Pakan e a Árvore da Vida

Todo ser humano busca por uma aventura. Não estamos falando necessariamente de subir montanhas, atravessar rios ou combater um perigoso vilão. Essas narrativas encontramos nos filmes e quase sem querer somos atraídos automaticamente por elas. Você imagina a razão disso? No fundo, todos nós sentimos uma ânsia de descobrir o novo, algo que está oculto dentro ou fora de nós, e por isso nos colocamos em marcha. Essa “curiosidade” natural é o que inclina todo e qualquer ser humano para o saber, por isso na antiguidade se sabia que todos nós, de algum modo, buscaríamos a sabedoria. O problema, por vezes, é que procurávamos o saber a partir dos nossos sentidos, extremamente limitados, e não por meio de nossas capacidades mais elevadas: a razão e os sentimentos.

Dito isso, é fato que um dos maiores motores que impulsionam a humanidade é a bondade e a busca pela felicidade. Ambas são quase o produto uma da outra, visto que quando somos bons acabamos, consequentemente, felizes. Para os mais céticos, basta relembrar a última vez em que você foi verdadeiramente bondoso, ou seja, na qual fez uma boa ação sem pensar em nenhuma recompensa. Certamente, seu peito foi preenchido por um sentimento de bem-estar e seu dia se tornou melhor graças a esse ato, correto? A bondade é a semente que precisamos regar dentro de nós para que um novo ser humano possa surgir, mais belo, justo e verdadeiro.

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Essa, porém, não é uma tarefa simples ou rápida, e por isso podemos chamá-la de uma verdadeira jornada interna. Se por um lado pode-se pensar que os frutos dessa construção de virtudes é individual, visto que cada ser humano que parte em busca de melhorar a si mesmo será, efetivamente, uma pessoa melhor, mais bondosa e com demais qualidades, por outro lado é nítido que todo o esforço que fazemos para desenvolver as virtudes deve ser dirigido para o próximo. Sim, pois nenhuma virtude serve só para o seu possuidor, mas sim para aqueles que se beneficiam dos atos do ser humano virtuoso.

Para simplificar esse pensamento, reflita sobre a seguinte questão: se uma pessoa se diz paciente, quem usufrui dessa paciência? Certamente, os demais que contam com aquela virtude. Ou ainda, é possível uma pessoa ser paciente apenas consigo mesma? Claro que não. Do mesmo modo, virtudes como bondade e generosidade atuam da mesma maneira, tendo como principais beneficiadas as pessoas ao nosso redor. A jornada interna, portanto, não trata de alcançar uma glória ou benefício próprio apenas, mas principalmente de querer ajudar o próximo.

Foi pensando nisso que alguns alunos da Universidade de Ciências Aplicadas em Hagenberg, na Áustria, produziram um belíssimo curta chamado “Pakan”. Pakan é um curta-metragem de aproximadamente nove minutos, lançado em 2016, que aborda a história de um jovem que parte da sua aldeia com a importante missão de salvar o seu povo, que padece com o processo de desertificação em que se encontrava o mundo.

A animação se inicia com cenas que refletem a dura sobrevivência e a resistência às dificuldades de um povo que se encontra sem água e sem comida. O jovem protagonista é chamado pelo ancião, seu Mestre, para ir em busca da Árvore da Vida, única possibilidade e esperança para restaurar a terra, a vegetação e todos os seres viventes. Ao deixar para trás o que restava do seu povo, o jovem carrega consigo apenas um mapa contendo três estrelas e uma caixa que só poderia ser aberta quando chegasse ao local indicado no mapa. Esse é o início de sua jornada na qual as dúvidas tomam toda sua mente, mas a confiança em seu mestre e a finalidade de sua missão fazem com que o jovem se coloque firme diante das provas.

Com o coração pesado pela responsabilidade do futuro da humanidade, o jovem tem o dever de encontrar uma árvore que teria o poder de restituir a Vida, e isso o leva a enfrentar vários desafios por caminhos desconhecidos, forçando-o a testar todos os seus limites até o último momento. Como uma última prova, ele enfrenta uma tempestade de areia. Neste momento, ele pensa em desistir da procura e abandonar sua missão, mas, mesmo diante do perigo iminente, resolve enfrentar os seus medos e seguir adiante.

Após atravessar um longo caminho e superar todas as provas, o jovem chega ao seu destino. Confere a localização no seu mapa, que estava marcada pelas estrelas do céu, e abre a caixa dada pelo seu mestre. Nesse momento, ele descobre que essa caixa, que o acompanhou durante toda a sua viagem, carrega a semente, não de uma planta qualquer, mas da própria Natureza Humana, e nela contém o Mistério da Vida. 

Com a esperança fixada na sua missão, no seu mestre e nas estrelas do seu mapa, ele pôde vencer e salvar o seu povo. Mais do que isso, salvou a si mesmo do deserto mortal que aprisionava a todos não só fisicamente, mas também psicologicamente.  

Pakan é um curta muito bonito de se assistir, carrega consigo todos os encantos e belezas das chaves que precisamos para a nossa “luta” na vida diária. Simbolicamente, os elementos que compõem toda a trama nos trazem reflexões muito profundas sobre a importância das Virtudes da Constância e da Persistência, o papel da força da juventude e, principalmente, o Mistério da Árvore da Vida. Nesse sentido, o curta vai muito além de um mero entretenimento e passa a ser uma história baseada em grandes narrativas mitológicas, o que demonstra a profundidade simbólica que nos é apresentada.

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Comecemos a falar dos seus símbolos então. Podemos entender o processo da desertificação do mundo como o processo de desumanização em que atualmente nos encontramos. É notório que o egoísmo, a competitividade e o orgulho, por exemplo, que atualmente são utilizados como valores-base em nossa sociedade, neguem a possibilidade de uma vida coletiva, assim como inviabilizam o nascimento do verdadeiro Ser Humano. Esse é o verdadeiro deserto de virtudes em que vivemos, no qual cada vez mais precisamos de alimento espiritual, ou seja, uma vida virtuosa e bem vivida. Não se trata de viver um aspecto material, visto que na sociedade atual é algo que grande parte das pessoas possui, mas sim de vivermos de maneira espiritual, voltados para aspectos que perpassam nossos desejos. Daí a necessidade de nos conectarmos urgentemente com a Árvore da Vida, retratada no filme como a solução do problema daquele povo. A Árvore da Vida é, na verdade, o verdadeiro alimento para o ser humano e seus frutos seriam as virtudes.

Existe uma máxima filosófica que nos lembra que a Vida é muito mais mágica do que lógica. E, seguindo por essa perspectiva, cabe lembrar aqui que, no curta, os frutos da Árvore da Vida eram embriões humanos sendo gerados. Um claro símbolo de Esperança no futuro. Entretanto, o jovem só pôde ver e se conectar a essa Verdade depois de superar a sua saga, depois de assumir o compromisso da missão em nome do Todo e não da parte. Para isso, precisou vencer os seus medos e as suas debilidades com Persistência e Constância. E só depois pôde ter acesso ao Mistério da Vida e à Esperança no futuro. 

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Quando o protagonista oferece a si mesmo como solução, ele se torna a própria Árvore, simbolizando a Virtude do Sacrifício (Sacro Ofício). Dessa forma, ele deixa de ser um simples homem e se Une a toda a Natureza, se fundindo ao Todo. Como já concluiu a sua missão, a de resgatar a Natureza Humana, agora ele viverá dentro de todos os novos Homens e Mulheres Virtuosos que nascerão daquela Árvore. 

Como podemos perceber, toda a missão do jovem está em resgatar na humanidade esse alimento indispensável, que é a vida espiritual. Ele não deseja a árvore para si, mas sim para os seus irmãos e irmãs. Esse ato de generosidade vai ao máximo quando ele mesmo torna-se a Árvore da Vida, assim tornando-se um arquétipo a ser seguido devido à sua bondade e generosidade, e ao sacrifício pelos outros. A mensagem, portanto, de Pakan, nada mais é do que uma jornada que sai do deserto do egoísmo até a beleza da vida espiritual.

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Todos nós podemos percorrer esse caminho. O primeiro passo, talvez, seja reconhecer o deserto que nos cerca e perceber que estamos, em algum grau, enterrados entre essas dunas. Depois disso, devemos buscar a Árvore da Vida. Caminhar em busca da Árvore da Vida é, em grande medida, caminhar em direção ao nosso coração, a nossa parte mais atemporal e reconhecer que uma vida feliz é, necessariamente, uma vida com sentido em direção ao bem. 

As chaves simbólicas que Pakan nos traz são de uma profundidade que não podem ser esgotadas somente em algumas palavras dentro de um texto, mas que podem nos ajudar e nos orientar na seguinte reflexão interna: Como anda o nosso processo de desertificação? Estamos sem Vida e sem Esperança no futuro? Ou estamos, assim como o jovem, vencendo os nossos medos, superando as nossas batalhas e dispostos a nos sacrificar em nome do Todo? É sempre importante preservar essa semente de Humanidade, protegê-la de todas as adversidades e, mais importante do que tudo, fazê-la brotar dentro de nós para que os frutos da Virtude possam alimentar as próximas gerações.

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