Desde o início da nossa trajetória como espécie, buscamos compreender o que nos torna humanos. E, em histórias como a do alpinista voluntário Agam Rinjani, encontramos pistas valiosas sobre isso. Essa não é uma pergunta simples de se responder, pois, a depender do ponto de vista que observamos, podemos encontrar diferentes respostas. Para a biologia, por exemplo, o ser humano é um primata que adquiriu uma autoconsciência a partir da evolução do seu cérebro; para os químicos, somos uma mistura de elementos químicos que, ao se combinarem, formam nossa estrutura.

Essas respostas, porém, não são suficientes. De maneira poética, a antropologia aponta que o primeiro traço de uma verdadeira humanidade está em achar um fêmur curado em um sítio arqueológico, pois, no mundo puramente animal, uma lesão grave em uma perna atrasaria todo o grupo de caçadores. Logo, o “normal” seria abandonar aquele componente do grupo e deixá-lo morrer, pois é assim que os animais fazem. O fato do fêmur ter se curado significa que alguém o tratou, esperou sarar, e assim seguiram a viagem. Esse é o verdadeiro sinal da espécie humana: o cuidado com o outro.
Em meio a tantas guerras, avanços tecnológicos e tragédias cotidianas, tem se tornado um ato cada vez mais raro encontrar essa ajuda genuína entre nós. É fato que há uma bondade expressa e pouco divulgada em pequenos atos; porém, se faz necessário ressaltá-los para podermos alcançar uma verdadeira mudança mundial.
Foi isso que nos ensinou o alpinista que desafiou a verticalidade de uma das montanhas da Indonésia, para resgatar o corpo de uma jovem brasileira que havia caído durante uma escalada. O gesto em si é relativamente “simples”: subir, localizar, resgatar e descer. Mas o que esse movimento contém é, na verdade, um mergulho profundo em valores que muitas vezes deixamos esquecidos: o respeito, o sacrifício e a coragem de se colocar em risco pelo outro. O nome disso é heroísmo.

O que é heroísmo?
Vivemos em uma época de visibilidade exacerbada, em que os grandes atos parecem precisar de plateia. No entanto, Agam Rinjani, o alpinista que demonstrou seu heroísmo, nos relembra de algo essencial: o verdadeiro heroísmo não requer aplausos. Assim como Fidípides correu até Atenas para avisar que a cidade estava salva, Agam Rinjani – até então um apreciador de alpinismo e uma pessoa que não estava diretamente ligado ao resgate – se lançou à montanha para que uma família pudesse, enfim, sepultar seu luto com dignidade. E talvez, nessa escolha, tenha feito mais pela humanidade do que muitos dos grandes nomes que estampam capas de jornais.

Essa atitude de generosidade em prol de outros seres humanos é o que podemos chamar de heroísmo. Palavra tão repetida, tão celebrada e, ainda assim, tão mal compreendida. Confundido com fama, poder ou visibilidade, o heroísmo perdeu, em grande parte, seu vínculo com aquilo que o torna realmente nobre: o sacrifício consciente em favor do outro.
Se voltarmos os olhos para a história, veremos que os verdadeiros heróis nem sempre foram aqueles vestidos com armaduras reluzentes ou condecorados em praças públicas. Muitos foram anônimos, desconhecidos e tantas vezes esquecidos em seu próprio tempo. Foram aqueles que, em momentos decisivos, fizeram o que precisava ser feito, mesmo quando ninguém mais queria fazer.
Na Antiguidade, os heróis eram humanos que, por sua coragem, tocavam o divino, não por vencerem batalhas, mas por se lançarem a elas com consciência de seus riscos. Era a entrega que os tornava extraordinários. E talvez seja justamente isso que falta aos nossos tempos: reconhecer que o heroísmo não está no que mostramos, mas nos gestos que só têm valor porque foram feitos quando ninguém estava vendo.
No caso do alpinista, o heroísmo se revela na decisão de ir ao resgate mesmo quando o corpo já não pulsava, mesmo quando não havia glória a ser alcançada. O que ele buscava não era um troféu, mas um encerramento digno para uma história que, infelizmente, foi interrompida. E isso exige algo que vai além da força física: exige um senso de dever que poucos cultivam. Afirmamos isso porque, no fundo, ser herói é isso: estar disposto a fazer e a se sacrificar quando ninguém mais consegue ou não quer fazê-lo.
Como Agam Rinjani se tornou um herói?
Tudo começou com a notícia de que uma jovem brasileira havia sofrido um acidente grave durante uma escalada na Indonésia. O local era remoto, de difícil acesso, perigoso até para os mais experientes. Por dias, o corpo permaneceu inerte na encosta da montanha, exposto ao tempo, à espera de uma resposta. Era um desses momentos em que o mundo parecia seguir seu curso alheio à dor de uma família que, do outro lado do oceano, esperava por um gesto de compaixão.
Devido à dificuldade do resgate, nem mesmo equipes experientes estavam seguras de conseguir alcançar o sucesso nessa missão. Foi então que Agam Rinjani se apresentou. Não o fez por convocação oficial, muito menos por benefício próprio. O jovem alpinista simplesmente decidiu que o mais justo e digno era ajudá-la, mesmo que já não houvesse vida naquele corpo. A dignidade humana, porém, vai além disso. Logo, o que o moveu não foi a vaidade de mostrar que era capaz de ajudar no resgate, mas um senso de dever a cumprir em prol da família e da própria vítima.
A preparação foi meticulosa. Equipamentos, mapas, alimentos, planejamento. Ao total foram 7 horas até conseguir resgatar o corpo, carregando-o em suas costas. Isso não seria possível se não existissem a vontade de aplacar um pouco a dor dos familiares e amigos que perderam um ente querido e a disposição de enfrentar a montanha, a superação dos seus medos – afinal, Agam poderia ter se tornado outra vítima.

A descida, dizem os montanhistas, é sempre mais difícil que a subida. E talvez tenha sido mesmo. Afinal, agora não era mais apenas o peso do corpo, mas o peso da missão a ser cumprida. E com ela vieram o cuidado redobrado, a atenção às intempéries, o cansaço e tantas outras adversidades. Apesar de todos os contratempos, Agam Rinjani seguiu, passo a passo, até conseguir, de fato, finalizar o resgate. Na chegada, nada de festa, nem fanfarra. Apenas o reconhecimento contido de que algo grande havia sido feito.
Como ser um herói cotidiano?
Não precisamos subir montanhas ou resgatar pessoas para sermos heróis. Como falamos, o heroísmo está expresso nos atos de sacrifício e de ajuda aos outros, mesmo que não haja reconhecimento. Na Índia Antiga chamavam-se atos dessa magnitude de reta-ação, ou seja, uma ação sem desejo, sem ansiar pelo fruto.
Nem todos terão de escalar montanhas ou resgatar corpos, mas todos, em alguma medida, serão chamados a exercer a coragem que é necessária para ser um herói. A vida cotidiana, com suas dores e desafios, está cheia de oportunidades para pequenos heroísmos, pois ser um herói, afinal, não é ser infalível. É estar disponível para ajudar antes de ser ajudado. É estar disposto a se comprometer com algo que ultrapassa o interesse próprio.
Como podemos exercer isso? Tente ajudar um desconhecido. No trabalho, seja proativo e se coloque a fazer a tarefa que ninguém deseja. Em casa, seja o melhor para a família, sem exigir elogios ou recompensas. Todos esses atos são formas de heroísmo.
Assim como Agam Rinjani nos ensinou por meio de sua coragem, o heroísmo não precisa de plateia. Basta um coração disposto a carregar o que ninguém quer tocar. Basta alguém que, diante do abandono, diga: “eu vou”. E isso, mais do que força, exige uma sensibilidade rara, afinal, vivemos em um mundo que estimula que não estejamos nos preocupando uns com os outros. Agindo assim, olhamos para a vida social como um grande campo de competição em que nos degladiamos por migalhas.
Entretanto, ainda é possível enxergar os heróis do cotidiano. Estamos cercados de histórias belas, que são capazes de nos emocionar apenas pelo fato de terem sido realizadas apenas com a intenção de ajudar o próximo. O caso de Agam Rinjani é um grande exemplo, sem dúvida. Seu gesto não foi apenas um ato técnico ou solidário, mas um ato humano, demasiadamente humano. E para inspirar a todos nós basta apenas concretizar em ações o que a nossa natureza busca expressar de modo natural e melhor: a nossa essência divina.
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