa gerar.

Por fim, a jornada de Joel e Ellie não é apenas sobre sobrevivência em um mundo dizimado por uma pandemia, mas sim sobre o amor, a cooperação e a busca por fazer sobreviver o mais importante dentro de nós: as virtudes humanas. Mesmo em um cenário de terror, somos capazes de vencer nossos instintos e nos sacrificarmos pelo outro – seja por uma pessoa ou por toda a humanidade. Esse é o nosso verdadeiro dom.

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