Quem nunca assistiu, pelo menos uma vez na vida, o clássico desenho da Disney lançado em 1994? Quem nunca ficou cantarolando aquela música de abertura, “Ciclo sem fim”? O Rei Leão é um filme que fez parte da vida de muita gente que hoje já está na faixa dos 30-40 anos, e felizmente, a nova geração vai conhecer esta pérola, graças ao remake do desenho que sairá essa semana nos cinemas! O filme tem de tudo um pouco, por isso que se tornou um clássico do cinema: beleza, comédia, música, história e aprendizado. Repleto de lições sobre valor, honra, responsabilidade, sobre a vida…
Três situações nos chamam mais atenção no Rei Leão: o primeiro é Simba, que ainda pequeno deseja ser rei como seu pai Mufasa. Scar, tio de Simba, que quer assumir o reinado a qualquer preço. E Timão e Pumba, com sua doutrina do Hakuna Matata. Mufasa ensina sempre ao seu filho que ser Rei é muito mais do que desejos pessoais, é assumir um papel que lhe cabe, é agir por dever, garantindo que todos ocupem seu devido lugar na natureza, muito similar ao conceito de Platão sobre o que é Justiça! Simba, muito ingênuo, deseja ser rei, deseja toda a pompa que seu futuro promete, mas Scar deseja muito mais estar no trono. Numa tentativa de fuga e sobrevivência, Simba foge para longe, encontra Timão e Pumba e esquece do seu compromisso como rei, ao adotar a nova forma de vida do Hakuna Matata, de esquecer os problemas e viver sem preocupações. Até que a vida dá um jeito de reestabelecer a ordem natural das coisas e relembrar Simba do seu papel no reino. Muito mais do que uma historinha, O Rei Leão traz relações muito semelhantes aos mitos da antiguidade clássica, e mostra através de seus personagens as diferentes posturas que tomamos ante as nossas responsabilidades… CONFIRA:
Simba
É o herói dos mitos, passa por uma jornada para aprender quem é, superar os seus desejos e cumprir com o seu dever, de garantir o bem para todos. O mitólogo Joseph Campbell explica esse Monomito em seu livro “A Jornada do Herói”. Na verdade, todos os heróis da mitologia, e também das grandes obras que se tornaram clássicos, seguem uma mesma estrutura da trama. O heróis passam por várias etapas para, por fim, cumprir com a sua missão. Em outras palavras, Simba é também Hórus, é Arjuna, é Hamlet, é Ulisses… É a própria alma humana. Cada um de nós, de certa forma, é um Simba que está na sua jornada para compreender a si mesmo e o papel que deve cumprir no Ciclo da Vida.
Mufasa
É o Rei Justo, o Rei filósofo. Na sua principal obra sobre política, “A República”, Platão descreve um modelo de sociedade justa, onde cada um deve cumprir o seu papel e aprender a sacrificar um pouco de si mesmo. Nesta sociedade ideal, quanto maior o posto na hierarquia, maior deveria ser o seu sacrifício em nome da sociedade. Neste caso, o Rei Justo é aquele que abre mão completamente de si mesmo, de seus interesses egoístas, para poder servir ao seu povo. Esta ideia de um governante que se sacrifica pelo seu povo pode parecer muito estranho para a nossa época, mas durante séculos, essa ideia estava presente em várias civilizações, desde os romanos, gregos e principalmente os egípcios, na figura do Faraó. Mufasa simboliza o justo Rei Salomão, o Rei Arthur, e o deus egípcio Osíris. Este último, segundo o mito, foi traído e assassinado pelo seu irmão, Seth (Scar?). Após a sua morte, Osíris passa a reinar nos Céus e seu filho, Hórus (Simba?), luta para derrubar a tirania do tio e reestabelecer o reino de Justiça na Terra. Assim como Simba olha para as estrelas para consultar seu pai e os reis do passado, todos nós também precisamos de exemplos, de arquétipos para nos inspirar a sermos cada vez melhores. Em nós, Mufasa é o modelo de quem queremos ser, é a ideia do ser humano ideal.
Scar
É o lado negro da força, a adversidade. Traz a corrupção e perturba a paz, mas ao mesmo tempo é necessário para que Simba encontre a si mesmo e descubra seu papel. Nos mitos, todos os personagens cumpre com um papel importante. O vilão também é necessário para fazer com que o herói amadureça. No fim das contas, antes da traição de Scar, Simba era apenas um leãozinho mimado que queria ser rei para ter poder sobre os outros, e não para cumprir com um dever perante a sociedade e a Natureza. Nos mitos, existem vários personagens como Scar: O deus egípcio Seth, que já foi comentado; O rei dos demônios, Ravana, do mito indiano Ramayana e, de certa forma, a própria deusa Hera, que é quem traz problemas absurdos para a vida de Hércules e o obriga a cumprir 12 trabalhos impossíveis para um ser humano comum. Por isso ele teve de encontrar dentro dele o poder divino para cumprir com o seu dever. Ou seja, foi Hera quem fez com que Hércules se tornasse um deus, Scar fez com que Simba se tornasse um Rei, assim como as provas que surgem nas nossas vidas fazem com que cresçamos espiritualmente, por isso, apesar de muitas vezes passarmos por situações difíceis e que não conseguimos compreender, essas são essenciais para nos tornarmos pessoas melhores e desenvolvermos nossas virtudes.
Nala
É a dama que inspira o herói a cumprir o seu papel. Nos mitos, a dama representa a alma, a parte mais nobre dentro do herói que ajuda a lembrar quem ele é. No mito de Teseu, é Ariadne quem lhe oferece as ferramentas necessárias para que ele vença o Minotauro e não se perca dentro do labirinto. No mito indiano do Mahabharata, a princesa é o que simboliza a união dos irmãos pandavas e o que os motiva a reconquistar o reino roubado. Mesmo quando cometemos muitos erros, e tomamos decisões equivocadas, sempre há uma esperança de redenção e superação. Nala é o símbolo disto que há dentro de nós. É essa parte que nunca se corrompe, se mantém pura para nos lembrar de quem somos e nos ajuda a encontrar o caminho correto.
Timão e Pumba
Representam o prazer, o conforto. Uma parte de nós mesmos que não querassumir compromissos, só viver a vida de forma livre. Mas que, se bem conduzida, pode ajudar o herói a assumir seu devido lugar. Na Odisseia, o herói Ulisses passa anos tentando voltar para a sua terra natal, a ilha de Ítaca. Em algum momento da viagem, ele faz uma pausa na ilha de Eana, onde vivia a feiticeira Circe. Lá, ele fica tão maravilhado com o conforto do lugar, os vinhos, os alimentos e com todos os prazeres que Circe lhe oferecia, que acaba se esquecendo da sua pátria, de sua esposa e de sua família. Após retomar consciência e decidir abandonar a ilha, a própria feiticeira o ajuda a concluir a sua viagem. Assim também são Timão e Pumba, muito alegres, felizes e seguem uma vida descompromissada cantando o seu lema: “Os seus problemas, você deve esquecer!”. Isso nos ajuda a entender que os prazeres da vida não são um problema por si só, o problema é quando somos dominados por eles e acabamos abandonando o nosso dever e nos esquecendo de quem somos.
Rafiki
É o velho sábio, aquele que ensina ao herói quando o mesmo ainda não consegue ver por si só. Esta é uma figura chave dentro dos mitos. É o mestre, é o guardião dos conhecimentos sagrados. Ele antevê o que vai acontecer, pois compreende o Ciclo da Vida, entende as leis da Natureza e o seu papel como sacerdote é garantir que tudo aconteça de acordo com o que deve acontecer, para que o equilíbrio seja mantido. É o mago Merlin que educa Arthur enquanto jovem; É o mestre Krishna que traz luz para as dúvidas do herói Arjuna, no Mahabharata; É o centauro Kyron que treina Hércules. Mas pode ser também o Mestre dos Magos, da Caverna do Dragão, o mestre Yoda, de Star Wars, o Mestre Ancião, dos Cavaleiros dos Zodíaco. É aquela voz dentro de nós que sempre nos aponta o caminho correto, e também nos traz a convicção de que tudo vai dar certo no final.
E aí… Com qual destes personagens você mais se identifica?
Além de nos alegrar e marcar a nossa infância, essa grande obra, por se inspirar em clássicos do passado e no simbolismo de antigos mitos, nos deixa muitas lições importantes para aprendermos mais sobre nós mesmos e sobre o papel que nos cabe neste “Ciclo sem Fim”.