A Flauta Mágica é uma das óperas mais famosas da Humanidade, raras são as obras elaboradas com tamanha profundidade e perfeição musical quanto esta. Foi composta por Wolfgang Amadeus Mozart e teve seu texto escrito por Emanuel Schikaneder, um libretista alemão e colega maçom de Mozart. Ambos se uniram nesta parceria que resultou numa obra com diversos simbolismos maçônicos, gregos e egípcios estreada no ano de 1791 em Viena, na Áustria, especificamente no Theater auf der Wieden. Além disso, Mozart estava envolvido com os ideais humanistas e com as ideias de Liberdade, Igualdade e Fraternidade em moda pela Revolução Francesa, deixando também traços disto neste grande legado da Humanidade.
Mas antes de tudo, o que seria um símbolo? Um símbolo consiste numa imagem, uma figura que guarda uma ideia, uma mensagem. Se tivermos uma visão ainda mais profunda sobre eles, constataremos que não só as mitologias e grandes obras de arte são simbólicas, mas a Vida como um todo. A Vida é simbólica, pois através dos seus acontecimentos (das suas imagens) podemos extrair aprendizados, Sabedoria e amadurecimento. Assim, podemos observar que por trás dos simbolismos da Flauta Mágica, seus criadores deixam mensagens veladas e tentar desvendá-las é o nosso propósito com este texto.
A estréia da Flauta Mágica ocorreu em 1791 em Viena, dois meses antes da morte de Mozart. O contexto da ópera é a luta entre a Rainha da Noite, ambiciosa pelo poder, e Sarastro, um grande sacerdote que pratica o Bem, para o qual trabalha Monostatos, que o trai e se alia à Rainha da Noite. Neste contexto encontramos dois casais: Papageno e Papagena, representando o lado comum da Humanidade, que busca seus próprios interesses e Tamino e Pamina, que seria o lado mais elevado e altruísta da Humanidade.
Sendo assim, a história começa quando Tamino, um príncipe de terras distantes, foge de uma serpente e é salvo por três damas, conhecidas como companhias da Rainha da Noite, a qual encarrega Tamino de salvar sua filha Pamina. Pamina havia sido raptada pelo malvado Sarastro. Nesta busca, quem acompanha o príncipe é Papageno, um pobre e inocente homem coberto de penas, cuja função é caçar pássaros para a Rainha da Noite, tendo como recompensa pão e vinho. A dupla recebe uma flauta e um jogo de campainhas mágicas como presente, e como guias aparecem três jovens formosos e sábios.
Papageno é o primeiro a encontrar Pamina após uma disputa com Monostatos, seu carcereiro mouro, e foge com ela. Porém, os três jovens levam Tamino até a entrada de três templos: Sabedoria, Razão e Natureza, e surgem neste momento vozes que impedem Tamino de entrar em duas portas, restando apenas a Sabedoria. Essa prova simboliza a capacidade humana, representada por Tamino, de atravessar as provas para encontrar a consciência, representada por Pamina. Ou seja, atrás da porta da Sabedoria o homem encontrará a consciência. Porém, de onde vem a Sabedoria? Vem da capacidade humana de conseguir equilibrar dois mundos: o material e o espiritual. Neste momento o mundo material é simbolizado pela porta da Natureza, com todas as suas formas, mistérios, elementos deste mundo concreto e a outra porta, a da razão representa o mundo espiritual, o do fogo. Talvez a grande prova humana seja equilibrar, dosar e harmonizar seu lado mais humano com os seus desejos mais destrutivos, e encontrar a Sabedoria para chegar à consciência, equilibrando dentro de si a matéria e o espírito. Logo depois, Tamino encontra um sacerdote que lhe explica que havia sido enganado pela Rainha da Noite e que na verdade, Sarastro não era tão mau quanto ele pensava. Neste momento, ele fica completamente desconcertado, sente uma profunda solidão e fica se perguntando quando então encontraria a luz, tendo como resposta de vozes invisíveis: “já ou nunca!”.
É visto então que os dois instrumentos mágicos, a Flauta de Tamino e as campainhas de Papageno, tinham o poder de encantar as feras, aplacar a cólera e trazer paz aos corações. Sarastro regressa de uma caçada em seu carro puxado por leões e Tamino, Papageno e Pamina são aprisionados por Monostatos e levados à presença do sacerdote.
Tamino e Pamina olham face a face Sarastro, que ordena que sejam levados ao templo das provações com as cabeças cobertas, uma vez que ainda não estavam puros. Neste momento, eles são submetidos a várias provas. Tamino é tentado pelas três damas da Rainha da Noite, e Pamina recebe a ordem de sua própria mãe de assassinar Sarastro, mas opta pelo suicídio ao invés de seguir os sombrios passos da própria mãe ou se ver separada de Tamino, que com seu voto de silêncio pensa não ser mais amada por ele. Neste momento, Pamina representa o Ser Humano fiel aos seus Princípios e Ideais, aquele que não quer viver a qualquer preço e coloca a própria vida em jogo diante da possibilidade de trair seu senso de Justiça e do Bem.
Os três jovens salvam Pamina, explicam que Tamino continua a amá-la e Papageno deixa de estar ao lado de seu companheiro, porque os Mistérios e as Provas não eram para ele. Guiados pelo som da Flauta Mágica, Tamino e Pamina são conduzidos à passagem dos quatro elementos, a maior e mais perigosa de todas as provas, sendo representados na obra pelo Fogo e pela Água. Após lograrem a travessia, nasce o triunfo de ambos pelos Mistérios de ísis.
Papageno opta pelo suicídio, com uma visão ingrata de que a vida não era para ele, porém os jovens intervém e o salvam, encontrando uma noiva prometida a ele, a Papagena. Nesse momento os jovens ensinam a Papageno que a vida o respeitaria como um homem simples, com suas necessidades simples, e que ele seguiria sua vida com a sua Papagena.
Monostatos e a Rainha da Noite então se aliam para destruir o templo solar, mas as forças da escuridão agora estavam repelidas para sempre. Uma vez que Tamino e Pamina passaram pelas provas de Fogo e Água, e assim, as sombras foram banidas. Por trás do seu simbolismo, isso quer dizer que houve uma superação do materialismo, ou seja, nesse momento o Homem conseguiu se sobrepor à sua parte mais animalesca e agora busca as estrelas e se mantém voltado para o céu.
A obra então termina com a seguinte frase: “Salve Iniciados, haveis penetrado no seio da noite. Graças a vós, Ísis e Osíris! A Força venceu e a Beleza e a Sabedoria foram premiadas com a coroa eterna”. A Beleza e a Sabedoria vencem, como símbolo do Bem que vence o Mal. Assim ocorreu em tantos mitos e assim se revela na Flauta Mágica, que mostra que a finalidade da Humanidade é caminhar em direção ao Bem, à Unidade e esse é o único caminho possível: superar o mal em direção ao Bem.
Através de todas as suas cenas e personagens, Mozart e Schikaneder, mostram um universo existente dentro de cada Ser Humano. A disputa interna entre bem e mal, a opção por seguir a vida ou desistir dela, e a esperança e confiança de que ao final a luz e a força prevalecerá acima de todas as circunstâncias. Eis diante de nós a decisão de nos mantermos Homens comuns, como Papageno, que busca satisfazer sua própria sobrevivência e lhe recai a angústia de não ver sentido na vida, ou seguirmos a busca de Tamino, que guiado pelo som da Flauta Mágica, do Divino dentro dele mesmo, busca a superação interna, passa por suas provas e é premiado com a Verdade.