A vida é uma jornada. Essa frase, além de poética, nos leva a refletir sobre a nossa existência no mundo e o caminho que percorremos a partir das escolhas que fazemos. De fato, à medida que avançamos no tempo, passamos a trilhar uma jornada individual e, com a liberdade de nossas escolhas, somos capazes de construir uma nova forma de viver e pensar a realidade, repleta de descobrimentos, aventuras e desafios. Grande parte disto – para não falarmos em totalidade – ocorre internamente, e seus efeitos se tornam visíveis no mundo externo, como um espelho que apenas reflete o objeto posto à sua frente.
Colocando em exemplos, imagine um jovem que desde cedo busca a liberdade fora dos padrões convencionais. Dentro de si há um mundo em ebulição, cheio de ideias e desejos a serem realizados. O que ocorre quando esse jovem alcança a maioridade, ou seja, agora já não depende – teoricamente – dos seus familiares? A tendência é que extravase tudo que reprimiu durante anos, tal qual um vulcão entrando em erupção.
Daí nascem os exageros, as decisões equivocadas e outra série de ações que só foram vividas devido a esse mundo interno caótico. Todos nós conhecemos alguns casos dessa natureza, porém, isso não é exclusivo de um tipo de pessoa ou grupo. Na verdade todo ser humano passa por esse processo dentro de sua própria experiência.
Considerando esses aspectos internos, muitas religiões e doutrinas filosóficas estabeleceram um símbolo para marcar esse caminho de transição pela existência: a peregrinação. Provavelmente você, meu caro leitor, já ouviu falar de alguma peregrinação, até mesmo já possa ter pensado em participar de uma, mas o que isso significa? Já pensou sobre o sentido profundo disso? Pois é, se você considerar todas as peregrinações que existem e já existiram na história ao longo de todas as civilizações humanas, desde as pirâmides do Egito até os oráculos gregos, bem como nas mais diversas culturas, as quais não conhecemos em profundidade, como maias, incas, astecas, polinésios, entre outras, concluirá que o Ser Humano é um ser peregrino.
Mas o que isso significa? O que é uma peregrinação? Por que esse fenômeno é tão recorrente na Humanidade e que significado profundo tem?
Primeiramente, devemos ressaltar que peregrinar não é simplesmente viajar em direção a algum templo, monumento ou totem considerado Sagrado. A viagem é apenas uma externalização do processo que acontece dentro, afinal, como falamos, toda jornada humana começa de dentro para fora, do nosso mundo interno para o externo.
Uma peregrinação é a expressão no mundo físico de uma busca interior; a procura de algo divino que está enraizado em nosso ser, mas que não é fácil de ser encontrado. Nesse sentido, podemos pensar a realidade a partir de dois planos: um plano concreto, prático, que percebemos com os nossos sentidos – visão, olfato, paladar, audição etc. – e um plano interno, que é sutil, vivenciado pela nossa psique, no qual sentimos e pensamos.
O fenômeno da peregrinação está atravessado entre esses dois planos. No plano interno, um peregrino busca, no mais profundo da sua Alma, o encontro com Deus. Independente de qual religião professe, e em qual momento da história se encontre, ou a qual etnia pertença, lá no seu mais recôndito lugar interno, ele quer encontrar um núcleo que tem a ver com a Unificação de tudo que existe na Natureza, no Cosmos e na Humanidade. E essa busca é tão intensa, tão profunda e tão real que precisa se manifestar no plano prático e experiencial.
Assim nasce a peregrinação. Muita gente não entende e se pergunta: o que leva alguém a deixar o conforto do seu lar, a segurança de seu lugar de origem para viajar por terras estrangeiras, enfrentando perigos e adversidades de todo tipo só para chegar a um lugar e depois voltar? Como fazem os mulçumanos em direção à Meca, ou os cristãos às basílicas do Vaticano ou à Jerusalém, a Terra Santa onde viveu Jesus? Na verdade, esse ato é a expressão no mundo prático de um processo interno, como já falamos.
Todos nós temos uma busca interior, porque tudo indica que nossa Alma, essencialmente, é muito maior do que esta existência. Esta vida que temos, com todos os laços familiares, profissionais, sociais etc., é apenas uma porção do que somos em profundidade. Se o mundo externo limita o ser humano, através das dimensões do espaço e do tempo, o seu mundo interno é um verdadeiro universo quântico ilimitado.
Quanto de amor, por exemplo, cabe em nossos corpos? E de generosidade? E de sentir-se ligado ao Universo? Nosso mundo interno rompe qualquer barreira física por não precisar estar no tempo e espaço para existir, é a verdadeira evidência da inteligência divina que habita em nós e em todos os lugares do Cosmos. É o mundo por trás do mundo.
Somos seres oceânicos, esta experiência de vida que vivemos hoje é apenas uma gota de água do oceano que somos em essência. Então, intuitivamente, nossa Alma busca esta dimensão oceânica do Ser. E essa busca é análoga a uma jornada em direção a um lugar que a represente, daí que nasce o fenômeno tão antigo da peregrinação.
Um dos peregrinos mais influentes da Humanidade foi Abraão, um dos heróis do Velho Testamento. Por que ele é o mais influente da história? Porque hoje mais da metade da população mundial é adepta de alguma religião abraâmica, quais sejam, cristianismo, islamismo e judaísmo. Somando a quantidade de seguidores dessas religiões ao longo do planeta, hoje, ultrapassam 3,5 bilhões de pessoas. Tudo começou com uma peregrinação.
Conta-se que Deus falou para Abraão: “sai da tua terra, do meio dos teus parentes e vai para uma terra que eu te mostrarei”. E assim iniciou-se a saga de Abraão em direção à Terra Prometida. Na verdade, essa jornada é simbólica, a “Terra Prometida” de Abraão não é um lugar físico, mas um estado de consciência, ou poderíamos também chamar de uma etapa evolutiva na experiência da Humanidade.
Esse mesmo movimento é percebido no Bhagavad Gita, escrito sagrado da cultura hindu, em que se narra uma batalha pela conquista de uma cidade, Hastinapura, que simbolicamente é representativa da Sabedoria, também um estado de consciência. A Acrópole de Atenas, construída 150 metros acima do nível do mar, com a qual hoje vibramos diante das ruínas do Partenon, é representativa também desse lugar alto em direção à qual peregrina o Espírito Humano. Assim podemos perceber que toda a cultura humana parece convergir em um mesmo ponto: a busca por este lugar, que é Sagrado, Ideal e Elevado.
Esse pulsar Sagrado da Alma Humana se manifesta nas experiências de peregrinação. O caminhante expressa no mundo prático a sede da sua Alma pela dimensão Divina, que existe dentro de si. Tem uma poesia escrita nos textos sagrados das religiões abraâmicas que diz: “Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma.”
Presente em toda a história da Humanidade, a peregrinação é mais do que um ato de fé. Como falamos, nossa alma vibra pelo Sagrado e sua expressão física é a busca por estes locais, que podem estar na natureza ou serem construídos por outros seres humanos. Uma das peregrinações mais feitas pela Humanidade, por exemplo, é a do Monte Kailash, na China. Para Budistas, hindus e outras religiões, esse é um dos locais mais sagrados do mundo. Os antigos Tibetanos consideram que a salvação de uma vida poderia ser alcançada ao fazer o percurso em volta desta montanha mística, capaz de purificar os pecados dos peregrinos e os colocar em sintonia com seu Eu Superior.
Todo ano, milhares de pessoas vão até essa região a mais de 5 mil metros de altura para realizar a peregrinação, que pode levar de 1 a até 3 dias de caminhada para percorrer os 50 km ao redor da montanha. É um percurso relativamente curto quando comparado ao caminho de Santiago de Compostela e seus 600 km; porém, o ar rarefeito é o verdadeiro desafio para aqueles que querem purificar sua jornada.
Por fim, a vida animal ainda nos brinda com uma excelente analogia a respeito da peregrinação. Sabemos que a corça é um tipo de animal que quando se perde no deserto e fica muito longe das águas, acaba liberando um odor que atrai os predadores. Assim, elas levantam a cabeça a fim de captar as correntes de vento e sentir o cheiro das águas. Ao identificar a direção em que se encontra um ribeiro ou um lago, correm com toda a força e energia que têm para alcançar as águas.
Essa corrida é uma questão de vida ou morte, a sede é intensa e o risco de serem capturadas é muito grande, assim correm desesperadamente. Quando alcançam o ribeiro, elas não bebem as águas nas margens, mas mergulham nos lugares mais profundos, de modo que lá nenhum predador as alcance, e além de saciar-se por dentro, o leito do rio as acolhe por fora.
Essa é uma grande metáfora da peregrinação Humana, pois aquele que percorre os caminhos dessa jornada o faz em busca da salvação, da superação da vida comum a partir do encontro com sua parte mais divina. A jornada até esse mar pode ser exaustiva, sofrida e seu corpo físico certamente vai rejeitar essa experiência, mas o seu mundo interno alegra-se pelo fato de poder entrar em uma dimensão espiritual, que tanto aguarda.
Busquemos com toda a nossa Alma esse lugar profundo que nos sacia e nos protege, esse lugar alto, de evolução consciencial. Essa é a nossa mais genuína peregrinação Humana: a busca pelo conhecimento profundo que eleva a consciência e revela quem somos no mais íntimo de nosso Ser, fazendo-nos transcender da experiência de gota d’água à realidade de seres oceânicos.