Quando falamos de culturas antigas, um ótimo meio para conhecê-las é através dos seus mitos. Costumamos achar que os mitos são lendas ou histórias inventadas, que não guardam nenhum sentido com a realidade, entretanto, isso não está correto. O mito, para além de seus símbolos, preserva ideias e traços culturais que são indispensáveis para compreender como esses homens e mulheres do passado pensavam e acreditavam.
Uma dessas culturas antigas é a Nórdica, ou Viking. A bem da verdade, conhecemos muito pouco sobre seus mitos e, na maioria das vezes, os conhecemos apenas pelo cinema. Provavelmente você já ouviu falar de Thor, o Deus do trovão e filho de Odin, afinal, existem alguns filmes sobre esse Deus. Entretanto, por vezes o cinema não retrata personagens de maneira fiel, muito menos explica seu simbolismo. Pensando nisso, hoje falaremos de outra Divindade da cultura Nórdica: o Deus Loki
Segundo a Mitologia Nórdica, Loki é um Deus com vários atributos. Comumente associado a mentira e a trapaça, ele pode assumir diversas formas para enganar suas vítimas, além de ser o Deus do fogo e da magia. Só por esses atributos podemos perceber que esse é um Deus importante para essa civilização, entretanto, temos uma imagem negativa acerca dele. Poderíamos afirmar que essa imagem foi prejudicada pelo cinema, uma vez que ele quase sempre é o vilão dos filmes em que aparece, mas será que os antigos Nórdicos também o enxergavam assim?
Para responder a essa pergunta devemos recorrer aos mitos que envolvem o Deus. Primeiramente, devemos compreender que na Mitologia Nórdica há duas classes de Deuses: os Aesir, que são os Deuses que habitam em Asgard, e os Jotun, Deuses com força sobre-humana que disputam a soberania com os Aesir. Por terem uma cultura guerreira, é recorrente nos mitos nórdicos a presença de batalhas entre Deuses e criaturas divinas, uma vez que sua mitologia apresenta-se como um espelho da vida desses homens e mulheres.
Loki sempre está gerando discórdia entre os Aesir. Uma das histórias que o envolvem, por exemplo, conta que o Deus da mentira chegou a um local em que se reuniam os outros Deuses. Cada qual falava da letalidade de suas armas e suas habilidades, porém, quando Loki chega ao recinto todos param de conversar. Ao mesmo tempo, não permitem que ele se sente junto aos Deuses e nem que lhe sirvam hidromel. A irritação de Loki faz com que ele xingue e cause problemas no local, até que Odin pede para que um de seus filhos, o Deus Vidar, associado à vingança, ceda seu lugar a Loki.
Vidar o faz sem questionar, porém, Loki continua suas investidas aos outros Deuses. Em certo momento, um dos Deuses se irrita com as provocações e ameaça matá-lo. Odin tenta interferir, mas também passa a ser alvo das injúrias do Deus da mentira, o que acaba por gerar uma discussão generalizada. Somente quando Thor chega ao local e ameaça dizimar Loki com seu martelo Mjolnir, é que o Deus para com a discórdia e resolve sair do local.
No fim do mito, Loki é perseguido pelos Deuses e capturado. Ele então é colocado preso à uma rocha com uma serpente pingando veneno sobre o seu corpo. A esposa de Loki, vendo o sofrimento de seu marido, segura uma vasilha para que o veneno não pingue sobre ele. Entretanto, eventualmente o recipiente fica cheio de veneno e é preciso que a Deusa esvazie-o. Quando isso ocorre, uma gota do veneno pinga em Loki, o que faz o Deus gritar de dor ao ponto de fazer a terra balançar. Segundo os antigos Nórdicos, essa era a razão dos terremotos.
Em um outro mito envolvendo o Deus da mentira, ele faz com que o Deus Baldur, Divindade da Justiça e da Sabedoria, seja morto. Esse Deus, filho da Deusa Frigg com Odin, era alvo de uma antiga profecia e para evitar que ela se concretizasse, a mãe de Baldur percorreu todos os confins do Universo fazendo com que todos os seres prometessem que nunca machucariam seu filho.
Loki, ao escutar sobre isso, questionou se a Deusa conseguiu a promessa de todas as criaturas. Ela confirma, dizendo que só não pediu ao Visco, pois como era uma planta minúscula, não poderia ferir seu filho. Ao saber disso, Loki prepara uma flecha com a planta e vai até um outro Deus, Hodr, que não possuía visão e diz para ele jogar um “presente” a Baldur. Por não enxergar, o Deus teve sua mão direcionada por Loki e arremessou o dardo, que vitimou o Deus da Sabedoria e fez com que a profecia se cumprisse.
Como uma última tentativa de salvar seu filho, Frigg pediu à Deusa do mundo dos mortos, Hel, que revivesse o Deus. Hel concordou em fazê-lo, mas para isso todo o Universo deveria chorar pela morte de Baldur. Frigg mais uma vez percorre o Universo fazendo esse pedido a todos os seres e todos choram pelo Deus da Justiça, menos uma giganta chamada Tokk, que era, na verdade, Loki disfarçado. E assim Baldur não foi ressuscitado.
Essas são apenas duas das várias histórias em que Loki aparece como o “vilão”, ou que busca aprontar travessuras com os Deuses. Vale lembrar que os Aesir eram rivais de Loki, o que explica a razão dele buscar, quase sempre, prejudicá-los. Apesar dessas questões, há histórias da mitologia em que Loki acaba por ajudar os Deuses. Uma dessas histórias, por exemplo, explica a criação do martelo de Thor.
Segundo o mito, Loki havia cortado os cabelos da esposa de Thor, a Deusa Sif. Inicialmente o casal divino ficou furioso com a travessura que Loki aprontou, entretanto, o Deus levou os cabelos para três anões, seres habilidosos na fabricação de armas e objetos. Pelo material fornecido aos ferreiros serem de uma Deusa, foi possível construir armas mágicas de incrível valor. Uma delas, como citamos, foi o Mjolnir. Também criaram a lança Gungnir, que foi dada a Odin, além de outros objetos mágicos como anéis e embarcações.
O fato é que Loki, por mais atributos negativos que possa ter, nem sempre é um ser mau. Nossa mente tende a buscar dualidades, portanto, ao pensar em Loki naturalmente imaginamos como um ser designado ao mal, uma vez que Thor (ou Odin) seriam o Bem. Entretanto, a Mitologia Nórdica revela um poderoso símbolo: não existem absolutos. Tal qual o Ying e Yang chinês, aqui os Deuses não são absolutamente bons ou maus, mas contém, em si, uma parcela de cada um desses atributos primordiais.
Em verdade, Loki é um Deus fundamental para o encerramento dos ciclos na Mitologia Nórdica: o Ragnarok. Serão seus filhos que irão lutar contra os Deuses e os derrotarão, fazendo com que o mundo passe por uma transformação. Num primeiro momento essa parece uma ideia um pouco pessimista, pois o “mal” acaba vencendo o “bem”. Porém, não era assim que os antigos Nórdicos compreendiam o Ragnarok. Não se tratava de lados, mas sim do encerramento de um ciclo que, para uma cultura guerreira, se daria com a derrota em uma guerra. Assim se iniciaria um novo ciclo, com uma outra Humanidade inclusive.
Portanto, a visão de Loki como um ser maligno e mal é muito mais nossa, atual, do que da cultura Nórdica. O Deus faz apenas parte de uma dualidade existente no Universo. Quanto a isso, há uma das histórias desse Deus que mostra bem o seu papel dentro da composição do Universo para os Nórdicos.
Esse mito conta que Loki fez um pacto de sangue com Odin, tornando-se assim um irmão do Deus dos Deuses. Até então Loki não tinha esse “status” e, por mais que não fosse um Aesir, ele vivia com os Deuses que um dia combateria. Odin, que é o Deus que sabe de todas as coisas, saberia que um dia seria derrotado por um filho de Loki, o lobo Fenrir, mas isso não o impediu de conviver com o irmão de sangue.
Esse mito mostra que a relação de Odin e Loki para os Nórdicos não se tratava, necessariamente, do bem contra o mal, mas apenas de ciclos: cosmos e caos, criação e destruição. Forças da natureza que existem e fazem parte da manutenção do Universo. Portanto, não devemos compreender Loki como um Deus maligno, mas sim como uma força caótica da natureza que existe e se faz necessária.
Visto tudo isso, que possamos nos inspirar e combater o caos que há dentro de cada um de nós. Não sejamos tomados pela ira, discórdia e pelo espírito provocativo, próprio de quem busca separar. Sejamos pontes de União, Cosmos, pois só assim não cairemos nas armadilhas do Deus Loki.