É muito inspirador pensar em todos os heróis como filhos de Eros, o Deus do amor grego. Eros é um dos deuses mais antigos, retratado na Teogonia de Hesíodo (coletânea que explica a origem do Universo segundo a cultura grega), que está presente desde a gênese do Universo. Do amor de Deuses e Humanos nasceram os maiores heróis de muitas das civilizações clássicas.
Na Índia, os Pandavas, grandes heróis da Guerra Santa descrita no Mahabharata, são filhos de Kunti, com os deuses que representam a Justiça, a Força, a Coragem, a Paciência e a Beleza.
Voltando à Grécia: Hércules, Teseu, Aquiles, Perseu, entre outros são todos filhos dos Deuses. Isto nos parece simbolizar que nós, seres humanos, para nos tornarmos heróis, temos que roçar ao divino. E esse contato só é possível quando ascendemos ao céu, através de atos virtuosos. Realizações que sejam feitas não por um interesse egoísta, mas por Amor. Todos os heróis são, portanto, filhos do Amor e por Amor lançam suas vidas nas mais arriscadas aventuras. Alguns os fazem pelo amor de uma Donzela, outros por amor a sua família. Mas, a história está repleta de relatos de atos heróicos feitos em nome de uma nação, pelo amor à Pátria.
Teseu se lançou contra o Minotauro para salvar os jovens de seu país. Aquiles alcançou a glória (e a morte) lutando pela Hélade na guerra de Tróia. Há uma aura mítica entre aqueles que gastam sua juventude para defender e salvar seu povo. É como se eles conseguissem um pouco de eternidade e mesmo que não saibamos seus nomes, ainda assim, pensamos neles com ternura e um pouco de inveja. Afinal, quem não gostaria de ser lembrado por ter dedicado à vida a uma causa justa? Mesmo que essa causa seja manter sua dignidade através da fidelidade a seu país.
Alguns dizem que vivemos em um país sem heróis. Na verdade, o Brasil é um país com pouca memória heroica. Há muitos nomes a citar, mas existe uma massa quase desconhecida que enfrenta, desde longos anos, um ostracismo inexplicável, uma redução injusta de suas façanhas, um desdém cínico. Trata-se do efetivo de 25.700 homens e mulheres, que vestindo verde-oliva e jurando à bandeira verde-amarela embarcavam, deixando para trás um continente de família e amigos. Foi nos dito à época que seria mais fácil uma cobra fumar cachimbo que o Brasil entrar na Segunda Guerra Mundial. Em 1944, a cobra chegou na Itália fumando cachimbo, tocando samba, distribuindo sorrisos, muita criatividade, ousadia, coragem e resiliência.
Todos os anos, um grupo de homens se reúnem para manter viva a história da FEB, a Força Expedicionária Brasileira na campanha da segunda guerra mundial. Este é o grupo histórico Irmãos da Montanha. Todos os anos eles fazem uma festa em celebração e reconhecimento de que a passagem brasileira por solo italiano deixou muitas lições de heroísmo, de alegria, de bondade, de fraternidade e de inteligência. Esses homens vestem roupas da época, carregam réplicas de armas da época e encenam a bravura de nossos heróis verde-oliva.
Até as crianças cantam de cor a “Canção do Expedicionário”. Talvez você nunca tenha visto este festival porque o evento acontece na cidade de Montese, na Itália, e esse grupo é majoritariamente formado por italianos agradecidos pela coragem brasileira que os libertou da ditadura nazi-fascista. Em nosso país, os pracinhas são frequentemente caricaturizados, diminuídos, suas façanhas são esquecidas, enquanto heróis de guerra no mundo todo recebem a atenção devida.
Uma injustiça sem tamanho, nossos homens morreram e lutaram bravamente. Foram libertar um povo que nem conheciam. Foram empenhar suas vidas pelo bom ideal, pela Justiça, contra a tirania e em nome da Liberdade. Uma história comovente, altiva e orgulhosa. Histórias da primeira força totalmente não-segregada do front. Enquanto norte-americanos se separavam pela cor da pele, franceses e britânicos (incluindo suas colônias) pela religião e local de origem, os brasileiros lutavam juntos: negros, brancos, nipônicos…
A FEB aportara no teatro de operações uma lição de fraternidade. Irmãos de armas, sem distinção de credo, cor, ou posicionamento político. E levaram junto a alegria “brasiliana”. Quando não estavam “sentando a pua” (guerreando) nos germânicos, juntavam seus sorrisos e batuques para temperar a feijoada de sentimentos que viviam.
Histórias de sucesso, como a primeira rendição de uma divisão alemã inteira, somada a outras forças fascistas italianas, foram cerca de quinze mil homens que se renderam aos brasileiros em 1945. Com sagacidade, após dois dias de combates intensos, nossas tropas cercaram os inimigos. Para evitar um banho de sangue desnecessário, com ajuda de um pároco local, nosso general Mascarenhas de Morais, exigiu a rendição completa e incondicional. Vitoriosos, capturamos centenas de equipamentos, suprimentos e animais.
Coube ao nossos pracinhas ajudar a destronar a famosa linha gótica. Fenomenal sistema de defesas criado pelo eixo para impedir o avanço aliado. Todas as nossas missões foram cumpridas. Em Porreta Terme, uma cidade que sofria sob constante ataque alemão, o QG brasileiro deu a seguinte resposta a uma solicitação do governo americano para recuar: – Mudaremos nosso QG quando tivermos que avançar! E avançaram.
Em Ronchido, após intensos bombardeios a uma igreja usada com ponto de observação, testemunhamos um acontecimento memorável. As estátuas de anjos permaneceram simbolicamente intactas na parede. Como se nos lembrassem que não haverá morteiro forte o suficiente para retirar do homem a necessidade de relacionar-se com o sagrado.
Em Montese, tivemos nossos dias mais sangrentos. Casa a casa, metro a metro, conquistamos a cidade. Naquela região, passamos três meses com temperatura de até vinte graus negativos. De todas as batalhas, Monte Castelo ficou eternizada. Contra uma divisão bem armada, disciplinada e em posição privilegiada, nossos heróis tiveram seus dias de glória.
Foram quatrocentas e quarenta e três vidas ceifadas, cerca de dois mil feridos. Para estes e para suas famílias, aquela não era uma linha secundária, a guerra não estava no fim e eles não eram poucos, nem mal treinados. Eles eram homens de honra, e coragem, eram pessoas de carne e osso como todos nós, seres humanos que sentem dor, choram e sangram, mas mesmo assim entregaram suas vidas pelo Ideal que acreditavam.
Eles foram heróis e merecem reverência e o respeito a que fazem jus aqueles que queimaram suas vidas por amor. Na luta por alcançar os cumes dos montes das terras italianas, nossos soldados alcançaram o auge de suas vidas. E nesse país, nossos heróis e heroínas vestiram verde-oliva e botaram a cobra para fumar.
Homens e mulheres lembrados pela afabilidade com que tratavam os civis. Perfeitamente ilustrada na música leve de Malagueta, um expedicionário, que você pode observar neste vídeo da BBC Brasil.
Mulheres capazes de manter a alegria e a generosidade que lhe são características, ainda que vivendo em hospitais de campanha. Homens que ficam 48 horas lutando, e que morrendo, deixavam belas canções de quem amou seu parentes, seus irmãos de farda e sua terra! Mulheres como a major Elza Cansação, a primeira voluntária de nosso país para a guerra, que perdera o grande amor de sua vida no último dia de batalhas.
De nossa parte, como um ato de Amor a nossa pátria, fica aqui a nossa homenagem e o resgate da memória de nossos heróis. Afinal de contas, a maior riqueza que uma nação possui são as virtudes de seu povo, que são sempre representadas pelas histórias de seus heróis.
Um evoé pelas conquistas de nossos(as) expedicionários(as)! Um ave pelos sacrifícios que realizaram e que permitiram ao mundo continuar sonhando grandes ideais. Tudo com um grande ato de Amor. Parece-nos que Renato Russo e a Legião Urbana sabiam o que estavam fazendo quando gravaram a música Monte Castelo. Afinal, é puro o Amor que move a juventude heróica de uma nação!