O ser humano é uma espécie que busca prazer. Nosso cérebro está completamente adaptado para gerar boas sensações ao realizar algumas atividades ou entrar em contato com sabores e experiências que nos causam um bem-estar. Isso ocorre, por exemplo, após uma atividade física, ao estarmos na presença de quem nos atrai e também ao vencermos uma competição ou jogo. Nesse aspecto, não há problema em gostarmos de tais sensações, afinal, elas de fato nos causam prazer. O problema, entretanto, está quando nos tornamos viciados nisso e buscamos reviver essa sensação a qualquer preço, muitas vezes colocando em risco nossa própria sobrevivência, seja física, psicológica ou social.

Considerando esse aspecto e o mundo atual, hoje vivemos uma verdadeira epidemia de jogos de apostas. Muitos deles extremamente envolventes e com alto grau de vício, uma vez que estimula nosso cérebro de maneira compulsiva ao prazer do risco envolvido no jogo. Assim, apesar de parecer, inicialmente, uma prática um tanto quanto inofensiva e restrita à decisão pessoal, o vício em apostas tem se tornado um problema grave no nosso tempo e merece ser discutido com seriedade. Portanto hoje falaremos dos riscos e das raízes do mundo das apostas para que possamos entender o porquê de estarmos tão engajados nesse tipo de comportamento atualmente.
O fascínio e o risco por trás das apostas
Primeiramente, é válido dizer que as apostas sempre estiveram entre nós. Desde os tempos antigos, o ser humano experimenta a emoção do risco, aquele frio na barriga que vem da possibilidade de ganhar algo valioso com um simples lance de sorte e, ao mesmo tempo, o de perder o que foi investido. No entanto, o que começa como entretenimento pode se transformar em uma armadilha perigosa, capaz de destruir vidas, famílias e sonhos.
Assim, esse flerte com o incerto é próprio da natureza humana e até certo ponto é necessário para podermos evoluir, afinal, arriscar-se é, antes de tudo, a busca pelo novo e desconhecido. O problema é quando esse risco deixa de ser um impulso natural e transforma-se, como entendemos, em um mar de problemas.

Dito isso, não podemos nos furtar de comentar o que ocorre em nosso país. Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado uma verdadeira explosão das chamadas “bets”, plataformas online que permitem apostar em jogos de futebol, cassinos virtuais e até eventos aleatórios. O acesso é extremamente fácil, o apelo das propagandas e dos sites é sedutor, e as consequências, muitas vezes, devastadoras para os seus “clientes”. Graças a internet e a tecnologia, esse tipo de “jogo de azar”, como é costumeiramente conhecido, está dentro de casa e ao alcance de todos, desde jovens até idosos. As bets, nesse sentido, são onipresentes: basta abrir um aplicativo ou rolar o feed das redes sociais para ver anúncios chamativos prometendo ganhos rápidos.
A facilidade de acesso e o discurso de “dinheiro fácil” criaram uma cultura de aposta disfarçada de estilo de vida. Os influenciadores digitais, atletas e celebridades são frequentemente contratados por empresas de apostas para promover plataformas como se fossem oportunidades de sucesso financeiro. Entretanto, por trás do glamour das propagandas e das vitórias mostradas nas redes sociais, esconde-se um número crescente de pessoas endividadas, depressivas e com graves problemas originados a partir do vício por apostas. A ilusão de ganhar dinheiro facilmente acaba atraindo pessoas que não possuem controle financeiro e apostam, literalmente, todos os seus bens em cassinos virtuais.
Chegar nesse nível de vício não é difícil ou demorado, porém, percebe-se que, no fim, o indivíduo caiu em uma armadilha. As campanhas de marketing são planejadas para atingir o subconsciente das pessoas, fazendo-as acreditar que podem criar uma nova forma de vida a partir dos ganhos. Frases como “apostou, ganhou”, ou “transforme seu palpite em lucro”, estimulam a sensação de controle e competência, quando, na realidade, as chances de ganho são calculadas para favorecer a casa de apostas e, na maior parte do tempo, apenas iludir aqueles que acreditam na fantasia de um dinheiro “fácil”.

Influenciadores exibem “comprovantes” de lucros absurdos e alimentam a ilusão de que qualquer pessoa pode viver de apostas. Esse tipo de publicidade é especialmente perigoso para adolescentes e jovens adultos, que ainda estão formando sua maturidade emocional e financeira. Além disso, o fato de vivermos inseridos em uma sociedade voltada ao dinheiro faz com que cada vez mais se deseje ganhar sem precisar se esforçar. Para quem ainda não é maduro o suficiente para entender que a remuneração vem da sua força de trabalho, a promessa de alcançar rios de dinheiro em um clique é extremamente sedutora. Esse gatilho acaba arrastando os usuários para o vício, um terreno movediço capaz de engolir os desavisados que entram nesse território.
A psicologia do vício: o que leva alguém a se prender às apostas?
Para combatermos um inimigo precisamos entender suas estratégias e táticas. Portanto, para lidarmos com o vício é fundamental sabermos seu modo de atuação e efeitos. A rigor, o vício em apostas não é apenas uma questão de falta de controle ou de caráter. Ele é, antes de tudo, uma questão psicológica e neuroquímica. O ser humano é biologicamente programado para buscar prazer e evitar dor, e o ato de apostar ativa áreas do cérebro associadas à recompensa e à dopamina, também conhecido como o neurotransmissor do prazer.
Em síntese, ao realizar o ato de apostar, nosso cérebro entende aquele cenário como prazeroso e libera a dopamina, nos causando uma boa sensação. Esse estímulo, devido ao mecanismo de recompensa, nos faz querer repetir o prazer e senti-lo novamente, com mais intensidade e duração. É aí que mora o problema: o cérebro do jogador passa a associar a excitação da aposta com bem-estar, criando um ciclo viciante. A cada vitória, mesmo que pequena, o cérebro libera dopamina, gerando euforia. Mas nas perdas, que são muito mais frequentes, o cérebro busca compensar o vazio emocional com novas apostas, acreditando que a próxima jogada trará o “grande prêmio”.
Esse é o início do ciclo da compulsão. O jogador alterna entre picos de euforia e abismos de frustração, em uma montanha-russa emocional que, pouco a pouco, domina seu comportamento. A nível de comparação, em um cérebro saudável, a dopamina é liberada naturalmente em momentos de conquista, como, por exemplo, realizar uma tarefa bem-sucedida ou receber um elogio.
No caso das apostas, esse mecanismo é artificialmente estimulado e o jogador passa a sentir prazer mesmo sem conquistas reais, o que o torna tão perigoso. A promessa de “dinheiro rápido” é, na verdade, um gatilho neuropsicológico que engana o sistema de recompensa do cérebro. O apostador se convence de que está no controle, mas, na realidade, é o cérebro que passa a controlar o comportamento, exigindo cada vez mais estímulos para sentir o mesmo prazer.
Não por acaso, esse processo é semelhante ao vício em drogas, álcool ou redes sociais. Todos exploram o mesmo circuito cerebral de recompensa e por isso eles são tão prazerosos para o ser humano e, ao mesmo tempo, se torna difícil encerrar sua ação. Nesse sentido, para um apostador parar é algo complexo, pois mesmo quando reconhece que está perdendo tudo ainda há a lembrança e a busca pelo prazer, que pode estar a uma aposta de distância. O desejo de continuar sendo alimentado pela dopamina o faz ir cada vez mais fundo e se colocar em risco, seja financeiro ou psicológico.
No início, tudo parece inofensivo. O jogador aposta pequenas quantias, e tudo é apenas “só por diversão”. Mas, com o tempo, o hábito se intensifica, se torna mais frequente e as pequenas quantias vão subindo de valor. Aos poucos, as perdas já são bem maiores que os ganhos, um sinal claro de que é hora de parar; porém, o vício nubla nossas decisões, e caímos na fantasia de acreditar que podemos recuperar as perdas anteriores com um único lance de sorte. Na grande maioria das vezes, isso não ocorre, mas sempre há uma nova chance, uma nova esperança, até que as dívidas destruam nosso plano econômico,
Assim, quando nos damos conta, já estamos endividados, mentindo para familiares e sacrificando o que tem de mais valioso: a sua capacidade de controle sobre si. O prazer das apostas dá lugar à culpa, à vergonha e ao desespero. Esse é o ponto em que o vício se consolida e o indivíduo se torna prisioneiro da própria mente.
Os impactos devastadores do vício em apostas
Como podemos perceber, o vício em apostas começa de maneira inocente, mas é implacável em sua eficiência. Ele começa de forma discreta e se expande como uma sombra sobre todas as áreas da vida. A destruição não ocorre de uma só vez, mas em camadas sucessivas, desde a financeira até a emocional e social.
A primeira consequência perceptível é, naturalmente, a financeira. O apostador perde o controle sobre seu dinheiro, e o salário que deveria pagar contas, sustentar a casa ou ser investido em sonhos se esvai em apostas. O cartão de crédito é estourado, empréstimos são feitos e as dívidas se acumulam, levando ao caos das dívidas. Muitos chegam ao ponto de vender bens pessoais, como celulares, eletrodomésticos e carros, em busca da ilusão de uma grande vitória, mesmo quando o histórico aponta para a perda de mais recursos.

Esse descontrole financeiro costuma afetar toda a família, pois, ao deixar de injetar dinheiro na economia familiar, cônjuges, pais e filhos são arrastados para uma situação de vulnerabilidade financeira, além do desespero em assistir a um parente perder não apenas dinheiro, mas principalmente dignidade.
Além do impacto direto no orçamento individual e familiar, o apostador compulsivo vive um conflito interno constante. Ele sabe que está se prejudicando, mas sente-se incapaz de parar. Com o tempo, surgem sintomas de ansiedade, insônia e depressão, comuns em quem vive uma pressão psicológica constante. A mente se torna refém de pensamentos obsessivos sobre o próximo jogo, o próximo placar, o próximo “milagre”. A vida se torna angustiante, pois está sempre entre dois extremos: a frustração de mais uma derrota e a esperança vazia de recuperar o que já não tem mais volta. Essa espiral de desilusões constrói um caminho sólido para a derrocada de qualquer pessoa
Consequentemente, quando as perdas se acumulam, vem a culpa que corrói a autoestima e o amor-próprio. O jogador começa a se isolar, evitando pessoas e situações que possam julgá-lo. Muitos perdem amigos e relacionamentos, criando assim um vazio na vida social. Isso pode parecer um caso um tanto quanto “extremo” ao que estamos comentando, porém, há diversos relatos sobre situações como essa. O vício faz o apostador ser, em último caso, um pária, alguém que não merece a confiança de controlar as próprias finanças e deve estar, assim, submetido à constante vigilância. O vício em apostas é, portanto, uma forma de prisão invisível na qual o indivíduo parece livre, mas vive em cativeiro emocional.
Os vícios além das apostas
Frente a isso, podemos entender que o perigo das apostas não está na sua atividade, mas no que ela provoca no ser humano: o vício. Logo, é preciso entender que podemos cair nessa mesma armadilha em diversos cenários, pois o vício segue existindo e nos rodeando sempre. O vício em apostas é apenas uma das muitas faces dessa condição, à qual podemos estar submetidos. Quando alguém se vicia, seja em drogas, álcool, comida, tecnologia ou jogos, o que está em disputa não é apenas o prazer, mas também uma tentativa inconsciente de compensar uma dor emocional.
O vício, nesse sentido, é uma fuga de si mesmo. Ele mascara dores, mas nunca as cura. Ao contrário, as intensifica, criando um ciclo de dependência emocional e sofrimento contínuo. O que começa como uma possibilidade de esquecer a pressão em que se vive e ser uma maneira de “aliviar o estresse” do cotidiano, passa a ser mais um elemento a ser tratado em nossa condição de vida.
Visto isso, vale se perguntar: mesmo sabendo do risco de ficarmos viciados, por que recorremos a esses modos de vida? Por que buscamos o prazer nesses elementos que, a rigor, vão nos causar mais sofrimento do que felicidade a longo prazo? A resposta é relativamente simples: porque vivemos uma cultura do prazer imediato. Pensemos um pouco: Quanto tempo levará para sentirmos o prazer de ter um trabalho bem feito? Ou de terminarmos um curso? Esse tipo de realização demora meses, anos, e não queremos esperar tanto assim.
Nosso desejo é sentir prazer a cada instante, rapidamente, por isso somos levados a ações que nos gerem isso. Somos viciados em sentir prazer, e isso, a longo prazo, pode arruinar nossa vontade, nossa capacidade de viver valores, pois acabamos nos “vendendo” para continuar a seguir perseguindo essas sensações. Assim, essa forma de viver acaba atrofiando nossa paciência, disciplina e capacidade de esperar e viver tudo em seu devido momento. O cérebro, acostumado à recompensa rápida, perde o interesse por conquistas lentas, como o estudo, o trabalho e o esforço diário. É nesse ponto que o vício se torna mais do que uma escolha e vira uma necessidade psicológica de sobrevivência emocional, embora destrutiva.
Como romper o ciclo do vício em apostas
A boa notícia é que a recuperação é possível. A vontade humana, mesmo nos piores momentos, é uma força descomunal e capaz de lidar com todos os nossos problemas. A questão está em saber convocar e exercer essa vontade. Para tanto, não basta apenas ter “força de vontade”, mas principalmente aprender os caminhos para canalizar mais uma vez esse aspecto. Muitas pessoas conseguem reconstruir suas vidas com o tratamento correto, com apoio emocional e a natural mudança de hábitos, além de se manter longe do que lhe gerou todo esse problema.

O primeiro passo, portanto, é reconhecer e aceitar que há um problema. Apesar de “óbvio”, esse é, muitas vezes, o mais difícil. A vergonha e o medo do julgamento fazem com que muitos apostadores escondam o vício por anos, mas o tratamento só começa quando há aceitação e coragem de pedir ajuda.
Uma vez dado o primeiro passo, o caminho natural para conseguir lidar com os efeitos psicológicos do vício é a psicoterapia. Ela ajuda o paciente a identificar gatilhos mentais, reestruturar pensamentos distorcidos e desenvolver novos mecanismos de enfrentamento quando se depara com crises. Junto a isso, recomenda-se sempre estar em grupos de apoio, afinal, em uma luta coletiva sempre haverá mais força do que somente em um indivíduo. Grupos como os Jogadores Anônimos (JA), oferecem um espaço seguro de partilha e acolhimento, aspectos essenciais para nos dar forças para sair desse cenário de desespero.
Além do tratamento, é essencial investir em educação financeira e emocional. Aprender a lidar com o dinheiro, por exemplo, é algo raro na sociedade. Usamos uma regra básica de “gastar menos do que se ganha”; porém, nem isso às vezes é seguido à risca, e no caso de um apostador, que já demonstra o descontrole devido ao vício, esse aspecto da educação financeira precisa ser ainda mais trabalho. Quando o indivíduo compreende a dinâmica psicológica do vício e como deve combatê-la para garantir sua saúde financeira, torna-se mais difícil ser manipulado por promessas ilusórias de enriquecimento rápido.
Por fim, é importante ressaltar que o vício em apostas é uma das expressões mais dolorosas do vazio que vivemos atualmente. No fundo, ele revela uma sociedade que busca felicidade instantânea e esquece que as conquistas verdadeiras exigem tempo, paciência e propósito. Com a dinâmica de vida atual, isso se torna cada vez mais evidente. Já não temos tempo para esperar, criamos um ritmo artificial que foge da regra da natureza, e isso gera, objetivamente, angústias que acabam encontrando uma válvula de escape através do vício, seja ele de qualquer natureza.
Romper esse ciclo do vício é, portanto, um ato de coragem e amor-próprio. É olhar para si mesmo com compaixão, reconhecer as fraquezas e escolher um caminho de equilíbrio. Em um mundo que nos empurra para o excesso, escolher a sobriedade é um ato revolucionário.




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