A religião está presente na Humanidade desde seus primeiros dias. Ainda na pré-história, quando morávamos em cavernas e diversas populações humanas eram nômades, existem registros de formas de cultos e ritos, além de pequenas estatuetas que pressupõem um tipo de adoração. De fato, para alguns historiadores e arqueólogos a capacidade de pensar de modo subjetivo, ou seja, ter pensamentos abstratos é o que nos torna únicos enquanto espécie, uma vez que alguns primatas já conseguem desenvolver raciocínio lógico, mesmo que muito básico.
Partindo disso, a religião é um dos elementos que diferenciam a nossa espécie das demais, uma vez que ela não parte de dados objetivos e comprovados, mas sim de uma elaboração mental que considera o subjetivo e imaterial. Se voltarmos até a etimologia da palavra, veremos que “religião” vem do latim “religare”, que significa “reconectar-se” ou “religar”. Assim, nossas crenças, ritos e celebrações religiosas tem como finalidade criar essa conexão com o Divino, com os aspectos superiores da Natureza que, como bem sabemos, não conseguimos quantificar, muito menos objetivar de maneira concreta.
Apesar de atualmente crescer o número de adeptos ao ateísmo, ou seja, pessoas que não acreditam na ideia de Deus, há por volta de 40 mil religiões ao redor do mundo. Ainda que hoje não usemos a religião como base de nossas explicações acerca do Universo, do nosso planeta e nem mesmo da nossa própria existência, por milhares de anos as respostas mais profundas sobre nosso papel no mundo advinham da religião. Por caminhos diferentes dos que hoje utilizamos, mas com o mesmo objetivo, as diferentes religiões buscavam – e buscam – nos dar uma explicação sobre as dúvidas existenciais, os Mistérios do Universo e do Ser Humano.
Visto sua importância para a história humana e sua forte presença nos dias atuais, devemos nos debruçar sobre algumas religiões para entender seus fundamentos e bases de explicação do mundo, afinal, mais de 80% da população mundial segue um credo religioso. Hoje, portanto, conheceremos um pouco mais sobre o Sufismo, uma religião que nasceu do Islã e que tem em sua base filosófica uma entrega e busca acerca dos Mistérios do Cosmos.
Nascida por volta do século VIII a.C., o sufismo é tido como uma corrente interna e mística do Islamismo. Vale ressaltar logo de início que os sufis, como são chamados os praticantes do sufismo, não estão separados do Islã, sendo apenas uma outra forma de compreender e viver as ideias do Alcorão. Uma das características do sufismo é o uso de uma túnica branca, feita de lã, de onde provavelmente vem o nome “sufismo”, uma vez que em árabe a palavra “lã” é “çuf”. Para além disso, para os sufis a túnica branca é um símbolo de Pureza, sendo essa uma característica fundamental para alcançar os Mistérios de uma vida Espiritual.
O Sufismo também é conhecido como “a flor do Oriente” por se propor a ser uma doutrina de autoconhecimento e contato com o Divino. Suas práticas e ritos envolvem dança e, em alguns casos, entrar em um estado de êxtase em cerimônias para atingir o contato com Deus. Dentre esses aspectos, porém, nem sempre ao longo da história os sufis foram aceitos ou tratados de maneira adequada, pois suas práticas religiosas, mesmo no próprio mundo islâmico, não eram vistas com bons olhos. Por não serem entendidos, passaram a ser perseguidos e muitos mestres sufis foram mortos por não abrirem mão de seus Princípios. Um dos casos mais emblemáticos acerca dessa perseguição é a história de Almançor Alhalaje, um mestre sufi do século X que durante uma cerimônia havia professado que ele e Alá tinham se tornado um. Assim, foi condenado por heresia.
Refletindo sobre essa questão, o caso de Almançor exemplifica bem como podemos ser intolerantes frente a novas formas de culto ou mesmo de pensamento. No mundo atual, infelizmente, esses ainda não são casos raros, pois diariamente podemos ver episódios em que não toleramos a opinião alheia. Seja de ordem política, religiosa ou de qualquer outra área, quando nos deparamos com alguém com uma visão de mundo e percepção contrária a nossa tendemos a nos defender, a reagir e, por vezes, acabamos sendo violentos nesse processo. Daí nascem as brigas por convicções distintas, guerras e ataques dos mais variados tipos, sejam a indivíduos ou a um grupo social. A história da humanidade prova que a intolerância, quando descontrolada, naturalmente nos leva a violência e isso, de modo geral, não deve ser uma postura aceitável.
Frente a isso, apesar de nem sempre serem compreendidos e em diversos momentos serem alvo de outros grupos religiosos, o sufismo ganhou adeptos pelo mundo inteiro. Talvez o mestre mais conhecido dessa religião tenha sido o poeta e místico Rumi, que no século XIII destacou-se como filósofo e fundou uma ordem sufi conhecida como Mevlevi. Hoje existem diversas ordens sufis, cada uma seguindo uma doutrina própria, mas tendo as bases da doutrina sufi em comum. Desse modo, por mais que cada uma tenha suas peculiaridades, ainda preservam os principais ensinamentos do sufismo. E quais são, afinal, os principais ensinamentos da doutrina sufi?
Dentre os seus ensinamentos, a doutrina sufi mostra que Deus está em todas as coisas e expressasse a todo momento na nossa vida. Tudo seria um sinal Divino e a forma que a Divindade se comunica conosco seria através de símbolos. Desse modo, tudo que ocorre com um praticante sufi seria uma mensagem de Deus, cabendo a nós entendermos e nos posicionarmos frente a isso. Refletindo sobre essa questão, essa ideia nos faz ver a vida e os nossos dilemas cotidianos de modo distinto, uma vez que eles seriam a maneira pela qual Deus estaria se comunicando conosco e não apenas fruto do acaso. Assim, em última instância, passariamos a ver a vida como um campo de oportunidades de aprendizado e não uma série aleatória de acontecimentos que, sem critério, nos acometeria de forma desigual. Para além disso, partindo do ensinamento sufi poderíamos sentir uma eterna ligação com o aspecto Divino do Universo, uma vez que este estaria comunicando-se a todo momento conosco.
Outro ensinamento profundo da doutrina sufi é a mística união que existe entre todos os Seres Humanos. Para o sufismo não há distinção entre as escrituras bíblicas, a Torá judaica e o Alcorão. Todas as religiões participam do mesmo Mistério e estão falando a mesma “língua”, mudando apenas a sua forma. Em essência, portanto, todas estariam caminhando para o mesmo destino Humano.
Frente a isso, podemos entender o sufismo como uma religião integradora, que busca observar a essência do Ser Humano, muito além dos seus dogmas e preconceitos. Além disso, a busca de viver uma Unidade se mostra fundamental dentro dessa doutrina, algo que, infelizmente, ainda hoje não somos capazes de realizar em sua plenitude. Para os sufis, não haveria distinção entre Maomé e Jesus, por exemplo, sendo ambos seres de Sabedoria que vieram, cada um ao seu tempo e modo, trazer a mensagem de Deus para a Terra.
A doutrina dos sufis também está baseada no ascetismo, ou seja, no desapego de bens materiais, assim como emoções ou pensamentos materialistas. Os sufis buscam esforçar-se para afastar de si o sentimento de ambição e posse, além de buscar o autocontrole e a disciplina necessária para viver uma vida concentrada em sua busca Espiritual. Assim, pautam-se os sentimentos e pensamentos no Amor ao Divino, que não existe apenas externamente, mas em cada Ser da Natureza. O Amor, portanto, é a principal base do sufismo, que entendem ser o ponto em comum entre as principais formas de conexão com a Divindade. Junto a isso, quem verdadeiramente amasse o próximo e sentisse que o Amor é uma Lei Universal não temeria a morte, pois, nas palavras de Rumi, “Só a minha morte é a vida”. Em síntese, o que o filósofo sufi busca dizer é que o momento da morte revela-se como um (re)encontro com o Mistério, também chamado de Deus. Desse modo, a verdadeira Vida abriria-se para ele, sendo a morte não um penoso e triste fim, mas o glorioso desfecho de uma vida dedicada a desvelar o Universo.
Assim, o sufi não teme a morte, nem considera esta um destino terrível. Para além disso, a sua vida torna-se uma caminhada de purificação para, ao final, encontrar-se novamente com a Divindade, aquela que a todo momento comunica-se conosco através de símbolos. Se considerarmos, apenas por alguns segundos, um estilo de vida dedicado a isso, poderemos compreender a força moral e o ímpeto desses homens e mulheres sufis, pois mesmo diante de perseguições, preconceitos e exclusão de certos círculos sociais não foram capazes de diminuir sua fé e crença em seus ensinamentos. O sacerdócio em busca de encontrar-se com Deus é uma inspiradora amostra de como o Ser Humano, por diferentes vias, busca caminhar e entender a Natureza.
Cada um de nós, portanto, é capaz de ir a esse encontro, porém, devemos reconhecer o caminho que nos toca trilhar. No fim, parece-nos, de fato, que chegaremos em um mesmo destino, um mesmo ponto em que nos unimos enquanto Seres Humanos. Quando alcançarmos esse patamar, pouco importará por quais caminhos percorremos, pois todos levarão a esse reencontro com nosso aspecto mais Divino.