Você já desejou que um momento da sua vida não tivesse fim? Ou que, de alguma maneira, sua juventude fosse eterna? Esse é um sonho comum para grande parte das pessoas, mas que nunca pôde ser realizado, pois o tempo, como já diria o poeta, não para. Por sua própria natureza, tudo que existe, desde a galáxia mais complexa do cosmos até a mais ínfima forma de vida, irá, em algum momento, fechar o ciclo e desaparecer, transformando-se assim em uma outra forma. Nós, seres humanos, também estamos sujeitos a essa lei da natureza e, por mais que não gostemos de pensar sobre o assunto, também iremos desaparecer em algum momento. Apesar de compreendermos essa ideia de maneira intelectual, ela não é simples de ser aceita e muito menos de ser vivida, concordam?
Não por acaso, praticamente todas as civilizações humanas buscaram representar esse desejo da imortalidade através dos seus mitos e lendas. Podemos citar, por exemplo, a Epopeia de Gilgamesh — para muitos o primeiro texto literário do mundo, em que o herói sumério busca encontrar uma planta que lhe dê a imortalidade. Já nos mitos gregos, o grande diferencial entre os seres humanos e os deuses é o fato de que as divindades não perecem com o tempo e por isso são retratados, em diversos momentos, chamando os homens e mulheres simplesmente de “mortais”. Algumas histórias gregas ainda nos falam das lições que podemos aprender quando desejamos a imortalidade. Uma delas é a de Titono, que ao apaixonar-se pela deusa Aurora, conseguiu que Zeus o tornasse imortal, mas esqueceu-se de pedir de ser eternamente jovem. Assim, Titono passou a envelhecer e com isso tornou-se cada vez mais debilitado, sendo condenado a nunca morrer e viver cada vez mais fragilizado. Outras histórias ainda nos contam sobre uma fonte da juventude, em que poderíamos nos banhar em suas águas e sair de lá eternamente jovens, com todos os atributos que compõem, de maneira natural, essa fase da vida.
Você já parou para pensar o por quê de nos preocuparmos com isso? Uma das principais razões pela qual buscamos a imortalidade é o medo. O fato de sermos seres autoconscientes faz com que estejamos despertos para compreender que um dia iremos morrer, e isso nos causa um terrível sofrimento. A angústia de não saber o que ocorre após esse momento nos leva a desejar que ele jamais ocorra, uma vez que preferimos o conhecido (que é a vida que estamos agora) do que o desconhecido. Outro ponto fundamental que nos faz ir em direção a esse desejo é o apego pelo que estamos vivendo. Quando estamos vivendo algo que consideramos bom, acabamos ligados às sensações, pessoas e aos cenários que nos envolvem. Esse impacto positivo em nossas emoções está ligado a diversos fatores, mas o resultado que ele nos provoca é o desejo de que aquilo continue ininterruptamente.
Coloquemos isso em um exemplo: imagine que você está rodeado de pessoas queridas, em meio a uma paisagem que lhe agrada como um dia na praia, em cima de uma montanha ou mesmo em uma casa agradável. Nesse local com seus amigos(as), você está se divertindo, tendo, enfim, um momento de pura alegria. Nosso desejo natural nestes momentos é que aquele tempo torne-se eterno, correto? Isso ocorre por nos apegarmos a agradável sensação que as emoções nos causam e consequentemente, mesmo sabendo que um dia a festa irá acabar, que os amigos irão embora e que aquela paisagem não será para sempre, desejamos que o momento se eternize. Tal apego aos desejos nos faz querer revivê-los sempre, então convidamos os mesmos amigos para vivenciar novamente aquele momento. Mas ele não será igual, como diz Heráclito, filósofo da Grécia Antiga: “um homem não pode banhar-se no mesmo rio, pois nem ele é o mesmo e nem as águas do rio.”
Frente a esse dilema humano, hoje vamos indicar a leitura de um dos maiores clássicos da literatura que retrata, de maneira singular, a busca pela juventude eterna. Estamos falando do livro “O retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde. Para aqueles que preferem assistir, também deixamos registrado que “O retrato de Dorian Gray” foi levado para as telas em 2009, podendo ser assistido pela plataforma de streaming Amazon Prime. Aqui nesse texto, porém, falaremos mais na literatura, visto que é a fonte original desse clássico. Escrito em 1890, o livro chocou a sociedade ao descrever cenas lascivas do protagonista, o eterno jovem e belo Dorian Gray; mas o verdadeiro espírito da obra — a discussão central acerca da juventude eterna — também foi captado, e a história rapidamente tomou status de um clássico.
A narrativa se passa na Inglaterra da Era Vitoriana, sendo assim um retrato mais ou menos fiel do mundo vivido por Wilde. O escritor, então, nos apresenta Dorian Gray, um jovem que de tão belo serve como inspiração para o pintor Basil Hallward, que o tem como expressão máxima da beleza. Gray até então é um jovem casto, sendo um reflexo da própria candura, mas que passa a ser corrompido ao conhecer o Lord Henry Wotton. Henry apresenta Gray ao mundo das sensações, ao qual devota-se toda energia para realizar os prazeres da libido e o qual busca libertar todos os instintos. A justificativa de Henry para sua “filosofia” de vida é o fato de que nada dura, deve-se, logo, aproveitar o tempo que tem enquanto ainda o possui.
Gray então percebe o dilema que irá viver: mesmo sendo belo, um dia irá envelhecer. Diferentemente do quadro que está sendo pintado, que preservará para sempre sua imagem, Gray será vencido pelo tempo. Pede então, quase inocentemente, que possa trocar de lugar com o quadro para que este envelheça e aquele se mantenha eternamente jovem.
A partir disso, a vida de Gray — influenciado pela filosofia de Henry Wotton — passa a ser regida pelos prazeres mundanos. Porém, silenciosamente percebe-se que, ao longo dos anos, a beleza do jovem não decaía, nem mesmo uma pequena ruga despontava em seu rosto, enquanto todas as pessoas, como é natural, foram envelhecendo. Basil, o artista que pintou seu quadro, passa a perder a admiração natural que tinha por Gray, pois sua beleza externa não era o mais excepcional do jovem, mas sim sua pureza interna. Quando essa foi corrompida pelo estilo de vida adotado por Gray, Basil não mais o enxerga como uma pessoa virtuosa; somente alguém que se vendeu ao seu pior lado.
Apesar de ter conquistado a juventude eterna, Dorian Gray se vê preso em sua maldição. Ele passa a ver todos ao seu redor morrendo, deixando de lado os prazeres e, em certa medida, seguindo com o curso natural de suas vidas. Ele, porém, está eternamente preso a essa imagem que lhe foi dada, sendo assim um escravo dos prazeres e dos desejos. O seu quadro, porém, passa a refletir a alma do jovem que, à medida que o tempo passa, torna-se cada vez mais feia. Sendo um verdadeiro espelho de sua essência, Gray acaba percebendo que este não é o caminho que buscava e que a entrega a todos os desejos, dos mais grosseiros aos refinados, foram buscados pelo medo de um dia perdê-los. Assim, o jovem percebe que vive uma maldição e não, uma benção.
A reflexão que Oscar Wilde nos obriga a fazer com a história de Dorian Gray é sobre até que ponto vale a pena irmos pelo que desejamos. Para além disso, é importante perceber se de fato o que desejamos é algo benéfico ou se estamos, tal qual os antigos magos negros das tradições, usando nossos “poderes” somente ao nosso favor. No caso de Gray, sua beleza externa era um reflexo da interna, porém, ao apaixonar-se pela vaidade de ser o mais belo jovem de Londres, foi vencido pelo medo de encarar a prova do tempo.
Por fim, é fundamental enxergar que os nossos verdadeiros valores não estão à mercê do tempo. Mesmo que nossa forma mude, nossos olhos se tornem cansados e a morte nos leve para uma outra dimensão, o que verdadeiramente marca as pessoas ao nosso redor e a nós mesmos são os valores que deixamos no mundo, que são obras atemporais. Patrimônios são consumidos pelo tempo, casas e prédios podem vir abaixo, mas nada nos rouba o valor de uma vida entregue à um ideal de bondade, de justiça e de beleza. Talvez jamais conheceremos o mistério da morte, mas que possamos compreender que a verdadeira eternidade está na própria vida, que todos os dias nos permite alimentar nossos aspectos mais internos. Gray, ao perder sua condição interna, deixou morrer aquilo que mais lhe era precioso, mesmo sem saber: sua alma. Não nos deixemos cair nessa armadilha.