Série “Clássicos da Literatura”

Dizem que há, de maneira geral, quatro grandes elementos que formam uma civilização: religião, política, ciência e arte. Dentro da arte, os clássicos da literatura ocupam um papel singular, sendo capazes de atravessar séculos e ainda tocar o mais íntimo da experiência humana. A arte, nesse quesito, é uma característica essencialmente humana. Por mais que gostemos de nossos animais e plantas, eles não são capazes de produzir uma pintura, uma sinfonia ou escrever uma história. 

Representação da arte como traço exclusivo da humanidade
A arte como elemento distintivo da experiência humana

Cada uma dessas grandes áreas, entretanto, podem ter dezenas ou mesmo centenas de subdivisões. Desse modo, cada pessoa é capaz de se conectar com mais profundidade com sua própria natureza a partir dessas grandes áreas. Pessoas como Mozart, por exemplo, não foi um cientista renomado, mas sim um grande músico; a genialidade de Isaac Newton em busca de encontrar as leis da natureza foi canalizada pela ciência e não pela política. Ainda podemos citar Nelson Mandela ou Gandhi, grandes líderes políticos que mudaram os rumos de sua nação e ajudaram milhões de pessoas.

Os exemplos são milhares e não queremos nos deter neles. A bem da verdade, devemos pensar em como cada uma dessas áreas são capazes de representar o ser humano. Por isso, no texto de hoje vamos nos dedicar a um tipo específico de arte, que atravessa o tempo e inspira gerações: a literatura, a arte de transformar palavras em ideias.

O que é literatura?

Definir literatura pode ser tão complexo quanto tentar definir a própria vida. Há quem a veja como expressão artística por meio da linguagem; outros, como um espelho da realidade, uma forma de conhecimento ou um campo de experimentação. Mas há algo que transcende todas essas definições: a literatura é uma forma de compreender o mundo e a si mesmo. Ela é, talvez, a mais antiga tecnologia humana de comunicação de sentimentos, ideias e imaginação, visto que está para além da escrita, possibilitando construir narrativas e histórias que representam o mundo invisível que habita em cada um de nós.

Pessoa lendo um livro com projeções de ideias e mundos imaginários ao redor
A literatura como janela para o mundo interior

Desde os cantos orais das primeiras tribos até os romances contemporâneos, a literatura tem sido uma forma de preservar o que somos e o que tememos nos tornar. Ela registra as angústias e esperanças de cada época, eternizando conflitos que permanecem, de algum modo, universais. Quando Homero canta a cólera de Aquiles, ou quando Shakespeare encena a tragédia de Hamlet, estamos diante de uma tentativa de capturar o inefável: a experiência humana.

A literatura, assim, é muito mais do que ficção ou passatempo. Ela nos oferece linguagem para sentimentos que nem sabemos que temos. Ela nos empresta os olhos para ver o que antes nos era invisível. E nos dá, talvez, o mais raro dos presentes: tempo para sentir, refletir e ser. Nesse aspecto, podemos dizer que a literatura é uma ponte invisível entre o ser humano e o mundo das ideias, como diria Platão. Ao longo dos séculos, os grandes escritores se tornaram espelhos e buscaram refletir todas as nuances da humanidade: seus dilemas, anseios, desejos, amores e temores. Através de suas histórias, nós contemplamos as alegrias, os medos, os fracassos e as esperanças que nos habitam. 

Nesse sentido, ler não é apenas um ato de decodificação de palavras: é uma experiência de imersão profunda em outros mundos, outras mentes, outras sensibilidades. E dentro deste vasto universo, os clássicos da literatura ocupam um lugar de honra, como faróis que continuam a iluminar, mesmo depois de séculos, as travessias mais escuras da alma humana.

É importante salientar que estamos falando de clássicos da literatura, ou seja, de obras consagradas e que marcaram a história da humanidade, sendo referências em todo o mundo literário e em diferentes civilizações. Esse recorte é importante, pois nem toda literatura é capaz de tocar profundamente o ser humano e seus dilemas, logo, há obras que conseguem vencer o tempo e outras não, que desaparecem ao longo de poucas gerações. 

O que é um clássico da literatura?

Dito isso, precisamos pensar o que estamos chamando de “clássico”. Um clássico da literatura não é simplesmente um livro antigo ou amplamente estudado nas escolas; é uma obra que resiste ao tempo porque carrega em si uma verdade essencial sobre a condição humana. Seu valor não está apenas na linguagem refinada ou na trama bem construída, mas na profundidade com que aborda os conflitos universais: o amor, o medo, a justiça, o poder, a morte, o desejo de liberdade. 

Um clássico é aquele livro que, independentemente da época em que foi escrito, continua a nos interpelar, a nos questionar, a nos emocionar, como se tivesse sido escrito hoje. É possível identificá-lo pela sua capacidade de permanecer atual, mesmo quando seus cenários, costumes ou referências parecem distantes. Ele dialoga com diferentes gerações, oferecendo novas camadas de leitura a cada encontro. Suas personagens, longe de serem planas ou idealizadas, revelam complexidades que nos desafiam e espelham. 

Outra característica de um clássico está na sua originalidade. E, em geral, ele inaugura formas de narrar, rompe com convenções e reinventa a arte de contar histórias. Além disso, uma de suas principais características é que se torna uma obra que não se esgota, que, ao ser relida, sempre se transforma, porque quem a lê já não é o mesmo. Assim, o clássico não apenas sobrevive ao tempo: ele o transcende.

Falar sobre o valor dos clássicos da literatura é, portanto, mais do que um exercício intelectual. É um convite à reflexão sobre o próprio papel da arte em nossas vidas, sobre a maneira como formamos nossa ética, nossa visão de mundo, e ampliamos o horizonte de nossa consciência.

Por que ler clássicos da literatura?

A palavra “clássico” muitas vezes carrega um peso que afasta os leitores: livros difíceis, linguagem arcaica, temas distantes da nossa realidade. Mas essa é uma visão limitada e redutora. Um clássico, na verdade, é uma obra que atravessou o tempo não porque é velha, mas porque continua viva. É um texto que sobreviveu às modas, aos modismos, às revoluções culturais, porque fala sobre o que é permanente na experiência humana.

Ler um clássico é participar de uma conversa milenar. É ouvir vozes que vêm de outras épocas, mas que ecoam em nossas inquietações mais profundas. Com isso podemos descobrir que as perguntas fundamentais da vida são as mesmas hoje como foram há séculos. Quando lemos “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, por exemplo, percebemos que a injustiça social ainda dói e pode ser um problema coletivo arrastado por gerações; quando mergulhamos em “Dom Quixote”, de Cervantes, compreendemos que o idealismo ainda luta contra a dureza do mundo; quando nos perdemos nas páginas de “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, tocamos a complexidade da alma humana com uma linguagem que parece inventar o próprio mundo.

Estante de livros clássicos com autores como Dostoiévski, Cervantes e Guimarães Rosa
Os clássicos: uma herança literária da humanidade

Frente a tantos exemplos, podemos compreender que os clássicos não são relíquias empoeiradas de uma estante. São verdadeiros mapas do nosso próprio interior e que abrem a mente para um mundo nunca antes pensado ou sentido. Eles nos ensinam muito mais do que apenas ler ou ampliar nosso vocabulário: nos dão chaves para tocar ideias e sentimentos que até então eram inomináveis em nossa limitação natural.

Além disso, ao nos debruçarmos sobre os clássicos da literatura, ganhamos o que chamamos de “capital cultural”. Em resumo, passamos a ter um repertório mais vasto sobre história, geografia, dilemas existenciais humanos e podemos viajar por todos os lugares do mundo sem sairmos de nossa casa. Assim, quando alguém cita Dante, Goethe, Kafka ou Machado de Assis, não está apenas falando sobre literatura, mas também convocando uma herança simbólica compartilhada por toda cultura humana e resgatando valores, dilemas e visões de mundo que moldaram nossa civilização. Por outro lado, ignorar os clássicos é, em alguma medida, perder o acesso a esse legado. E é também empobrecer nossa própria capacidade de pensar criticamente sobre o presente.

Por isso, ler os clássicos é uma forma de manter acesa a chama da humanidade e garantir que, em meio às ruínas da pressa e da distração, ainda haja espaço para a beleza, para a profundidade e para a verdade.

O valor da literatura na formação humana

Alguns podem se perguntar: qual o valor da literatura ou até mesmo da arte? Será que é, de fato, valoroso refletir sobre esse mundo interno ou a literatura nada mais é do que um hobby para quem gosta de ler e contar histórias? Em um mundo pautado pela tecnologia, inovações e avanço no materialismo, uma forma de vida que se volta para os aspectos internos do ser humano pode parecer “menor”, quase desnecessário; e, infelizmente, nas últimas décadas, essa forma de pensar tem invadido fortemente nossa sociedade. 

Cada vez mais a literatura – e a arte em geral – perde espaço para áreas voltadas para ciências exatas, como se uma carregasse  inteiramente a verdade e evolução da humanidade, enquanto a outra fosse apenas uma forma de “passar o tempo”. Entretanto, a formação humana é um processo que ultrapassa os limites da instrução formal e vai muito além de uma questão de saberes exatos ou calculáveis, afinal, o Ser humano, no sentido pleno, necessita desenvolver não apenas o intelecto, mas a sensibilidade, a ética e outra série de virtudes que lhe ajudem na difícil arte de viver.

É nesse aspecto que a literatura é insubstituível, pois ela nos confronta com dilemas morais, com a pluralidade de perspectivas, com as contradições que nos constituem. Ela não nos oferece respostas fáceis e é exatamente por isso que nos transforma. Ao nos colocar diante de personagens complexos, em situações que desafiam nossos juízos, a literatura nos educa emocionalmente. 

Ao lermos Dostoiévski, por exemplo, e acompanharmos a trajetória atormentada da família Karamázov, somos forçados a encarar o abismo entre os desejos e a busca por uma vida espiritual. Ao nos envolvermos com os dramas familiares de Machado de Assis, percebemos que os conflitos humanos transcendem o tempo e o espaço. Isso não é mero entretenimento, mas uma verdadeira formação ética para os leitores atentos às mensagens que tais escritores tentaram deixar ao mundo.

Outro ponto fundamental em que a literatura ajuda na formação humana é o desenvolvimento da imaginação. Ao entrarmos em contato com diferentes culturas, épocas e modos de vida, tornamo-nos mais tolerantes, mais atentos às sutilezas do outro. Isso ocorre porque a leitura nos tira do centro do mundo e nos mostra que há outras formas de pensar, outras dores sentidas em diferentes épocas (e todas demasiadamente humanas). A literatura é fundamental em uma sociedade plural e democrática porque ela humaniza.

Por meio dos clássicos, formamos também uma consciência histórica. Compreendemos de onde viemos, quais erros cometemos, quais lutas travamos. Eles nos mostram que a humanidade já viveu muitas vezes as mesmas angústias: guerras, paixões, opressões, descobertas, desilusões; e que, talvez, possamos aprender algo com isso. Como dizia Italo Calvino, um clássico é aquele livro que nunca terminou de dizer o que tem a dizer, porque ele fala a cada nova geração com uma voz diferente.

A arte como ferramenta de reflexão

Visto todas essas questões, podemos perceber que não somente a literatura, mas também a arte, quando bem canalizada, não serve apenas para embelezar ou entreter. No fundo, ela busca ser uma ponte entre uma ideia – ou percepção interna – e o ser humano, fazendo o espectador refletir sobre sentimentos e pensamentos. Dessa maneira, a literatura, como uma das mais sofisticadas expressões artísticas, assume um papel singular nesse processo. Ao articular a linguagem de maneira estética, simbólica e emocional, ela nos obriga a desacelerar, a abandonar certezas, a pensar de forma mais profunda e sensível sobre a realidade.

Quando lemos um romance, um conto ou um poema, por exemplo, somos transportados para outras existências. E é nessa travessia entre o eu e o outro que se produz a reflexão. A literatura nos obriga a pensar sobre nossas próprias escolhas, nossas contradições, nossos preconceitos. Por isso, um texto bem escrito é, muitas vezes, uma espécie de espelho invertido, que nos mostra não aquilo que já sabemos sobre nós mesmos, mas o que ainda não fomos capazes de encarar.

Pessoa em frente ao espelho segurando um livro, refletida em várias versões de si mesma
Reflexão e autoconhecimento proporcionados pela literatura

Não é por acaso que regimes autoritários costumam temer os livros, pois há armas mais poderosas do que as ideias? Parafraseando uma frase icônica do HQ “V de Vingança”, ideias são à prova de balas e, por isso, são tão temidas por aqueles que desejam se manter em uma posição de poder. Dentro dessa perspectiva, o ato de imaginar outras possibilidades de vida pode ser o mais revolucionário das atitudes humanas. 

A literatura é, portanto, parte fundamental dessa revolução de trazer ideias, de pensar o novo, de construir a partir de um ponto mais profundo da essência humana. Ela nos ensina a duvidar, a questionar, a dizer “não” quando tudo ao redor exige um “sim”. A arte – e a literatura em especial – é, portanto, um ato político, mas não no sentido partidário, mas no sentido ético e existencial.

Dito isso, urge resgatarmos o valor dos clássicos da literatura. Essa é, em última instância, uma das mais sofisticadas ferramentas para a formação humana, uma vez que ela não somente nos ensina o certo e o errado, mas também nos faz pensar sobre nossas decisões, angústias e a própria natureza de nossas escolhas. É para isso que a literatura serve ao ser humano. 

Foi pensando nisso que nós, da Feedobem, resolvemos começar mais uma série de textos para abordar esses clássicos da literatura mundial. Uma vez que acreditamos no potencial humano e na capacidade de formação de valores, é justo que possamos ofertar reflexões sobre cada grande clássico da literatura e ajudar os leitores que estão desejando forjar a si mesmos através dessa nobre forma de arte.

Desejamos, por fim, que possamos voltar aos clássicos e tomar gosto em lê-los. Não por obrigação, mas por um genuíno desejo de mudança e reflexão. Que nos deixemos tocar por suas páginas como quem reencontra algo esquecido, mas que reconhece o seu valor. E que, ao lê-los, possamos também construir nossa própria história, com mais coragem, lucidez e humanidade.

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