É incrível como em uma receita sempre há algum ingrediente que se destaca, que nos atrai o paladar, como cerejas no topo de uma deliciosa torta de chocolate. Apelando para outros sentidos, também encontramos facilmente no dedilhar de um piano triste algo que nos arrebata em uma canção, ou mesmo a textura singular de um tecido, sublime ao toque. Mas é claro que uma sobremesa feita apenas de cerejas, sem suas camadas de sabores cuidadosamente preparadas ao lado de outros ingredientes, uma música com apenas duas ou três notas e nenhuma intensidade sentimental de um músico e um tapete persa de um único fio, sem os característicos trançados e desenhos singulares, até poderiam chamar nossa atenção, mas não a manteria interessada por muito tempo. O que verdadeiramente nos impressiona em algo, seja por sua Beleza, Força ou até utilidade, é a integração harmônica entre tudo o que o compõe e o transforma naquilo que é.
Partindo dessa ideia, ao longo dos séculos ouvimos muitas histórias sobre heróis e suas façanhas, problemas homéricos que parecem, de início, impossíveis de serem resolvidos, mas que, ao fim, devolveram à humanidade a chance de viver em paz. Nos inspiramos nesses heróis, tentamos seguir seus exemplos, mas, será que podemos seguir o caminho que trilharam, aprender com a moral da história que contam e praticá-la, sem, no entanto, termos grandes poderes?
Como bem sabemos, essas histórias se transformaram em grandes mitos com profundo conteúdo filosófico, deixando como síntese não os poderes e façanhas desses heróis, mas sim seus Valores Morais. Desse modo, o maior poder que podemos desejar é o de sermos nós mesmos, ou seja, de nos identificarmos com o nosso melhor e jamais trair as Virtudes que buscamos cultivar. A diferença, afinal, de um herói e um vilão está no seu caráter. Inspirado nesses arquétipos, podemos dizer que a maior prova para nós não é salvar o mundo, nem restaurar a paz em todo o Universo, mas manter-nos em equilíbrio e caminhando cotidianamente dentro da nossa rotina. Desejamos, por vezes, a Força de um Hércules, ou a Coragem de Aquiles, mas, na verdade, basta-nos cumprir com o nosso dever enquanto Ser Humano. Para isso não é preciso derrotar Tróia ou cumprir 12 árduos trabalhos, mas apenas fazer o nosso.
Assim como uma torta de cereja leva ovos, leite, farinha de trigo, entre tantas outras coisas que precisam ser medidas e misturadas seguindo um ritmo e uma ordem, nós também precisamos caminhar em nosso próprio ritmo para alcançarmos o sucesso. Para isso não precisamos de super poderes, apenas de nossas Virtudes: Disciplina, Organização, Constância, Perseverança e as demais. Infelizmente, ainda gastamos nossa atenção apenas no resultado, quando todo o processo até chegar ao sucesso mostra-se tão mágico e extraordinário quanto sua própria finalidade. Ainda focamos apenas na frutinha de dar água na boca que se destaca em cima de tudo que foi gerado para ela ser colocada lá. No fim, fora das histórias de super heróis, mostra-se o mundo real: pessoas comuns, com poderes comuns, qualidades e defeitos comuns, mas cheias de frustrações extraordinárias por não se sentirem especiais. Devemos aprender a gostar do comum, a nos realizarmos nas pequenas tarefas, pois são a partir das pequenas provas que chegaremos às grandes e desafiadoras realizações.
Achar que ser “super” é importante nos distrai do nosso real papel como Ser Humano. Ao tentar agradar milhares de pessoas que nos acompanham pelas redes sociais focando nelas toda nossa atenção, deixamos de lado outras coisas ao nosso redor, que nos aguardam, como ingredientes, para misturarem-se conosco e fazermos uma receita que irá alimentar os que têm fome de nossa presença, de nosso carinho. Isso está ao nosso alcance. Algumas pessoas, ao longo dos tempos, conseguiram ser realmente importantes, se tornaram verdadeiros heróis, mas todos tinham o mesmo objetivo de proteger o direito de sermos simples, de sermos comuns e vivermos uma vida normal. A identidade secreta de um super herói é guardada a sete chaves e não é à toa.
Cultivar, portanto, as Virtudes dos heróis é o maior ato de heroísmo que se pode cometer nos dias atuais. Os vilões, em verdade, não são grandes gênios do mal, mas, na maior parte do tempo, são nós mesmos: ao sabotarmos nossos planos e justificarmos nossos fracassos, por exemplo, deixamos que o “mal” que há em nós vença. Quando deixamos ser tomados pela preguiça, pelo medo e pelos mais diversos instintos, que buscam apenas a própria satisfação, estamos deixando nossos verdadeiros poderes se esvairem.
Assim, devemos resgatar o nosso Herói interior, aquele que age por Princípios e que tem nas suas Virtudes o seu poder. Ser comum é, de fato, o mais especial dom que podemos ter em um mundo onde as pessoas cada vez mais desejam se destacar do Todo.