Ser autêntico em um mundo de máscaras é um dos maiores desafios da vida moderna. Vivemos em uma realidade em que, muitas vezes, parecemos estar em um grande palco. Se na Grécia Antiga o filósofo Platão falava do seu famoso mito da caverna, na qual o ser humano estaria preso em um mundo de ilusões, hoje vivemos o dilema das redes sociais, que capturam nossa atenção de tal maneira que ficamos entretidos em nossas próprias cavernas do século XXI. Nesse sentido, tudo ao nosso redor cria cenários em que, conscientemente ou não, sentimos que precisamos representar papéis. Usamos “máscaras” para sermos aceitos, elogiados, contratados ou amados. Mas a grande pergunta é: quem somos, de verdade, por trás dessas máscaras?

Frente a esse contexto em que vivemos, ser autêntico se tornou um ato de coragem. Em uma sociedade que valoriza aparências, performance e perfeição, mostrar quem realmente é – sua parte demasiadamente humana – e entender que, apesar das falhas e erros que cometemos, somos um ser em evolução são coisas cada vez mais raras. Apesar da autenticidade ir contra o senso comum atual, é justamente nesse movimento de retorno ao essencial que mora a possibilidade de viver uma vida mais leve, coerente e significativa, sem se esconder ou precisar fingir ser aquilo que não é. Para tanto, é preciso, primeiro, saber o que é, de fato, autenticidade.
O que é autenticidade?
Autenticidade é, antes de tudo, um compromisso consigo mesmo. É importante diferenciarmos o que de fato estamos chamando de ser autêntico, pois é comum entendermos de maneira equivocada essa ideia. Ser autêntico é viver de acordo com seus valores, desejos e crenças mais profundas, ainda que isso signifique não corresponder às expectativas alheias. Visto isso, não estamos falando de uma forma, gosto pessoal ou mesmo de hábitos que, por vezes, confundimos com nossa verdadeira identidade. Para além desses aspectos superficiais, a autenticidade mora em nossa verdadeira essência humana, que pode ser expressa em valores e virtudes.

Logo, ser autêntico nada mais é do que agir em coerência com o que se é por dentro, e não com o que os outros esperam que você seja por fora. Entretanto, não entendamos isso errado: ser autêntico não é ser “do contra” ou dizer tudo o que pensa sem filtro. Não se trata de falta de empatia ou respeito. É, na verdade, uma disposição sincera de viver com verdade, mesmo que isso signifique parecer diferente, estranho ou vulnerável.
Pessoas autênticas são percebidas como confiáveis e inspiradoras porque transmitem verdade. Basta lembrar de figuras como Clarice Lispector, que escrevia com brutal sinceridade sobre os dilemas humanos; ou como o ator Jim Carrey, que, após a fama, passou a criticar abertamente a superficialidade de Hollywood e buscar um caminho mais espiritual. Em comum, ambos escolheram não mais representar papéis para agradar ao mundo, e sim apresentar o que acreditavam e viver suas verdades.
Nesse sentido, quando nos permitimos ser autênticos, experimentamos uma liberdade rara para os dias atuais. Não precisamos mais lembrar o que dissemos ou quem fomos em cada situação, pois, aonde vamos, continuamos a ser nós mesmos. Dessa forma, a vida se torna mais leve porque não é mais uma representação, como muitas vezes fazemos quando tentamos nos enquadrar em papéis ou formas moldadas pela sociedade.
Ao viver a autenticidade, acabamos aprofundando nossas relações, seja com os outros e consigo mesmo, afinal, é impossível ser autêntico sem se conhecer a si mesmo. Além dessa realização pessoal de se aceitar e caminhar conscientemente pela vida, quando mostramos quem realmente somos, damos ao outro a chance de fazer a mesma coisa. Assim, a autenticidade cria espaços de confiança entre os seres humanos.
Por que usamos máscaras?
Por que não vivemos a autenticidade com mais facilidade, então? Existem muitas respostas para essa pergunta, mas uma que certamente se encaixa na maioria dos casos é porque sentimos medo. Medo de não sermos aceitos, medo de não gostarem de nossa forma, medo de ficarmos isolados. O medo nos molda ao cenário que a vida nos apresenta, assim buscamos nos encaixar em grupos e usar máscaras, ou seja, fingimos ser algo que não somos de fato.

Para entender mais profundamente esse processo, é importante entendermos que o ser humano é, por natureza, um ser social. Desde pequenos, aprendemos que para sermos amados, precisamos agradar. Quando choramos e somos ignorados, entendemos que é melhor sorrir. Quando expressamos uma opinião e somos criticados, passamos a silenciar. Assim, vamos, aos poucos, construindo máscaras.
Dentro dessa perspectiva, as máscaras são formas de proteção. Elas protegem nossa imagem, nosso pertencimento, nosso senso de valor. Criamos a máscara do “forte” para não parecer frágil; a máscara do “inteligente” para sermos admirados; a máscara do “bem-sucedido” para sermos validados; ou até a máscara do “feliz o tempo todo” para não incomodar.
Poderíamos passar dezenas de páginas apontando as mais distintas máscaras que usamos no nosso dia a dia, mas entendemos que as citadas já foram o bastante para exemplificar o como nos escondemos atrás dessas formas. Muitas vezes, após anos e mais anos usando essas máscaras, nem percebemos mais que nos escondemos por trás delas. Passamos a acreditar que realmente somos aquilo que projetamos e desejamos nos transformar nessa persona que forjamos ao longo do tempo. Assim, comportamentos se tornam hábitos, que se enraízam profundamente em nossa psique e acabam por nos confundir. Essas formas se tornam tão automáticas que não sabemos diferenciar quem realmente somos e o que é uma máscara.
Entretanto, toda máscara pesa. Por mais bonita ou eficiente que seja, chega um momento em que ela nos sufoca. Passamos, muitas vezes, a viver duas vidas: uma no mundo “público”, nas redes sociais, na interação com outras pessoas; e a outra em outro mundo, interno, individual, em que nos sentimos “seguros” para ser quem somos. Porém, muitas vezes, nesse estágio, já não sabemos também o que realmente há de único em nossa identidade e acabamos nos confundindo nesse teatro de papéis a que somos submetidos.
O fato é que, no fundo, todos queremos ser amados pelo que somos, não pelo que fingimos ser. Sabemos que vivemos em uma era em que mostrar é mais valorizado do que ser, e por isso a autenticidade tem sido marginalizada, assumindo pouco protagonismo nos nossos ambientes sociais. Um dos responsáveis pela aceleração desse processo foram as redes sociais e sua proposta de uma cultura da aparência: somos incentivados a mostrar vidas perfeitas, corpos esculturais, viagens dos sonhos e sorrisos constantes. E mesmo sabendo que muito disso é encenação, continuamos tentando acompanhar.
Essa pressão constante em aparentar para o mundo algo que não é, seja no campo físico ou em qualquer outro aspecto, cria um cansaço emocional. Passamos a desconfiar de quem somos de verdade. Começamos a nos perguntar se nós mesmos bastamos. A máscara se torna tão parte de nós que tememos retirá-la.
O desafio de ser autêntico
Visto isso, ser autêntico num mundo de máscaras é um verdadeiro desafio digno de um herói. Sabemos que ser autêntico não é fácil, afinal, como já apontamos, o medo da rejeição é real. Ao tirar a máscara, nos tornamos vulneráveis e isso pode assustar. Mostrar fragilidades pode gerar críticas, assim como expressar opiniões sinceras pode causar desconforto. Ser verdadeiro pode significar perder espaço em alguns grupos.
Muitos artistas e pensadores pagaram caro por serem autênticos. Um exemplo claro foi Van Gogh que morreu na miséria, mas se manteve fiel ao seu olhar sensível, mesmo em seus piores dias. O fato é que a autenticidade exige coragem. É preciso suportar o desconforto inicial da exposição para colher os frutos de uma vida coerente e, principalmente, é preciso se reconectar com quem se é, depois de meses ou anos vivendo para agradar.

Por isso, não existe autenticidade sem autoconhecimento. A famosa frase do Oráculo de Delfos continua a ser válida nos tempos atuais: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses”. Conhecer a si mesmo é um passo fundamental para enxergar a realidade tal como ela é, e não como gostaríamos que fosse. Encontrar nossa essência e perceber que essa mesma identidade está em toda natureza é um grande desafio, mas vale a pena ser vivido.
Portanto, permita-se mudar. Ser autêntico é, em última instância, um sinal de evolução. A autenticidade não é um estado fixo, mas um movimento constante de retorno a si mesmo. Em um mundo que nos ensina a representar, ser autêntico é um ato revolucionário. É escolher a verdade em vez da conveniência. É optar pela profundidade em vez da superficialidade. É abraçar a própria humanidade, com falhas, dúvidas e imperfeições.
Comentários