Qual Face de Afrodite Mais lhe Atrai?

O amor é um dos sentimentos mais sublimes do ser humano. Entretanto, talvez seja um dos mais complexos e profundos de se compreender. Não por acaso, todas as civilizações humanas construíram, a partir da sua mitologia, divindades que representavam o amor. Isso é mais do que uma coincidência: é a percepção desse nobre sentimento que flui naturalmente dentro de nossa alma humana. Apesar dessa naturalidade, encontrar o amor e suas diferentes faces não é uma tarefa simples.

Podemos amar tudo: desde nossos bens materiais até aquilo que já não existe fisicamente, como as ideias. Também amamos nossos animais, plantas, outros seres humanos; e podemos categorizar diferentes formas de amor: fraternal, romântico, utópico etc. Ainda é do amor que derivam outros nobres sentimentos, como a amizade, mostrando assim que não é tão simples definir o que é, de fato, amar e todas as nuances que esse termo nos implica.

Em contrapartida, no mundo atual, sentimos que a palavra “amor” tem sido banalizada. Não diferenciamos seu conceito do que é paixão muitas vezes, ou mesmo do significado da expressão “prazer de possuir um bem material”. Falamos que amamos o carro, o celular, o computador, a casa e, ao mesmo tempo, falamos que amamos outra pessoa, amamos o país ou a Deus. Será que todos esses amores são iguais ou estamos usando de forma indevida essa palavra? Para chegar a essa resposta, precisamos aprofundar nossa relação com essa ideia. Isso é o que faremos no texto de hoje!

O amor como percepção universal

Poetas, artistas e músicos eternizaram o amor contando e cantando através de suas obras. Ainda hoje, em um mundo que já não busca as ideias de forma simbólica, e sim puramente de forma racional, o amor saiu do campo da divindade e adentrou a arte, sendo um dos principais temas  para as obras modernas. Ainda assim, se voltarmos um pouco no tempo, perceberemos o lugar de destaque dentro das religiões para o amor. 

Não vamos nos alongar sobre as diferentes deusas do amor nas civilizações antigas, contudo, vamos nos aprofundar em um dos mitos mais importantes da Grécia Antiga: o mito de Afrodite. Essa deusa grega, ou Vênus para os Romanos, sempre foi conhecida como a deusa do amor, da fecundidade e dos amantes. Representada como uma bela mulher desnuda, surgindo de uma concha, tinha uma beleza encantadora e se tornou um símbolo de feminilidade. Além disso, Afrodite ainda era tida como a mais bela das deusas, relacionando assim o Amor com o Belo, sendo esses dois conceitos, dentro da cultura grega, inseparáveis.

O amor, portanto, em todas as suas formas revela uma face da beleza, seja física, psicológica ou espiritual. É por isso que o amor pode aparecer nos corpos belos, mas principalmente em gestos, ideias e atitudes que representam esse arquétipo de unidade. E como Afrodite nasceu? Vamos conhecer o seu mito.

c5cb3e e6addcfddd244526946416af17c070d9 mv2

De Pandemus a Urânia, qual face de Afrodite mais nos agrada?

De acordo com a mitologia grega, Afrodite nasceu das espumas abundantes do mar, provocadas pela queda do sangue e do esperma de Urano, o deus que representa o Céu Estrelado, que teve sua parte fálica castrada por seu filho Cronos. Conta o mito que Urano, o deus dos céus e um dos deuses principais da Grécia, teve seu papel de principal divindade usurpado por Cronos, o deus do tempo, que ao derrotar o pai ceifou seu órgão genital. O contato desse órgão com a espuma do Oceano primordial da terra fez nascer Afrodite, a deusa do amor. O que isso significa?

Para entender esse mito precisamos desenvolver uma linguagem simbólica, capaz de decifrar e refletir sobre as ideias que estão colocadas no mito. Sendo assim, precisamos entender que Urano representa a divindade celeste por excelência, ou seja, é o aspecto divino que fecunda a matéria. Contudo, essa matéria não está contaminada, mas tem como grande símbolo a pureza, tal qual as espumas do mar que estão sobre as águas, mas não se contaminam com ela. Assim nasce o amor: quando o divino encontra a pureza na matéria. Essa é a face mais divina de Afrodite, vista como uma deusa poderosa, capaz de levar os mortais até o cume do Olimpo.

Agora que já entendemos o simbolismo, conta o mito que Afrodite emergiu dentro de uma grande concha, possuidora de uma beleza admirável e invejável por todo o Olimpo. Essa beleza divina, porém, foi coberta com um manto para poder ter uma forma alcançável no mundo físico. Assim, esse arquétipo do amor, que é Afrodite em sua forma desnuda, ganha novos traços ao interagir com elementos terrestres, dando assim novas nuances a esse amor sublime.

Apesar dessa forte simbologia, no senso comum, Afrodite acabou sob um olhar do amor ligado à força e ao poder das paixões, como a deusa protetora dos amantes regidos pelo instinto natural dos desejos e da atração sexual. Essa percepção está largamente representada na literatura de folhetins, nos filmes e nas obras da maioria dos artistas, sendo essa versão de Afrodite mais conhecida como a “Afrodite Pandemus”, que terá sempre uma conotação do amor físico entre as pessoas.

Reduzir, porém, essa sublime deusa a apenas ao fogo das paixões que incendeia os amantes é um tanto quanto menosprezar o seu verdadeiro papel. Assim, apesar da Afrodite Pandemus ser largamente confundida como a deusa do amor em si, ressaltamos que essa é apenas uma de suas faces. Essa divindade, muitas vezes dita como filha da abundância e da carência, representa, de fato, todas as nossas paixões que, quando invadem o ser humano, o deixam preso ao/à amante. 

Basta pensarmos no que ocorre quando estamos apaixonados por algo ou alguém: não conseguimos nos desconectar daquela emoção, desejando encontrar o ser amado a todo momento, como se nunca fosse o suficiente. Entretanto, na ausência desse ser, caímos na carência e desejamos fortemente nos apaixonar mais uma vez. Assim, Afrodite Pandemus nunca está satisfeita e, tal qual nossos desejos, nunca está saciada.

c5cb3e 1ab8fd8d8e4e4216b57cdafe062ee87b mv2

Entretanto, há uma face do mito muito pouco conhecida, ou, no mínimo, não propagada como deveria, que é a versão da “Afrodite Urânia”. Nesta versão, ela simboliza a deusa protetora do Amor Puro e Ideal. Nascida do próprio Céu Estrelado, representa a União entre o Céu e a Terra, ou seja, uma Unidade entre nossas ações terrenas, e a nossa Alma Divina.

Por representar o Amor Profundo, Afrodite Urânia carrega em si a essência do Bem, da Justiça e da Beleza, e por onde passa deixa o seu “perfume” e uma aura celestial. Nela mora a Plenitude da Unidade e do Amor, que não é impactada pelos fatores externos ou pelas forças da matéria. É o Amor que não envelhece, que não enfraquece, que não é carente… O verdadeiro amor incondicional. Para alguns filósofos, todas as formas de amor derivam desse arquétipo Uno que não se confunde com as aparências, mas busca na essência das coisas a Centelha Divina, que é a origem de tudo.

c5cb3e a269109cf11a4ba5ab435827afc88ce2 mv2

Vale lembrar que a Afrodite Pandemus, segundo o mito, não pode alcançar essa Beleza Una porque se enamora apenas do resplendor do seu reflexo nas coisas mais sensíveis, ou seja, na aparência. Por ficar presa às ilusões do mundo material, só compreende a força dos amores efêmeros e, assim, perde a possibilidade de ter contato com a Beleza verdadeira, que é a Beleza Interior. Pandemus é o desejo que necessita de “carne”, necessita do toque, dos sentidos, e necessita possuir e controlar.

Simbolicamente, as duas faces de Afrodite refletem a dualidade de nossa Alma. Uma parte dela está como Narciso, presa e enamorada pelos corpos, pela matéria, por tudo que é passageiro. Essa é a nossa parte que sempre busca o prazer e foge da dor. Mas há em nós também uma outra parte, que só compreende o que é eterno, ou seja, as formas e a Beleza das Virtudes.

É por isso que quanto mais elevarmos a nossa consciência a pensamentos, sentimentos e ações virtuosas, mais estaremos sendo conduzidos por Afrodite Urânia até aos mais elevados graus de prazeres espirituais. Caso contrário, seremos sugados por nossa Afrodite Pandemus, e o que restará será o mundo das aparências, das possibilidades efêmeras e dos prazeres limitados, que nos aprisionam no vício e no descontrole.

Comentários

Compartilhe com quem você quer o bem

MENU

Siga nossas redes sociais

Ouças nossa playlist enquanto navega pelo site.

Este site utiliza cookies para melhorar sua experiência, de acordo com a nossa Política de privacidade . Ao continuar navegando, você concorda com o uso de cookies.