“Sandman”: A Obra-Prima Sombria Que Conquistou Milhões

Sandman, de Neil Gaiman, é a prova de que a arte não conhece limites. Desde seu lançamento em 1989, essa HQ revolucionou o mundo dos quadrinhos e, décadas depois, conquistou novas mídias, incluindo uma série na Netflix. Portanto, não importa a época ou os meios, sempre que existir uma cultura humana haverá junto a ela expressões artísticas. 

Nem sempre, porém, reconhecemos o valor das obras e por muito tempo algumas ficam renegadas ao limbo. Assim, após décadas ou mesmo séculos ocorre da humanidade redescobrir um grande artista e suas criações. Outros, entretanto, constroem verdadeiros universos e conseguem transpor os limites da arte, levando sua criação para outras mídias e cenários. Esse é o caso de “Sandman”, uma das obras mais espetaculares do artista Neil Gaiman. 

Capa icônica de Sandman, HQ de Neil Gaiman.
Sandman: a obra-prima de Neil Gaiman.

Um dos fatores que contribuíram para o sucesso duradouro de “Sandman” é sua abordagem inovadora. Gaiman desafiou convenções tradicionais ao misturar gêneros, criar personagens complexos e abordar temas profundos. Nesse sentido, podemos afirmar que “Sandman” transcendeu os quadrinhos devido sua abordagem complexa dos personagens, levando os leitores a se identificarem com os dilemas vividos por eles. 

Esse sucesso o levou a ser visto como um fenômeno cultural, rompendo as barreiras do seu nicho. Não por acaso, desde sua estreia nos quadrinhos em 1989, Sandman é um fenômeno no mundo das HQs (sigla para História em quadrinhos), sendo uma das mais bem sucedidas do ramo. Entretanto, enquanto obra de arte ela estava restrita ao público de leitores que apreciam tais narrativas, porém, tudo mudou em 2022 quando chegou sua adaptação para as telas a partir da série “Sandman”, criada pela plataforma de streaming Netflix.

Neil Gaiman e sua criação: Sandman. Na estreia da Netflix.
Neil Gaiman e sua criação: Sandman.

Esse fato fez com que a obra de Gaiman ganhasse novas proporções, atingindo um público maior e que provavelmente nunca conheceria a sua narrativa se não fosse pela adaptação a série. Assim, ao conseguir transportar a mídia e levar sua arte para milhões de pessoas, o artista não apenas pode ganhar um novo público, mas também podemos apreciar essa grande história por  outras mídias e aprofundar em seus ensinamentos.

Não por acaso, Sandman continua a cativar e intrigar leitores e espectadores ao redor do mundo. Mas sobre o que ela trata? Será que podemos extrair ensinamentos valiosos dessa obra? O que a faz, afinal, ser tão popular mesmo depois de décadas de lançamento? Tudo isso e mais um pouco é o que vamos conhecer a partir de agora.

Conhecendo mais sobre Sandman

Neil Gaiman introduziu os leitores ao mundo de “Sandman” em 1989, através da DC Comics, criando uma narrativa singular que mescla fantasia, terror e filosofia. Num primeiro momento essa parece ser uma história sombria e, em alguns pontos, de fato o leitor será mergulhado nesse universo um tanto quanto complexo, entretanto, garantimos que Sandman vai muito além do que sua estética indica.

A história gira em torno de Morpheus, o Senhor dos Sonhos. Morpheus faz parte de um seleto grupo chamado de Perpétuos, seres tão poderosos que estão acima das divindades, uma vez que, dentro do universo de Gaiman, não precisam da fé humana para existir, diferentemente dos deuses. Estes seriam, em síntese, forças da natureza que governam a existência, ou seja, são aspectos que não podem deixar de existir pois regem todo equilíbrio do universo. Os sete perpétuos, que aparecem no universo de Sandman, são: A morte, o desejo, o delírio, o desespero, a destruição, o destino e o sonho, que é representado por Morpheus.

Os sete Perpétuos representados artisticamente.
Os Perpétuos: entidades que governam o universo de Sandman.

Todas essas características se apresentam no mundo de Gaiman como aspectos que influenciam na humanidade. De fato, é inegável que todos nós já sentimos um pouco do efeito de algum desses aspectos de nossa psique e da vida em si, afinal, não se pode escapar de nenhum deles. Entretanto, não pensemos nessas forças de maneira negativa, mas sim em componentes que fazem parte da criação e estarão sempre ao nosso lado.

Frente a isso, passamos a acompanhar a jornada de Morpheus em suas aventuras. Sua história, porém, não se limita apenas à exploração de seu papel como um dos Perpétuos, mas também à sua evolução pessoal e emocional. Inicialmente, Morpheus se apresenta como uma entidade distante e inflexível, que não tem pena dos humanos e dos seus dilemas, cumprindo assim suas obrigações. Porém, como parte da narrativa, o personagem passa a evoluir e adquirir virtudes importantes para a sua função,  aprendendo assim sobre redenção, mudança e responsabilidade. 

O Aprisionamento de Morpheus

O estopim dessa mudança se dá a partir do seu aprisionamento no mundo humano. Capturado de “sem querer”, a entidade passa décadas no mundo humano, o que acarreta consequências drásticas no mundo. Como guardião dos sonhos, quando Morpheus é capturado aqueles que dormiam já não podem despertar, pois uma de suas grandes funções está em reger o mundo dos sonhos, dando-lhes início e fim. Daí que vem o nome da obra “Sandman”, que em português poderia chamar-se “o homem da areia”, em referência às secreções oculares que geramos enquanto dormimos.

Após conseguir libertar-se (Não daremos spoiler de como isso ocorre) Morpheus precisa reconstruir seu reino e recuperar seus artefatos de poder, também perdidos ao longo de seu tempo no cárcere. À medida que ele interage com outros personagens e enfrenta desafios, a entidade percebe que sua rigidez o torna vulnerável e que até mesmo uma entidade eterna precisar mudar. É esse ponto de mudança que faz toda a narrativa girar e podemos perceber um Morpheus, um dos mais poderosos seres do universo, precisando evoluir e melhorar sua maneira de pensar o mundo, a si mesmo e sua função no Universo.

O que podemos aprender com “Sandman”?

Visto isso, Neil Gaiman provoca uma boa reflexão aos leitores: se até uma entidade poderosa como o guardião dos sonhos precisa refletir e mudar, será que nós também não devemos? O personagem serve como um escudo e, ao mesmo tempo, uma espada para o autor e nos coloca para refletir sobre nossos valores, nossa postura diante da vida e a rigidez que muitas vezes assumimos quando queremos determinar o que é o certo e o errado de forma dogmática.

Morpheus refletindo sobre sua existência no Reino dos Sonhos.
A jornada de autoconhecimento de Morpheus nos ensina sobre mudança e evolução.

“Sandman”, portanto, não é apenas uma história para nos entreter. A série provoca reflexões profundas sobre os nossos deveres e também brinca com a tênue linha entre sonhos e realidade. Esse é um outro ponto muito bem trabalhado por Neil Gaiman e que também cabe a nós refletirmos. Enquanto o Reino dos Sonhos, governado por Morpheus, é um espaço onde a imaginação é lei e onde os desejos humanos tomam forma, a realidade é, naturalmente, um mundo em que não há tanto espaço para tais sonhos. Assim, o reino de Morpheus é capaz de proporcionar prazeres diversos e, ao mesmo tempo, é facilmente um local que podemos ficar aprisionado em fantasias e pesadelos.

Essa dualidade que o reino dos sonhos cria e seu contraponto com a realidade é uma das chaves que são extremamente exploradas na obra. Além disso, Gaiman nos mostra a importância que os sonhos têm em nosso mundo, pois é graças a eles que podemos moldar a realidade ao nosso redor. Aqui podemos apontar a distinção da palavra “sonho”, pois sabemos que podemos nos referir a nossos projetos de vida e desejos, mas nesse caso estamos falando de fato do processo psíquico que nos ocorre ao dormir.

A dualidade entre o Reino dos Sonhos e a realidade.
O equilíbrio entre sonhos e realidade é um dos temas centrais de Sandman.

Nesse sentido, os sonhos cumprem um papel fundamental na maneira como percebemos e moldamos o mundo ao nosso redor, uma vez que muito do que nos ocorre na psique – e em nossos sonhos – advém de uma série de elementos que ficam às sombras de nossa percepção, mas que existem e nos direciona ao longo de nossas decisões pela vida. Assim, o mundo dos sonhos é o momento de expressar tais desejos e percepções, podendo assim perceber o que nos domina a nível subconsciente.

As influências em Sandman

Combinando influências de mitologia, literatura clássica e folclore, a obra também se destaca pelas suas referências. O próprio personagem, Morpheus, é uma referência ao deus do sono na mitologia grega, visto como um deus misterioso e profundo, que estaria no submundo e viveria no palácio de Hades, o senhor desse mundo subterrâneo. Apesar de acharmos que Hades é um deus “mal”, o fato é que essa divindade não é ruim em si, mas é vista como tudo aquilo que não conhecemos, o mistério por excelência. Por isso que o sono – e os sonhos – estão nesse reino, uma vez que também não sabemos distinguir perfeitamente o que se passa nesse mundo onírico.

Ao longo da obra surgem outras centenas de referências à diversas mitologias: grega, nórdica, egípcia, hindu e tantas outras, até mesmo autores do início do século XX como Lovecraft. Tudo isso mostra não somente o conhecimento de Gaiman, mas sim sua capacidade de relacionar ideias e usar desses arquétipos clássicos para colocá-los em uma roupagem moderna, fazendo com que essas ideias possam ser vividas em um novo tempo.

Por que Sandman é atemporal?

Por fim, devemos entender que “Sandman” não é apenas uma história em quadrinhos ou uma série de TV; é uma obra de arte que desafia convenções e captura a imaginação de seus fãs de maneiras profundas. Gaiman, no fundo, consegue reproduzir a ideia clássica de um artista: o de ser ponte entre as ideias e o seu público. Através da sua obra, o autor nos ensina sobre o valor do dever, aprender a evoluir enquanto ser humano e buscar novas formas de existir, não caindo nas ideias pré-fabricadas do nosso tempo. 

Capa da serie da Netflix do Sandman
Sandman na Netflix

A partir da complexidade de seus personagens, da riqueza de suas referências culturais e das reflexões que provoca, “Sandman” permanece como um dos mais impactantes trabalhos da ficção contemporânea, reafirmando o poder dos sonhos e das histórias que contamos. E é por isso que indicamos fortemente que assistam a essa série!

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